“ESTE É, SEM DÚVIDA ALGUMA, UM MOMENTO DE UNIÃO”

Isabel Sobral, Ana Beatriz Miranda e Andrea Ribeiro Pinto – Partners da José Saramago & Associados – Sociedade de Advogados RL, em entrevista à Revista Pontos de Vista, abordam o impacto que a Covid-19 tem tido no universo da advocacia em Portugal e lembram que este “é o momento de provar que a combatividade é parte do nosso “ADN”, e que nos permite superar os obstáculos, por mais tortuosos que se afigurem”.

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VIvemos hoje num mundo novo face à pandemia Covid-19 e que tem tido impacto em todos os setores da sociedade, algo a que as sociedades de advogados também não escaparam, sendo obrigadas a perpetuar novas medidas para continuar a sua existência. Primeiramente, de que forma é que a José Saramago & Associados – Sociedade de Advogados RL tem vindo a enfrentar este novo cenário?
A JS&A ab initio sempre esteve, como está, preparada para que qualquer um dos seus colaboradores possa desempenhar as suas tarefas em teletrabalho, uma vez que a nossa plataforma informática foi desenvolvida nesse pressuposto.
Hoje, como sempre, os assuntos/processos que nos estão confiados encontram-se todos na nossa base de dados – e claro está temos, hoje em dia, acesso imediato aos processos judiciais via plataformas informáticas do Ministério da Justiça.
Ou seja, a informatização, mesmo baseada em IA – inteligência artificial – é hoje uma realidade incontornável, assim, pois, desenvolvemos um grupo de trabalho online (via Microsoft software) que nos permite estar em comunicação constante de molde a suprir eventuais dificuldades sentidas e para prestar os necessários esclarecimentos.
Desta forma, considerando o contexto relativo à pandemia Covid-19, bem como a nossa preocupação no cumprimento de um plano rigoroso de contingência baseado nas diretrizes da Organização Mundial da Saúde (OMS), como medida de resposta à emergência de saúde pública que o nosso país enfrenta, e de forma a otimizarmos todos os esforços para garantir a segurança dos nossos Colaboradores e Parceiros, desde o dia 12 de Março encontramo-nos a trabalhar recorrendo ao teletrabalho, optando pelo atendimento à distância através do nosso e-mail e contactos telefónicos habituais, assim como o recurso à videoconferência.
Claro está que, em casos excecionais e urgentes, sempre estivemos preparados para agendar reuniões presenciais, seguindo as orientações da D.G.S

Sente que este momento é crucial para as sociedades de advogados e que estas estão a ser algo esquecidas comparativamente a outras atividades profissionais?
Este é um momento crucial não só para as sociedades de advogados, como para todos os advogados em geral.
Como é do conhecimento de todos, os prazos processuais nos processos não urgentes ficaram suspensos, sem exceções, o que, como é óbvio, causou muitos constrangimentos, na medida em que muitos foram os advogados que se viram confrontados com a perda de rendimentos e, ao contrários de outros trabalhadores independentes, não foram abrangidos pelas medidas de apoio excecionais e temporárias, idênticas àquelas que foram adotadas no âmbito do regime dos trabalhadores independentes.

Na José Saramago & Associados – Sociedade de Advogados RL, que áreas é que foram mais afetadas?
Tal como já referimos, no nosso entender a suspensão dos prazos judiciais, com o consequente adiamento de audiências de discussão e julgamento, acabou por causar inúmeros constrangimentos. Aliás, in casu, podemos referenciar que a área dos designados direitos pessoais (Família, Menores & Sucessões) e, claro está, toda a área de recuperação de créditos, foram, sem qualquer dúvida, as que vimos sofrer um maior impacto.
Na verdade, podemos constatar um aumento considerável da procura, porém, considerando a suspensão das diligências e prazos de processos não urgentes, fomos confrontados com a impossibilidade de dar a adequada resposta com a máxima celeridade possível, tal como sempre foi e será o nosso timbre.

Apesar de muitas sociedades garantirem que já é usual a prática do teletrabalho, com a propagação do coronavírus admitem intensificar essa prática, caso a pandemia se agrave? Quão importante tem sido esta vertente do teletrabalho na vossa orgânica?
Como expressámos ab initio, a nossa principal preocupação é proteger a saúde e o bem-estar dos nossos colaboradores e parceiros e, como tal, estando preparados para continuarmos a dar uma resposta célere e eficaz com o recurso ao teletrabalho, pelo que não colocamos qualquer objeção à sua intensificação, caso a situação pandémica se venha a agravar (e mesmo até que esse não seja o caso).
Na verdade, a vertente de teletrabalho foi a que sempre nos permitiu responder, atempadamente, às várias solicitações dos nossos parceiros, estando em contacto permanente com os mesmos, e é a que mais permite uma melhoria constante na dicotomia de todos os advogados a saber, trabalho, bem-estar e família.

