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“CONSIDERO FUNDAMENTAL CONTINUAR A DAR VOZ AOS SOBREVIVENTES”

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“CONSIDERO FUNDAMENTAL CONTINUAR A DAR VOZ AOS SOBREVIVENTES”

Desde a sua criação, o Grupo de Estudos de Cancro de Cabeça e Pescoço (GECCP), foi crescendo e desenvolvendo as atividades científicas a que ano após ano se foi propondo. Enquanto Presidente do mesmo, qual é o balanço que faz do percurso de empenho e dedicação da sua atividade diária?
Faço um balanço muito positivo. O GECCP tem pouco mais de dez anos de existência e, ao longo deste tempo, conseguiu colocar o cancro de cabeça e pescoço na ordem do dia em Portugal. Trata-se de uma doença que há 10 anos era desconhecida da população geral e, mesmo entre os profissionais de saúde, era pouco abordada.
Desde a sua origem, o GECCP tem procurado sensibilizar a comunidade médica, de outros profissionais de saúde e a sociedade em geral para a sua importância – desde logo por se tratar de um cancro cujos principais fatores de risco são evitáveis (o tabaco e o álcool) e, também, porque quando diagnosticada precocemente tem uma probabilidade de cura elevada, de cerca de 80 a 90%. Atualmente, podemos dizer que conseguimos fazer chegar esta informação aos decisores, aos profissionais de saúde e à população geral.

Muitas são as iniciativas que o GECCP organiza em prole da sensibilização e alerta para o problema que é o cancro de cabeça e pescoço em Portugal. Que projetos têm vindo a ser desenvolvidos neste sentido e que são indispensáveis não apenas para os doentes oncológicos como para a população em geral?
O GECCP, afiliado português da Sociedade Europeia de Cancro de Cabeça e Pescoço (EHNS), aderiu à Make Sense Campaign (https://makesensecampaign.eu/pt/), desde o seu início. Organizada pela EHNS, é uma campanha europeia de sensibilização para o cancro de cabeça e pescoço que decorre numa semana de setembro designada de Semana Europeia de cancro de cabeça e pescoço. Em Portugal, nesta campanha, o GECCP já levou a voz dos sobreviventes desta doença à Assembleia da República, numa exposição com fotografias que contavam histórias de vida. Também acompanhou a Volta a Portugal em bicicleta, realizando rastreios e ações de sensibilização em cada etapa. Vestiu, com t-shirts alusivas à doença, os jogadores de grandes clubes da primeira liga de futebol do campeonato português. Com estas, e muitas outras ações, conseguiu passar as mensagens de: importância da prevenção, pela evicção dos fatores de risco; do diagnóstico precoce, pela educação de “1 sintoma em 3 semanas”; da reabilitação, para minimização das sequelas dos tratamentos. No entanto, em 2020, participou num inquérito europeu versando o conhecimento da população sobre esta doença que revelou que, infelizmente, 73% dos inquiridos desconheciam os sintomas da doença e que 38% nunca tinham ouvido falar da doença. Como tal, ainda muito há por fazer para aumentar o conhecimento da população geral.
Para além da sensibilização da população geral, o GECCP é uma sociedade científica que reúne profissionais de saúde de várias áreas envolvidas na abordagem e tratamento do doente com cancro de cabeça e pescoço. Como tal, todos os anos organiza um Simpósio anual, espaço de formação discussão entre pares. Em 2023, teremos o privilégio de receber em Portugal o Congresso Europeu, o qual já estamos a preparar porque será um momento importante de divulgação desta doença e porque queremos mostrar uma vez mais a capacidade de Portugal em organizar grandes eventos neste caso na área do cancro da cabeça e pescoço. Apoiamos a investigação e a formação na área destas patologias.

Todos os anos são diagnosticados milhares de novos casos de cancro em Portugal, sendo que o de cabeça e pescoço acaba por não ser tão tomado em conta como deveria. É aqui que entra o GECCP? O que falta em Portugal para uma maior sensibilização face a esta doença específica?
Em Portugal, são diagnosticados cerca de 3000 novos casos por ano. Sem dúvida que o GECCP pretende ter um papel importante a este nível. Por um lado, educando sobre os fatores de risco e motivando a prevenção. Por outro, comunicando quais são os principais sintomas e sinais que deverão levar a procura atempada de ajuda, de forma a diagnosticar precocemente uma doença que, quando detetada em fase inicial, tem um elevado potencial de cura.

