om tudo o que se passa em Portugal e no mundo, com uma pandemia a entrar na fase mais crítica e muitos milhares de portugueses em casa, é possível que, por vezes, mesmo que esteja a trabalhar à distância, já nem se lembre bem do dia do mês em que vai. Mas a verdade é que o calendário não para, já estamos no final de março, começou a primavera e a hora de inverno vai mudar para a de verão.
Na madrugada de domingo, 29 de março, a hora legal muda de regime. Segundo o Observatório Astronómico de Lisboa (OAL), isto quer dizer que, em Portugal continental e Madeira, à uma hora da manhã adiantamos o relógio 60 minutos, passando para as duas horas da manhã. Já nos Açores a mudança será feita à meia-noite de domingo, passando para a uma hora da manhã.
O hábito existe há mais de 100 anos e começou durante a Primeira Guerra Mundial com o objetivo de poupar eletricidade. Todos os anos, duas vezes por ano, atrasamos o relógio uma hora no final do mês de outubro, para entrar naquele que é chamado o horário padrão ou de inverno; e, em março, voltamos a adiantá-lo para esticar ainda mais os dias e iniciar a hora de verão.
A mudança da hora vai acabar?
Entre debates, inquéritos, legislações e deliberações, o futuro desta medida continua incerto. Nos últimos anos, estas mudanças têm sido alvo de estudo e do debate mais aceso sobre o tema de que há memória. As decisões foram sendo adiadas mas tudo indica que por enquanto, e até pelo menos 2021, a hora ainda vai mudar.
Segundo explicou à NiT Rui Agostinho, do OAL, no final do ano passado, até já estão definidas as próximas mudanças: depois do adiantamento de 29 de março, a hora vai voltar a atrasar a 25 de outubro. Em 2021, o mesmo: respetivamente a 28 de março e 31 de outubro.
Depois disso, a nova decisão da União Europeia pretende acabar com as mudanças da hora, mas cada país decide qual é a hora que quer. Ou seja, escolhe o fuso horário e se quer continuar a mudar a hora ou parar a mudança — e se o fizer, qual fica a hora fixa.
A ideia na mudança de relógio é maximizar a luz solar nas horas de atividade humana, já que os dias começam a crescer na primavera e depois diminuem no outono. Mas os benefícios dessa alteração são controversos e têm sido alvo de muitas teorias — sobretudo nos últimos tempos.
Num mega inquérito realizado pela União Europeia em 2018, 84 por cento de cerca de 4,6 milhões de participantes manifestaram-se a favor do fim das mudanças do relógio. Isto levou o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, a pedir que o sistema fosse descartado já a partir do ano seguinte, com os países a ficarem responsáveis por escolher entre viver permanentemente nas horas de inverno ou de verão.
Contudo, em março de 2019, os eurodeputados deram ouvidos aos pedidos de vários ministros nacionais — que queriam realizar mais estudos, antes de uma decisão final — e optaram em reunião por atrasar as medidas. Bruxelas quer ter mais apoio e entusiasmo entre os Estados-Membros para não fragmentar a União Europeia num assunto tão delicado e em que a coordenação é essencial.
Por isso, é agora certo que qualquer nova regra não chega antes de 2021; mas parece também cada vez mais claro que o fim do regime bi-horário vai mesmo ser real. Na decisão saída desse reunião e publicada online, explica-se que os membros do Parlamento Europeu apoiaram a proposta da Comissão de interromper a mudança de horário, mas votaram a favor do adiamento da data de 2019 para 2021.
“Eles [membros do Parlamento] propuseram que a mudança de horário prevista para o último domingo de março de 2021 fosse a última para os Estados-Membros da UE que desejassem manter o horário de verão. Os Estados-Membros que preferem manter o horário normal, ou seja, o inverno, podem alterar seu horário uma última vez no último domingo de outubro de 2021”, pode ler-se na resolução.
Passando a escolha então para os países, é no fundo uma incógnita o que vai acontecer. A maioria ainda não se posicionou formalmente mas, no final do ano passado, o primeiro-ministro português, António Costa, manifestou a intenção de Portugal simplesmente manter a mudança, duas vezes por ano — a Grécia e o Reino Unido também queriam tudo como está.