Na orgânica da José Saramago & Associados – Sociedade de Advogados RL, em que áreas é que sentiram que houve um impacto maior? Como tem sido mantido o relacionamento com os vossos clientes?
Como já referimos, sem qualquer dúvida que toda esta situação decorrente da pandemia Covid-19, afetou, de forma transversal toda a nossa atividade, máxime nas áreas de Laboral (Trabalho e Segurança Social), Estrangeiros e Fronteiras, Contratual, Financeira, Energia, Farmacêutica, Turística, Imobiliária, e, claro está, nas áreas supra referenciadas, i.e. Família, Menores & Sucessões, e Recuperação de Crédito, nesta última área não apenas pela suspensão das diligências judiciais, mas também porque, infelizmente, muitas famílias viram o seu rendimento a diminuir drasticamente e, com isso, claro está, os incumprimentos contratuais aumentaram, contrapondo-se com a diminuição da respetiva capacidade financeira.
Ou seja, com as medidas legislativas decretadas, todas as áreas acabaram por ser, inevitavelmente afetadas. Não se poderá olvidar que toda esta pandemia conduziu a que fossem tomadas medidas legislativas com profundas consequências na sociedade em geral.

O Governo adotou, entretanto, várias medidas para os trabalhadores independentes do regime geral, mas não incluiu advogados. Os órgãos da Ordem e da Caixa de Previdência também já solicitaram apoios e medidas, mas o legislador limitou-se a autorizá-los a diferir, a requerimento, o pagamento de quotas e de contribuições, sem quaisquer outros apoios diretos relevantes. Sente que os advogados são uma classe esquecida e entregue um pouco a si própria? Existe um sentimento de injustiça neste sentido?
Essa é uma questão bastante complexa e muito se tem dito e escrito, nos últimos dias, a este respeito.
Não podemos esquecer que os advogados descontam, obrigatoriamente, para uma caixa de previdência própria, CPAS, a qual não prevê, no seu regulamento, quaisquer medidas de proteção adequadas para os seus benificiários para situações como esta que atravessamos, em que os tribunais se encontravam praticamente fechados e a tratar apenas de processos de natureza urgente e, com isso, levaram a uma inevitável quebra de rendimentos.
Assim, pois, houve, na verdade, uma desigualdade comparativamente com os restantes trabalhadores independentes, todavia, somos da opinião que devia ter sido a Ordem dos Advogados e a própria CPAS a pugnarem e a tomarem medidas que impedissem desigualdade e injustiça. Atente-se que foi sendo recusado aos advogados o pedido de moratória no pagamento do crédito à habitação, com a justificação de que estes trabalhadores independentes não estão abrangidos pelo regime geral da segurança social, o que é verdade, e por isso mesmo manteve-se um tratamento diferenciado face à generalidade dos trabalhadores independentes.
Este é, sem dúvida alguma, o momento para se iniciar a discussão se de facto os Advogados, a sua maioria pelo menos, pretendem, ou não, a revisão do regulamento que está por base da Caixa de Previdência; mais, se constitui pretensão e intenção de que a CPAS deixe de servir apenas como um “fundo de reformas” e passe a enquadrar os seus contribuintes e beneficiários com os direitos equiparáveis a quem desconta para a Segurança Social, e/ou a mesmo a discussão séria da possibilidade de os Advogados descontarem para a Segurança Social ao invés do o fazerem obrigatoriamente para a CPAS como é a realidade desde sempre.

Fazendo face ao atual momento, que análise perpetua do impacto desta pandemia nos advogados em Portugal? Teme que muitos possam fechar portas por este novo paradigma?
Infelizmente, tanto quanto é do nosso conhecimento, muitos já foram os advogados que: confrontados com a falta de trabalho, de rendimentos, mas com a manutenção de todas as suas obrigações, rendas do escritório, da habitação e o demais para a manutenção de uma vida digna, e que continuaram, de igual forma, obrigados a realizar, mensalmente, o pagamento para a CPAS, de quantias calculadas com base e rendimentos presumidos e que não correspondem os seus reais e efetivos rendimentos, se viram obrigados a suspender a sua inscrição na Ordem dos Advogados.

Que mensagem lhe aprazaria deixar a todos os profissionais da advocacia em Portugal?
Constitui facto notório, o qual é aquele que nos saudosos ensinamentos do Prof. Castro Mendes “não carece de prova”, que estamos a viver um dos mais terríficos momentos da recente história da humanidade, cujas consequências não conseguimos, ainda, vislumbrar no seu todo e, pese embora as mais recentes notícias, temos consciência de que, nos próximos tempos, ninguém poderá retomar a sua vida “normal”, sendo, aliás, o “afastamento social” considerado, de forma unânime, como o verdadeiro motor que pode minimizar a pandemia do Covid-19.
Este é, sem dúvida alguma, um momento de união. É o momento de provar que a combatividade é parte do nosso “ADN”, e que nos permite superar os obstáculos, por mais tortuosos que se afigurem.
Ainda que sob pena de nos “acusarem” de recorrer a lugares comuns, não desistir, é a mensagem fundamental que queremos deixar. Recordem-se sempre das célebres palavras de Raul Haidar: “A advocacia é a profissão das esperanças”.