Filipa Fixe Santos é Executive Board Member na Glintt. O que pode ser contado sobre o seu percurso profissional?
Sou Administradora Executiva da Glintt (Global Intelligent Technologies, S. A.) desde 2018, liderando a unidade de negócios HealthCare. A Glintt é uma multinacional líder em consultoria e serviços tecnológicos na Saúde, com mais de 20 anos de experiência. As nossas soluções são utilizadas em mais de 200 hospitais e clínicas e em 14.000 farmácias na Península Ibérica. Somos uma equipa com mais de 1100 colaboradores, que opera a partir de 10 escritórios em 6 países: Portugal, Espanha, Angola, Brasil, Reino Unido e Irlanda.
Ocupei o cargo de Diretora do Mercado Healthcare na Glintt entre 2016 e 2018, ano em que fui eleita membro da Comissão Executiva da Glintt. Sou licenciada em Engenharia Química, Mestre em Engenharia Bioquímica e Doutorada em BioMedicina/Nanotecnologia no desenvolvimento de chips de DNA para a deteção de alterações genéticas. O meu percurso profissional é caracterizado por uma forte presença em áreas ligadas à tecnologia, à gestão da saúde e às ciências da vida.
Gosto de escrever, o que para além da tecnologia e das área biomédicas, é uma das minhas paixões. Sou autora e coautora de várias publicações em jornais e em conferências internacionais nas áreas da bioeletrónica, biomedicina, biotecnologia, educação e ehealth.
Para além da Glintt, participo noutras entidades e associações, tais como a APDSI (www.apdsi.pt), da qual sou membro da direção, e também na Universidade de Lisboa, onde sou professora auxiliar convidada.
Acredito que a tecnologia vai mudar não só a forma como gerimos a nossa saúde, mas vai também transformar a medicina e a forma como a vemos hoje em dia.
E qual é o balanço que faz deste seu percurso até aos dias de hoje?
É sempre difícil olhar para nós próprios, mas posso afirmar que gostei muito do que estudei e que gosto muito destes temas que envolvem o meu dia a dia. A minha formação levou-me a diferentes áreas e esta diversidade, para mim, tornou-se uma vantagem. Hoje em dia, acredito que não nos devemos dedicar apenas a um só assunto, mas sim ter uma visão mais transversal e multidisciplinar, porque o mundo não se resolve só com matemática e português, mas sim com um conjunto de disciplinas e variáveis. Por isso, considero que este mote da diversidade deve estar sempre presente em cada uma das profissões que exercemos.
Para mim, tudo o que seja biotecnologia, saúde digital e medtech faz-me brilhar os olhos e acredito que é através destas áreas que podemos mudar a saúde/medicina.
Por tudo isto, considero que o meu balanço pessoal é muito positivo. Claro que todos estes anos envolveram muita dedicação e muito esforço em gerir o meu trabalho dentro e fora da empresa. Mas o caminho faz-se caminhando e, ao longo dele, executei, conciliei, aprendi e hoje olho para o mesmo de outra forma. “Na vida não há nada a temer, apenas a ser compreendido” – Marie Curie.
Porque é que ainda vemos tão poucas mulheres no mercado da tecnologia?
Se olharmos para a parte das universidades, hoje em dia já temos uma grande transformação e Portugal é um bom exemplo disso.
Em 1999, quando estudei no Instituto Superior Técnico, o mundo técnico era maioritariamente masculino e o meu curso, Engenharia Química, era já considerado um “mundo feminino”, porque tinha 50% de mulheres e 50% de homens.
Atualmente, olhando para este Instituto, verificamos que existem cada vez mais mulheres. Os cursos, por sua vez, também diversificaram muito para a parte das Ciências da Vida, o que cativa, de certa forma, a parte feminina.
Contudo, quando o tema é igualdade de género no trabalho, os contrastes são notórios. Se, por um lado, há mais mulheres com qualificações universitárias, por outro, há consideravelmente mais homens a ocupar cargos mais elevados na hierarquia das instituições.
