“AS CÉLULAS ESTAMINAIS MESENQUIMAIS PODERÃO TER UM EFEITO MUITO POSITIVO EM DOENTES GRAVES COM COVID-19”

Em tempos de COVID-19, que importância damos à Criopreservação e às Células Estaminais? Porque é importante guardar as células estaminais do cordão umbilical? Sobre este e outros assuntos, a Revista Pontos de Vista esteve à conversa com André Gomes, Fundador e CEO do único laboratório em Portugal com uma acreditação internacional para o processamento do sangue e do tecido do cordão umbilical, a Crioestaminal, onde ficamos a perceber qual é e tem sido a missão da marca, principalmente num contexto pandémico.

901

A Crioestaminal tem, desde o primeiro dia, a missão de aumentar as oportunidades de tratamento existentes e futuras com células estaminais, ao contribuir de forma ativa para a evolução da ciência na área da terapia celular. Como nos pode descrever a evolução destes tratamentos até ao momento?
Quando iniciámos a atividade em 2003, começava a falar-se em Portugal da importância das células estaminais do sangue do cordão umbilical, para mais tarde poderem ser usadas no tratamento de doenças. Nesta altura, existiam cerca de 2000 transplantes realizados com sangue do cordão umbilical.
Desde então, o conhecimento sobre as células estaminais tornou-se mais vasto existindo hoje mais de 45.000 transplantes realizados, mais de 80 doenças tratadas e centenas de ensaios clínicos em curso, algo que não acontecia há 18 anos.
A Crioestaminal, integra atualmente o maior grupo de células estaminais Europeu, que no conjunto dos seus laboratórios, tem mais de 450 mil amostras criopreservadas, tendo já contribuído para 96 tratamentos com células estaminais do sangue do cordão umbilical, dez dos quais em crianças portuguesas. Além das utilizações de sangue do cordão umbilical, temos no nosso grupo uma vasta experiência de utilização de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão, contando já com mais mil utilizações.

Trabalham todos os dias para melhorar a qualidade de vida de todas as famílias que queiram criopreservar a suas células estaminais. Assim, é também, através de uma constante e consistente aposta na investigação e desenvolvimento no campo das ciências da vida, que a Crioestaminal se aproxima deste propósito.
Promovemos o desenvolvimento de terapias com células estaminais, através de um investimento contínuo em projetos de Investigação & Desenvolvimento (I&D), aos quais dedicamos 10% do nosso volume de negócios. Outro aspeto importante, foi o facto de fundarmos um Banco de Células Estaminais dedicado à I&D, isto é, todas as famílias que optem por não guardar as células estaminais do cordão umbilical, podem doá-las, sem qualquer custo, à Crioestaminal. As amostras doadas não só são incluídas nos projetos que temos em curso, mas também são disponibilizadas a investigadores que delas necessitem no âmbito dos seus projetos. Por esta via acreditamos contribuir para o avanço da medicina, colaborando com a descoberta de novas terapias para doenças atualmente sem tratamento.

Que estudos/investigações estão a ser realizadas atualmente?
A Crioestaminal está focada em possibilitar o acesso a terapêuticas personalizadas baseadas em células estaminais. O desenvolvimento de projetos de I&D tem em vista descobrir novas terapias celulares, o que permite alargar a aplicação de células estaminais para além das doenças atualmente tratadas. Os vários projetos de I&D deram já origem quatro patentes internacionais.
O conhecimento gerado e a experiência da nossa equipa de I&D, permitiu-nos criar recentemente uma nova equipa de produção de medicamentos de terapia celular. Esta área, neste momento, encontra-se a produzir vários medicamentos inovadores à base de células estaminais para serem aplicados em ensaios clínicos que estamos a desenvolver com vários hospitais portugueses. De entre estes ensaios clínicos, destacaria, o StokeTherapy, em que vão ser usadas células estaminais da medula óssea para tratar doenças como o Acidente Vascular Cerebral; o RescueCord, em que através de administração de células estaminais do sangue do cordão umbilical a recém-nascidos com encefalopatia hipóxico-isquémica, vamos procurar minorar os efeitos da privação de oxigénio durante o parto.
Mais recentemente, no âmbito da COVID-19 desenvolvemos um medicamento experimental (SLCTmsc02) à base de células estaminais do cordão umbilical expandidas para tratar doentes mais graves com infeção por SARS-CoV-2, o nosso objetivo é disponibilizar este medicamento aos hospitais, num contexto de ensaio clínico até ao final do ano.