Por ser insuficientemente conhecido, há uma maior probabilidade de ser diagnosticado numa fase já tardia, o que conduzirá a uma provável diminuição do sucesso e eficácia dos tratamentos. Quais são os principais sinais/ sintomas associados ao cancro de cabeça e pescoço?
Os principais sintomas e/ou sinais são: dores na língua, aftas que não cicatrizam; manchas vermelhas/brancas na boca; dor na garganta; rouquidão persistente; dificuldade e/ou dor ao engolir; gosto estranho na boca; caroço no pescoço; nariz entupido ou com sangramento. Como se pode verificar, são comuns a muitas doenças. Este é um dos motivos pelos quais as pessoas os desvalorizam. Contudo, o fator tempo é fundamental – no caso destes sintomas persistirem mais do que 3 semanas é imperativo consultar um médico.

Sabe-se que nem todas as pessoas com diagnóstico de um cancro de cabeça e pescoço tem uma causa determinada, no entanto existem várias formas de evitar ou diminuir o risco do seu aparecimento. Que hábitos a população deveria adotar neste sentido?
Os principais fatores de risco são o tabaco e o álcool. Novamente o fator tempo é importante – a exposição crónica àqueles fatores é a principal causa desta doença que acomete indivíduos com mais de 40 anos e maioritariamente do género masculino.
Outro fator de risco, principalmente de um tipo particular de cancro da cabeça e pescoço, que é o cancro da orofaringe, é a infeção ao vírus do papiloma humano. Esta é uma infeção sexualmente transmissível, transmitida essencialmente pela prática desprotegida de sexo oral. Em Portugal, este fator de risco em concreto assume muito menor expressão, comparativamente com os tradicionais hábitos tabágicos e etílicos, no entanto tem vindo a aumentar paulatinamente nos últimos anos.

Fazer exercícios físicos regulares pode melhorar a expetativa de vida de quem tem/teve cancro de cabeça e pescoço, ou até evitar que ele surja? Quais são os motivos que justificam esta ideia?
Como a Organização Mundial de Saúde defende, ter uma vida ativa dá anos de vida a qualquer um. No caso do cancro da cabeça e pescoço, sabemos que dois em cada três doentes são diagnosticados em fase localmente avançada. Para estes doentes, o tratamento curativo é geralmente agressivo, envolvendo cirurgias muitas vezes mutilantes com reconstruções laboriosas, tratamentos agressivos de radioterapia, muitas vezes associado a esquemas de doses altas de quimioterapia. As sequelas dos tratamentos locais desta doença afetam funções vitais como a ingestão de alimentos, a respiração e a fala.
Quanto melhor for a aptidão física e cardiorrespiratória de um indivíduo, maior a sua capacidade de recuperar destes tratamentos agressivos. Como tal, a prática regular de exercício físico afigura-se importante desde o início da jornada do doente com cancro da cabeça e pescoço.

O Dia Mundial do Cancro (4 de fevereiro), torna-se cada vez mais um preponderante movimento que inspira indivíduos, comunidades e organizações a sensibilizar e a agir no sentido de reduzir o impacto global da doença. É, de facto, essencial existir um dia específico de alerta e sensibilização? Considera que faz toda a diferença? Que frutos são retirados anualmente desta iniciativa?
A par das doenças cardiovasculares, o cancro é a principal causa de mortalidade dos países desenvolvidos. Existe uma responsabilidade social e de cada um de nós relativamente a esta doença: a de permitir e aderir aos programas de rastreio, a do livre acesso aos cuidados multidisciplinares e tratamentos adequados, a da solidariedade e compaixão.
Estas datas específicas, como o 4 de fevereiro, contribuem para a consciencialização coletiva e para a união contra uma doença que nos afeta a todos. Em particular, nesta fase pandémica em que vivemos, é fundamental lembrar que o cancro continua a existir, de forma a que as pessoas mantenham as atividades de rastreio e acompanhamento regular.

Na sua opinião, o que falta para que o cancro de cabeça e pescoço ganhem a devida importância? Que mensagem gostaria de deixar?
Apesar de muito ter vindo a ser feito, mais de 70% das pessoas não conhecem os sintomas do cancro da cabeça e pescoço e quase 40% nunca ouviu falar da doença.
Preocupa-me, também, que os sobreviventes desta doença ainda não tenham acesso a uma reabilitação completa – desde logo, a reabilitação oral ainda é um mito para muitos, e a reabilitação física e psicológica não é universal. Preocupa-me também que estes sobreviventes ainda sejam marginalizados pela sociedade. Falamos muitas vezes de pessoas em idade laboral que, por estarem traqueotomizadas ou por não se alimentarem pela boca (mas por um tubinho ligado ao estômago), não se sentem, sequer, à vontade para procurar emprego.
Para além da necessidade de aumentar o conhecimento sobre a doença, os seus fatores de risco e os sintomas e sinais, considero fundamental continuar a dar voz aos sobreviventes, mostrando-lhes, e à sociedade, que há vida para além do cancro.