Segundo o “World Economic Forum” (1) 40% da força de trabalho a nível global é do sexo feminino. Espera-se que esse número aumente apenas 3% nos próximos 10 anos e que como tal pode levar mais de 30 anos para chegar a 50/50; (2) A igualdade de género nas funções de liderança está a décadas de distância – as organizações precisam intensificar os esforços para aumentar a contratação, promoção e retenção de mulheres; e (3) a automação de empregos trará novos desafios para as mulheres.
Considero que temos mulheres altamente qualificadas na área das TI em grandes empresas, mas a ascensão profissional das mesmas, ainda é muito reduzida. Há um estudo da McKinsey, que afirma que só 6 porcento das mulheres, chegam a ocupar a cadeira de CEO numa empresa. Isto é uma boa amostra de como efetivamente existem ainda mudanças a fazer para garantir que proporcionamos uma maior diversidade, e com isso, criar mais oportunidades às mulheres.
Para isso, considero que as mulheres, que hoje em dia têm grandes cargos nas empresas, devem garantir a promoção e incentivar outras mulheres a olhar para a tecnologia como uma carreira em que estão efetivamente a contribuir para a sociedade, como por exemplo, a tecnologia na área da saúde, cujo objetivo é melhorar a qualidade de vida de todos nós. Cada mulher deve garantir o seu papel de “role model” na carreira das TI para que cada vez mais as raparigas escolham de forma consciente esta carreira.
Quais são então para si, os grandes desafios para quem decide ingressar na área?
Pessoalmente acredito que a sorte acontece porque nos esforçamos e trabalhamos: “Talento é um por cento de inspiração, noventa e nove por cento de transpiração” | “Genius is one percent inspiration, ninety-nine percent perspiration” (Thomas Edison)”. Acima de tudo, é preciso gostar do que fazemos no nosso dia-a-dia, perceber qual o objetivo, com o que podemos contribuir e o que estamos a fazer, mas depois é preciso perceber também que, como em qualquer outra carreira, é preciso dedicação, empenho, esforço e garantir que percebemos o que estamos a devolver para a sociedade e o seu alcance.
Nesta área acho que as mulheres têm de apostar cada vez mais em ter um papel de “role model” e mentoria, no sentido de se mostrarem um pouco mais e partilhar como é que chegaram ao cargo onde estão, estabelecendo mais pontos de contacto fora do próprio ecossistema da empresa ou da universidade. O tema do networking para as mulheres, é ainda um passo difícil, ou menos fácil do que para os homens, não sei se pelo facto da sociedade ou cultural, contudo acho que estes temas têm de ser partilhados para que, cada vez mais, deixe de ser um tabu e passe a ser tão natural como é para a parte masculina.
A pergunta é recorrente: como aumentar a presença feminina em TI? A Glintt, promove essa presença?
Na minha opinião, para aumentar a presença feminina em TI, é importante que a pirâmide de qualquer empresa seja equivalente, tanto de mulheres como de homens, com modelos de carreira muito bem definidos. É importante também perceber que, ao estar numa empresa tecnológica, é possível alcançar as mesmas condições de evolução de carreira. Acima de tudo temos de alimentar essa pirâmide e garantir que as mulheres têm o mesmo nível de acesso e as mesmas condições de evolução. Mais uma vez, mentoria e networking são dois ingredientes que devemos juntar para esta equação.
Quanto à Glintt, a empresa continua a promover e a apostar cada vez mais nas mulheres. Neste momento, e a título de exemplo a Glintt tem duas iniciativas concretas:
WE Health “Empowering women entrepreneurs in health innovation” – projeto com o EIT Health, um consórcio europeu que pertence à Comissão Europeia. Este consórcio agrega mais de 140 parceiros de 14 países da Europa, contando com empresas nas áreas das tecnologias da informação e comunicação, prestadores de cuidados de saúde públicos e privados, organismos do poder local, universidades e centros de investigação, cuja estratégia baseia-se no conceito de triângulo do conhecimento, integrando a formação com os projetos de inovação e a criação e aceleração de empresas.