Num momento incerto e complexo provocado pela pandemia da COVID-19, muitos temas perderam a atenção/responsabilidade devida. No momento atual, que importância damos à criopreservação e às células estaminais?
Creio que hoje damos maior relevância à saúde em geral, constituindo as células estaminais do cordão umbilical uma opção de tratamento adicional, e é natural que mais famílias optem por guardá-las para a sua família, ou doá-las para investigação para que se possam desenvolver novos medicamentos.

A reação que o vírus da COVID-19 provoca no ser humano tem tido elevadas repercussões prejudiciais à saúde. Para a Crioestaminal, uma das soluções eficazes para controlar a atividade do sistema imunitário destes doentes diz respeito à administração de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical, conhecidas pela sua capacidade de regular o sistema imunitário. Para melhor entender, que resultados positivos surgem deste tratamento?
O tecido do cordão umbilical é uma fonte rica em células estaminais mesenquimais, células essas que apresentam uma capacidade ímpar de regular a atividade do sistema imunitário, estando já a ser testadas em humanos em situações de doença onde ocorre uma resposta exacerbada do sistema imunitário do paciente que pode levar à destruição dos tecidos e órgãos do próprio paciente. Em doentes graves com COVID-19 ocorre uma reação deste tipo em resposta a infeção pelo vírus, pelo que as células estaminais mesenquimais poderão aqui ter um efeito muito positivo na redução do tempo de recuperação destes doentes e na gravidade dos efeitos secundários à infeção por COVID-19.
A função pulmonar e os sintomas de doentes submetidos a este tipo de tratamento experimental melhoraram significativamente após a administração de células estaminais mesenquimais do tecido do cordão umbilical, tendo-se observado um reequilíbrio nas populações de células do sistema imunitário destes doentes, bem como do perfil de moléculas pró e anti-inflamatórias. Os resultados publicados permitiram observar que esta terapia foi capaz de inibir a hiperativação do sistema imunitário e de promover a reparação celular endógena, melhorando o microambiente pulmonar permitindo a recuperação destes doentes.
Apesar destes estudos terem sido conduzidos num número ainda restrito de doentes, os resultados favoráveis obtidos sugerem que as células estaminais mesenquimais podem constituir uma nova estratégia terapêutica para o tratamento desta doença.

Sendo o único laboratório em Portugal com uma acreditação internacional para o processamento do sangue e do tecido do cordão umbilical, o que lhe garante a maior qualidade e segurança ao longo dos 25 anos de criopreservação, o que é que considera que a população em geral ainda desconhece sobre o tema e que é necessariamente relevante?
A mensagem sobre a importância de guardar as células estaminais do cordão umbilical nem sempre fica clara para os futuros Pais. É importante reforçar que os tratamentos com células estaminais do cordão umbilical são uma realidade, e que várias famílias portuguesas já beneficiaram de tratamentos com células estaminais do cordão umbilical.
O primeiro transplante realizado em Portugal, com células estaminais do sangue do cordão umbilical guardadas num banco familiar, teve lugar no IPO do Porto, em 2007, numa criança de 14 meses com Imunodeficiência Combinada Severa, uma doença rara e fatal quando não tratada, tendo-se recorrido às células estaminais do irmão mais velho, criopreservadas aquando do nascimento, na Crioestaminal. A criança ficou totalmente curada. Seguiram-se outras utilizações de células estaminais do sangue do cordão umbilical: um caso de leucemia mieloide aguda (Hospital Niño Jesus, em Espanha) e oito utilizações no âmbito da paralisia cerebral (sete nos EUA e uma em Espanha). Nos casos das crianças com paralisia cerebral, os pais e os prestadores de cuidados, identificaram melhorias após a infusão de sangue do cordão umbilical. Recentemente, libertamos mais duas amostras para tratamentos no âmbito de ensaios clínicos para patologias do espectro autista, na Universidade de Duke, nos EUA. Mais recentemente, foi utilizada uma amostra de sangue do cordão umbilical do próprio dador, no âmbito de uma anemia aplástica grave, o transplante aconteceu em abril de 2019 no IPO de Lisboa e até hoje a doença encontra-se em remissão.
É por casos de sucesso como estes, fundamentais para a Crioestaminal, que continuamos a trabalhar para que a mensagem seja recebida por cada vez mais famílias, de modo que possam tomar uma decisão informada.

O projeto RescueCord (POCI-01-0247-FEDER-045311) visa o fabrico de um novo produto de terapia celular a partir de sangue do cordão umbilical autólogo (i.e., do próprio) para a sua aplicação clínica em recém-nascidos com encefalopatia hipóxico-isquémica. É financiado pelo Portugal 2020, no âmbito do Programa Operacional Competitividade e Internacionalização, no montante de 378.882,40 euros, dos quais 202.084,65 euros são provenientes do Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional.