
Mota Lopes garante que se tratou de um erro ao qual é alheio e que devolveu o dinheiro logo que se apercebeu de que os salários estavam a ser indevidamente depositados na sua conta. A Oracle não se pronuncia sobre o assunto.
Mota Lopes, um militante do PSD que integrou as listas deste partido para a Câmara de Lisboa em 2013, foi nomeado vogal da direção do II em setembro de 2012. No currículo que acompanha o despacho de nomeação publicado no Diário da República consta que “colaborou em diversas multinacionais do ramo das tecnologias de informação e comunicação”.
Na sua página na rede social Linkedin é mais concreto e refere que entre 2007 e setembro de 2012 trabalhou na Oracle, onde, desde 2010, ocupava o lugar de Senior Account Manager, com responsabilidades nos negócios com a administração pública portuguesa — uma área em que a empresa fatura uma grande parte das suas vendas, diretamente ou através dos seus revendedores.
Quando foi requisitado pelo ministro da Solidariedade e Segurança Social, Mota Lopes deixou de receber o ordenado da Oracle e tornou-se responsável pelos departamentos de Arquitectura e Desenvolvimento e de Administração de Sistemas do Instituto de Informática.
Entre setembro e novembro de 2012 a Oracle ainda lhe pagou cerca de nove mil euros, a título de comissões e de subsídio de Natal, mas os pagamentos pararam nessa altura.
Nove meses depois, em agosto de 2013, a empresa depositou na sua conta bancária o valor de 3064 euros, relativo ao subsídio de férias desse ano, embora o contrato de trabalho estivesse suspenso desde setembro do ano anterior. A partir daí, a Oracle transferiu todos os meses aquele mesmo valor para a conta de Mota Lopes, a título de remuneração base, pagando-lhe também o subsídio de Natal de 2013 e o subsídio de refeição mensal.
Conforme se verifica no extrato de remunerações emitido pelo Instituto da Segurança Social — que o próprio disponibilizou ao PÚBLICO depois de ser confrontado há alguns meses com o caso — , os pagamentos mensais voltaram a cessar em maio do ano passado. O extrato da Segurança Social indica também que dez dos onze registos de remunerações e subsídios de férias e Natal inscritos em seu nome naquele período foram posteriormente anulados, tal como os subsídios de refeição.
Questionado em julho deste ano sobre o facto de ter estado a receber o ordenado e os subsídios da Oracle durante nove meses, Mota Lopes respondeu por escrito. “Após a saída da Oracle, em agosto de 2012, fiquei ainda credor de pagamentos de prémios em atraso e acertos de conta que não tinham sido realizados, referentes a comissões de vendas de bens e serviços [relativos] aos anos em que exerci funções na empresa. Porém, ao consultar o extrato da conta onde me depositavam a remuneração, para elaboração do IRS de 2013, verifiquei que os montantes tinham regularidade mensal e correspondiam à minha remuneração de base liquida”.
Foi por isso, garante o administrador do II, que só ao fim de mais de meio ano é que pediu à empresa para resolver o assunto, deixando de lhe pagar o que não lhe era devido. “Disseram-me que se tratava de um lapso por ter sido considerada uma licença sem vencimento de um ano e por isso o sistema iniciou automaticamente o processamento das remunerações”, escreve Mota Lopes. O erro, acrescenta, foi cometido pelo serviço (“payroll”) que processa os pagamentos da Oracle, centralizado na Roménia, e atingiu “mais oito colaboradores de Portugal”.
De acordo com estas explicações, o seu contacto com a companhia ocorreu “antes de maio de 2014”, em data que não indica, tendo a Oracle cessado os pagamentos a partir desse mês — altura em que perguntou quanto é que lhe tinha sido pago indevidamente. Passados quatro meses, em agosto, “imediatamente após” ter recebido a informação de que esses montantes ascendiam a “15.074,99 e 5436,87 euros”, devolveu o valor em questão, através de três transferências bancárias. Nessa conta ficou apenas com 114 euros, conforme extrato que forneceu ao PÚBLICO.
Apesar de ter consultado a conta “antes de maio” para preencher a declaração de IRS, esta só foi entregue às Finanças no dia 9 de setembro, vários meses depois do fim do prazo. Nela não consta qualquer remuneração proveniente da Oracle.
Perguntas ao ministro
maio de 2014 foi assim o último mês que lhe foi pago pela Oracle como se estivesse a trabalhar para a empresa. Foi também nesse mês, mais precisamente no dia 2, que o PÚBLICO contactou o gabinete do ministro Solidariedade e da Segurança Social, Pedro Mota Soares, com o objectivo de obter elementos sobre duas adjudicações que o Instituto de Informática aprovou em setembro de 2013 para adquirir, por ajuste direto, equipamentos e software da Oracle no valor de cerca de 1,4 milhões de euros (mais IVA).
Para lá do total de 20.511 euros que devolveu à empresa em agosto de 2014, Mota Lopes afirma ter devolvido no Verão deste ano o valor do subsídio de férias de 2013. Esta devolução, explica, foi-lhe pedida depois de ele ter solicitado a confirmação dos valores recebidos a mais, na sequência das perguntas que lhe foram dirigidas pelo PÚBLICO. O atual administrador do II diz que fez a devolução apesar de o subsídio lhe “ser devido” e acrescenta que “quando sair do Instituto de Informática” esse valor lhe será pago.
Nos termos legais, o que lhe era devido era o valor correspondente a 8/12 do subsídio, visto que em 2012 só trabalhou oito meses na empresa. O extrato da Segurança Social mostra, no entanto, que em agosto de 2013 o subsídio lhe foi pago por inteiro.
O PÚBLICO procurou esclarecer junto da Oracle Portugal o motivo dos pagamentos efetuados a Mota Lopes em 2013 e 2014 mas não obteve resposta. Uma das questões que espera resposta desde agosto prende-se com o facto de a empresa ter emitido, com data de 1 de janeiro de 2014, uma declaração onde atesta, para efeitos de IRS, que nada lhe pagou em 2013, quando, na verdade, lhe tinha pago quatro meses de salário e dois subsídios.
Mota Lopes, por seu lado, sustenta que a declaração, apesar de datada de 1 de janeiro, foi emitida a seu pedido e foi-lhe entregue em agosto de 2014, quando o problema dos pagamentos indevidos “já estava a ser resolvido”.