A AJP – Associação das Juízas Portuguesas surge em 2018, devido à necessidade sentida de promoção e defesa da situação profissional das mulheres magistradas. De que forma debateram o tema e como chegaram à conclusão de que se deveria abraçar esta associação?
A ideia da AJP surgiu num grupo de magistradas após estas se terem apercebido da existência em diversos países de associações de juízas, destinadas a prosseguir, representar e defender os direitos das magistradas judiciais e das mulheres em geral. Considerando que em Portugal a profissão foi franqueada às cidadãs há mais de 40 anos, mas que se mantêm dificuldades específicas nos exercício e integração funcional das mulheres, entenderam as juízas em causa ter chegado a hora de se organizarem em termos semelhantes.
Em diversos países já existiam associações de juízas destinadas a representar e defender os direitos das mulheres magistradas. Sentem que, em Portugal, este caminho ainda só agora começou? Que objetivos se propuseram a concretizar no âmbito desta representação?
O caminho foi sendo anteriormente percorrido, mas em moldes individuais e, por isso, muito penosos. A AJP pretende contribuir para o debate democrático e aberto na sociedade portuguesa, em particular no sistema de Justiça e nas magistraturas, com vista à promoção e defesa da mulher enquanto magistrada, no exercício funcional a que se dedicou profissionalmente.
A International Association of Women Judges, fundada nos Estados Unidos, é atualmente integrada por 4000 membros, em mais de 100 países. Quão importante é para Portugal, que a AJP também integre na organização? Que mais-valias trará ao nosso país?
A mais-valia da integração da AJP numa associação desta natureza é facultar à magistratura portuguesa um contacto estreito com a realidade de outros países, aprendendo a diagnosticar problemas, contribuindo para a formação e aplicação de medidas de combate à discriminação de género no meio em que opera.
Num mundo cada vez mais global e interativo, a partilha de experiências e de conhecimentos beneficiará a sociedade em geral dado que o contacto com a realidade alargada permitirá ao judiciário uma maior permeabilidade e compreensão dos diversos fenómenos sociais que contêm formas de discriminação de género, assim possibilitando uma resposta mais eficaz na prossecução da igualdade.
Acreditam que a reflexão e partilha de experiências entre Juízas são algo significativas? De que forma promovem esta cooperação mútua entre colegas da mesma profissão?
A partilha de experiências e a reflexão sobre a realidade não só permitem aquilatar da normalidade das diversas práticas, bem como da sua desejabilidade, no sentido de conformação destas com valores fundamentais vigentes. Facultam ainda um correto diagnóstico das práticas, permitindo libertar a análise do casuísmo inerente a cada situação, facilitam a compreensão da realidade e, finalmente, promovem o estabelecimento de soluções.
A AJP encontra-se empenhada em estabelecer o diálogo, troca de experiências e reflexões, pretendendo gerar um clima de confiança entre juízas, através das ações que empreendeu e que, num futuro próximo, irá concretizar, promovendo fóruns sobre temas que surjam como importantes para as magistradas e mulheres em geral, e bem assim através da realização de conferências ou diálogos com profissionais de saúde, de segurança e da área laboral, que permitam que, sem constrangimentos, as associadas se sintam confortáveis para contribuírem com as suas experiências e/ou visões para uma sociedade mais equilibrada e justa.
Como podem descrever a desigualdade de géneros dentro dos tribunais? Consideram que, apesar dessa mesma desigualdade, existe algum tipo de evolução entre os tempos?
Em termos salariais, há um escrupuloso cumprimento da lei no que toca à igualdade de género, mas, no momento da avaliação da prestação funcional, todas as questões relativas à maternidade e ao papel da mulher acabam por refletir-se negativamente. Na verdade, ainda é raro que um juiz homem use das prerrogativas de parentalidade. No caso das mulheres, além de serem penalizadas na avaliação, a maior parte das vezes não são substituídas no período de licença, pelo que o trabalho acumula-se. E até as juízas que não são mães são penalizadas, exatamente por não o serem, sendo questionadas quanto ao facto de não produzirem mais atentas essas circunstâncias.
Estarem presentes ativamente é algo a que se comprometeram desde logo e prova disso mesmo é a futura formação online que se intitula como “exposição online: conhecer riscos, mitigar vulnerabilidades”, a realizar-se no dia 9 de setembro. Qual é o objetivo desta atividade e o que importância terá no percurso das participantes?
O mundo digital em que vivemos oferece desafios que são pouco conhecidos pela grande maioria dos cidadãos. Ora, a vulnerabilidade, que acompanha o desconhecimento é algo que deve merecer atenção, de modo a diminuir os riscos da vida online, permitindo-nos ser mais conscientes dos prós e contras da utilização destes valiosos instrumentos de socialização.
Cidadãs(ãos) mais informadas(os) serão necessariamente cidadãs(ãos) mais conscientes da realidade que as/os rodeia e, portanto, poderão conduzir as suas vidas com maior responsabilidade, quer na vertente pessoal, quer no exercício funcional.
Gostariam de deixar uma mensagem e um convite a todas as mulheres magistradas que, também elas, queiram abraçar a AJP?
Numa sociedade cada vez mais focada na funcionalização do ser humano, é fundamental não se perder de vista que somos muito mais do que meros fatores de produção. Depende da nossa disponibilidade e empenho nas causas sociais e nos valores civilizacionais, de que tanto nos orgulhamos enquanto cidadãs, a sua atualização diária e concretização prática na vida de todos. Se o exercício da judicatura indicia já um relevante interesse pelos valores em apreço, não nos esqueçamos que nós, magistradas, somos cidadãs de pleno direito e por isso – também – destinatárias diretas da Constituição da República Portuguesa, a qual jurámos cumprir quando iniciámos a nossa carreira enquanto magistradas.
O que podemos esperar da AJP no futuro? Quais os desafios que se avizinham?
Os desafios são muitos e não são específicos das mulheres juízas. Terão especificidades próprias da profissão, a exigirem respostas que atendam a tal.
A AJP tem em curso um leque de atividades, tais como a realização de estudos sobre a mulher juíza e sobre a exaustão e depressão laboral na judicatura, passando pela colaboração com escolas, do primeiro ciclo até ao secundário, a fim de promover a igualdade de género e a desconstrução de paradigmas que com aquela contendam.
Há todo um conjunto de atividades que extravasam o judiciário e que se inscrevem no escopo da AJP, enquanto associação de intervenção cívica, que a breve trecho será devidamente anunciado. ▪