Costa citou na altura o Observatório Astronómico de Lisboa, que tem recomendado que em Portugal devemos manter este regime bi-horário, com uma hora de verão e uma de inverno.
Esta organização defende que o fim desta rotatividade não faz grande sentido, pelo menos para Portugal, por dois motivos. Por um lado, por considerar que o inquérito feito por Bruxelas não é representativo. “Não teve em conta a real distribuição geográfica das pessoas — 60 por cento dos votantes eram da Alemanha —, nem sequer foi estratificada por idades ou géneros de maneira proporcional à população, que é o que se faz para ter uma amostra estatisticamente representativa da opinião real das pessoas. Também houve uma clara influência de associações que pedem o fim da mudança e votam nesse sentido, em força, à primeira oportunidade. Simplesmente, não é representativo, é enviesado”, explicou, em março, Rui Agostinho à NiT.
Além disso, adiantou, Portugal já testou por diversas vezes acabar com a mudança de hora — em variados anos, no início do século, experimentou manter a de inverno e, segundo os documentos do OAL, entre 1967 e 1975 experimentou manter a de verão. Acabou por voltar sempre às mudanças duas vezes por ano.
Tal como muitos ministros europeus, o observatório pede mais estudos antes de a decisão ser final. Os argumentos apresentados por várias entidades europeias é o de que o desaparecimento da mudança e as eventuais coordenações entre os países que escolhem inverno ou verão terão um impacto sobre os horários dos transportes, aviões, agricultura e o sistema bancário.
Como tudo começou
Esta rotina, que tem feito parte de vários países um pouco por todo o mundo, começou há mais de 100 anos. Segundo um estudo conduzido pela Assembleia da União Europeia em outubro de 2017, a ideia inicial partiu de um construtor britânico chamado William Willett, que em 1907 escreveu um panfleto chamado “O Desperdício da Luz do Dia”.
A prática em si só foi adotada pela Alemanha em 1916, e outros países europeus, bem como os Estados Unidos, seguiram o exemplo para poupar energia tendo em conta a crise energética que atravessavam durante a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
Atualmente, existem três fusos horários na UE: Hora da Europa Ocidental, que inclui o Reino Unido, Portugal e Irlanda; Hora da Europa Central, que inclui Espanha, Alemanha e Itália; e Hora da Europa Oriental, que inclui Grécia, Finlândia e Roménia.
No meio disto, há um eterno debate sobre se Espanha está no fuso horário devido. Durante a Segunda Guerra Mundial, os espanhóis e outros países europeus, com exceção de Portugal e Suíça, avançaram os relógios. Mas Espanha nunca voltou ao tempo da Europa Ocidental. Assim, embora geograficamente devesse estar no mesmo fuso horário do Reino Unido e Portugal, os seus relógios estão na mesma zona dos países de leste.
A alteração da prática da mudança, que é coordenada pela União Europeia desde 1996, começou a ser discutida no Parlamento Europeu no início de fevereiro de 2018. Meses depois, em agosto, surgiram os resultados oficiais do tal inquérito da Comissão Europeia, onde se votava a favor do fim da mudança.
Países como a Rússia, a Turquia e a Islândia já aboliram a prática. Em Portugal, a mudança da hora foi adotada pela primeira vez a 30 de abril de 1916, em plena Primeira Guerra Mundial, com objetivo de minimizar o uso de iluminação artificial, e assim contribuir para economizar combustível para o esforço de guerra.
Os argumentos a favor e contra a mudança da hora são variados, mas muitos estudos analisam a poupança de energia com este regime. Outros dizem mesmo que a alteração pode ter efeitos na saúde ou no sistema imunológico. Argumentos mais recentes, sobretudo a favor do horário de verão permanente, são a de que mais luz ao fim do dia, durante todo o ano se a hora de inverno não chegar, incentiva o ato de estar ao ar livre e até o comércio.
Enquanto na Europa se debate e analisa a situação, no Brasil, Jair Bolsonaro chegou e mudou. O presidente brasileiro assinou, em abril de 2019, um decreto lei que acabou com este ritual.
O horário de verão, adotado em 1931, ficou assim eliminado. Pela primeira vez em 35 anos, não houve mudança de hora no outono passado. O argumento é de que a mudança da hora, criada para poupar energia, já não faz sentido hoje em dia, mas a medida tem sido contestada em algumas regiões.