A participação da Glintt neste consórcio foi realizada no âmbito do projeto WE Health, financiado pelo EIT Health, e apontou direções às diversas mulheres que trabalham no setor da saúde sobre como podem ter mais sucesso nas suas carreiras, sendo que estas podem ser aplicadas por todos os que querem melhorar as suas vidas profissionais, independentemente do setor em que trabalham.
Programa “Tech Women, by Glintt” – aproveitando o Dia da Mulher, a Glintt deu o pontapé de saída para o TECH WOMEN, by Glintt. Uma das primeiras iniciativas deste programa são as Glintt Women Tech Talks (GWTT), que tiveram lugar no dia 9 de março, no Porto e em Lisboa. As GWTT surgem da vontade de dar a conhecer histórias e experiências inspiradoras e de sucesso, em contexto corporativo, proporcionando momentos de networking e de maior descontração entre os colaboradores e colaboradoras da Glintt, e os oradores(as) convidados(as). Todas as sessões terminam com um cocktail.
Enquanto na educação, saúde e serviço social há 30% de mulheres e 7% de homens, nas tecnologias e engenharias há 9% das mulheres e 31% dos homens. E é precisamente nas tecnologias que está a aposta ao nível de crescimento económico na União Europeia. Sendo a Glintt uma multinacional tecnológica dedicada ao mercado da saúde, queremos desenvolver de dentro para fora uma postura e ações capazes de mudar este cenário.
Como é que atraímos mais mulheres para as tecnologias? Sendo a Glintt uma tecnológica, temos de proporcionar essas condições através de iniciativas como estas.
Como é liderar e gerir uma empresa como a Glintt?
Liderar uma área que eu gosto é simplesmente muito mais fácil e próximo, porque são temas que eu conheço e com os quais me identifico. Isso faz 75 porcento da equação. No dia a dia não faço diferença se tenho reports de mulheres ou de homens, trato todos de igual forma. Considero que ter disponibilidade para ouvir as pessoas é fundamental, porque acho que liderar passa muito por ouvir. Saber definir os objetivos, ser transparente e ter uma ambição para a qual a minha equipa e, principalmente, os meus líderes diretos se sintam comprometidos e acreditem, também é fulcral neste cargo. A humildade de aprender com colegas, chefias e com todos os que nos rodeiam no dia-a-dia é também fundamental para crescermos pessoal e profissionalmente.
Depois, é fazer acontecer todos os dias, mais e melhor. Nem tudo sai certo à primeira, é preciso corrigir, reajustar e aprender.
É fácil gerir a sua vida profissional com a pessoal?
Todos os dias é uma pequena loucura. A preocupação com os filhos é uma constante, desde os lanches que devem levar para a escola, aos testes, à roupa, às atividades fora da escola… preocupações que fazem parte do papel de mãe.
Felizmente a sociedade tem vindo a mudar e vemos cada vez mais a figura do pai a ter um papel importante e presente em casa, tal como foi o da mãe durante tantos anos.
Efetivamente o facto de ser mulher não nos deixa desligar de todas estas preocupações, contudo, tento-me organizar o melhor possível de forma a ter tempo livre para a família, para mim, para os amigos e para fazer algum networking (estar com outras pessoas, partilhar e trocar opiniões, dar e receber), é fundamental colocar estes tempos na agenda e, acima de tudo, não esquecer de os concretizar.
Que mensagem quer deixar a todas as nossas leitoras que querem apostar nas TI?
O segredo para as mulheres é acreditarem e terem confiança nas próprias capacidades. Se acreditamos, se gostamos e ambicionamos, vamos em frente. Pode não correr sempre bem, mas aprendemos, melhoramos e nunca devemos desistir. Devemos ter vários ângulos de observação de um problema. Esta diversidade é fundamental, tanto na nossa vida pessoal como na profissional. Um conselho? Sejam mais transversais, pois ajuda a encarar problemas e a percecionar mais oportunidades e arrisquem!