Início Atualidade “É POSSÍVEL IDENTIFICAR A CAUSA DA INFERTILIDADE EM TODOS OS CASOS”

“É POSSÍVEL IDENTIFICAR A CAUSA DA INFERTILIDADE EM TODOS OS CASOS”

“É POSSÍVEL IDENTIFICAR A CAUSA DA INFERTILIDADE EM TODOS OS CASOS”
Mário Sousa

Como e quando surgiu a paixão por esta medicina?

Estava a investigar a fisiologia do ovócito humano no INSERM (Paris) quando me solicitaram ajuda para colaborar com a equipe clínica encarregue de promover o desenvolvimento da Medicina da Reprodução em França. Conseguimos o primeiro bebé ICSI em França, e premiéres mundiais tais como determinar o mecanismo de ativação do ovócito na ICSI, o que permitiu estender rapidamente o sucesso da técnica, e obtivemos o primeiro bebé com recurso a células precursoras dos espermatozoides. Já em Portugal conseguimos outras premiéres mundiais tais como a maturação in vitro de células germinativas, a aplicação do diagnóstico genético preimplantação à PAF, a descoberta dos genes que controlam a espermatogénese e a descoberta de imprinting alterado nos pacientes inférteis. Ao mesmo tempo encetei um período de intensa crítica nacional, o que mudou o panorama português na RMA.

Não há números exatos, mas dizem dados oficiais que os problemas de fertilidade afetam um em cada seis casais no mundo, durante a vida reprodutiva. Estes números são um grande desafio para a Medicina de Reprodução laboratorial? Trata-se de uma especialidade em constante evolução?

A percentagem no mundo ocidental é de 10-15% dos casais em idade reprodutiva, envolvendo situações relativamente simples de resolver até situações muito complexas, persistindo um número considerável de casais não devidamente diagnosticado e tratado. Apesar de intensa divulgação, a infertilidade continua a ser um tabu, e muitos pacientes perdem anos mal diagnosticados e tratados. A orçamentação e especialização das equipes continua a ser um aspeto descurado. Esta especialidade encontra-se em constante evolução a nível laboratorial e clínico.

Em Portugal, existe maior percentagem de infertilidade feminina ou masculina?

No último artigo submetido, observamos que a causa da infertilidade era em 40% de fator exclusivamente masculino, em 41% de fator exclusivamente feminino e em 19% de causa mista.

Esterilidade é o mesmo do que infertilidade?

O termo esterilidade (incapacidade total de gravidez) já não se usa. Usa-se apenas o termo de infertilidade.

É possível identificar as causas da infertilidade? Como é feito o diagnóstico?

É possível identificar a causa da infertilidade em todos os casos. Os casos denominados idiopáticos (sem diagnóstico) necessitam de uma análise do genoma.

Fases do diagnóstico:

História detalhada da vida pessoal e familiar: são críticos a idade, a etnia, o desenvolvimento sexual, a vacinação, a alimentação, o estilo de vida, a profissão e qualquer outra doença.

Exame físico: malformações anatómicas genitais, alterações sexuais secundárias.

Exames auxiliares de diagnóstico: visam avaliar o estado geral do casal em relação a todas as funções corporais, o estado dos órgãos sexuais e sua regulação endócrina e exclusão de infeções ocultas. Incluem-se neste grupo a avaliação das trompas de Falópio, do útero e da cavidade uterina, o espermograma e diversos testes genéticos.

Podemos afirmar que a infertilidade ocorre quando um dos membros do casal, ou ambos, têm problemas físicos que afetam o processo de reprodução?

A infertilidade é uma doença resultante da falência orgânica dos órgãos reprodutores. Porém, há causas de origem psíquica.

Hoje, felizmente, o leque de tratamentos é variado e os avanços na ciência permitem tratar a maioria dos casos de infertilidade. Que tipos de tratamentos existem hoje em Portugal? Qual a taxa de sucesso dos mesmos?

Indução de ovulação:

Taxas de sucesso: 10-15%

Inseminação intra-uterina:

Taxas de sucesso: 10-15% (com espermatozoides do próprio, IIU homóloga: 10%; com espermatozoides doados, IIU heteróloga: 15%).

Fecundação in vitro (FIV):

Taxas de sucesso: 52% (≤ 34a: 73%; 35-39a: 46%; ≥ 40a: 31%).

Microinjeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI):

Taxas de sucesso: 36% (≤ 34a: 46%; 35-39a: 46%; ≥ 40a: 21%).

Biopsia testicular para extração de espermatozoides (TESE): A taxa de sucesso de recuperação de espermatozóides testiculares depende da causa (0-80%)

Taxas de sucesso: 48% (≤ 34a: 55%; 35-39a: 38%; ≥ 40a: 17%).

Aspiração testicular para extração de espermatozoides (TESA):

Taxas de sucesso: como TESE.

Diagnóstico genético preimplantação (DGPI):

Taxas de sucesso: 60%.

Seleção de embriões sem aneuploidias (PGTA): Taxas de sucesso: 62%.

Seleção de embriões sem alterações cromossómicas (PGTRS): Taxas de sucesso: 62%.

Seleção de embriões sem alterações génicas (PGTM): Taxas de sucesso: 80%.

Cultura prolongada de embriões até à fase de blastocisto. Taxas de sucesso: como FIV e ICSI.

Doação de ovócitos (FIVDO).

Taxas de sucesso: 65% (≤ 34a: 100%; 35-39a: 63%; ≥ 40a: 60%).

Doação de espermatozóides (FIVD). Taxas de sucesso: inferiores à da FIVDO. Depende da causa feminina.

Doação de embriões. Taxas de sucesso: inferiores à da FIVDO. Depende da causa feminina e masculina.

E ainda, a criopreservação de ovócitos espermatozóides e embriões; protocolos de estimulação específicos; freeze-all; scratch; eclosão assistida; activação do ovócito; diferenciação in-vitro de ovócitos; infusão de fator de crescimento; empréstimo benévolo de útero; marcadores de receptividade endometrial; estudo de imunocompatibilidade linfocítica parental (kir); estudo de imunohistocompatibilidade parental (hla); criopreservação de tecido ovárico e testicular; transplante de tecido ovárico e testicular; transplante de útero; acupunctura; atividades de relaxamento.

Trata-se de uma situação que transporta uma pesada carga emocional. Muitas vezes, a infertilidade gera sentimentos de frustração pessoal e familiar, chegando a causar problemas ao nível da inserção social. Como se lida com a infertilidade?

Para se lidar com esta situação tem de ser culto, extremamente humano e profissional. O casal infértil chega com a angústia de não conseguir descendência, de não conseguir carregar no seu ventre o feto (bebé) desejado, de ser diferente, de ser diminuído, de ser marginalizado, com baixa autoestima. É um casal fragilizado, frequentemente hostilizado pela família, amigos e empresa onde trabalham. Escutar atentamente. Averiguar a solidez da relação. Sugerir consulta de psicologia da reprodução perante sinais de depressão ou ansiedade descontrolada. Delinear um procedimento de diagnóstico. Apresentar os tratamentos, explicando e ilustrando a sua lógica, sequência, taxas de sucesso e insucesso, e as complicações. Apresentar os locais e colegas alternativos. Referenciar de imediato se a situação ultrapassa as nossas competências. Nunca avançar sem um diagnóstico estabelecido. Usar o tratamento internacionalmente mais adequado ao caso em questão. Nunca persistir no mesmo tratamento perante falha. Estar a par de todas as alternativas tecnológicas quer de diagnóstico, quer de tratamentos.