MANUEL RAMIREZ FERNANDES, ADVOGADO ESPECIALISTA EM DIREITO DO TRABALHO DA RAMIREZ & ASSOCIADOS, SOCIEDADE DE ADVOGADOS, SP, RL
VEJAMOS ALGUNS DOS VETORES EM QUE PODERÁ ASSENTAR ESSA EVOLUÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO:
1º – O redeployment. Este conceito aparece como uma alternativa a um instituto que se tornou muito conhecido em tempo de pandemia: o lay-off. E o mecanismo do redeployment apresenta uma grande simplicidade concetual e claras vantagens relativamente ao lay-off. No redeployment os empregadores que têm excesso de mão-de-obra podem ceder trabalhadores a empregadores que apresentem falta de mão-de obra, reduzindo esse custo. Os trabalhadores permanecem ativos e não têm qualquer perda de rendimento. O utilizador desse excesso de mão-de-obra pode criar, ou não, um vínculo jurídico próprio com esse grupo de trabalhadores, mantendo a flexibilidade da gestão do seu nível de emprego. O Estado não fica onerado com o custo social que lhe cabe no âmbito do lay-off. Esta estratégia assenta num conceito de “economia partilhada”, e, caso seja implementada com sucesso, não só evitará a existência de largos períodos de tempo de inatividade dos trabalhadores em lay-off (com suspensão ou redução do tempo de trabalho), como poderá evitar a destruição de emprego através dos procedimentos de despedimento coletivo que, muitas vezes, se sucedem aos períodos de lay-off. É uma figura próxima da cedência ocasional de trabalhador já existente no Código do Trabalho, mas sem a limitação de só poder ser utilizada entre sociedades coligadas, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, ou entre empregadores que tenham estruturas organizativas comuns (entre outros requisitos legais). No regime jurídico laboral português existem ainda outras figuras próximas do redeployment ao nível setorial (por exemplo, na limpeza e segurança), comummente designados como “sub-rogação contratual”, que se impõe às empresas de forma imperativa, com um desenho inspirado no instituto da transmissão de estabelecimento constante do Código do Trabalho. A um nível mais individual, também existe uma figura próxima a esta no âmbito das relações jurídicas laborais emergentes dos contratos de trabalho desportivo celebrado entre os futebolistas profissionais e os clubes ou sociedades desportivas filiadas na Liga Portuguesa de Futebol Profissional, onde os clubes podem ceder temporariamente jogadores a outros clubes. E, muito provavelmente, aqui residirá o requisito para que o redployment possa ser adotado em Portugal: ocorrer através da negociação coletiva entre associações de empregadores setoriais, em negociação com as correspondentes associações sindicais, aproveitando essa fonte de direito específica do Direito do Trabalho. Tem também a vantagem da ponderação das especificidades de cada setor da economia e a vontade dos sujeitos de direito coletivo do trabalho (em representação dos seus associados), em alternativa a uma regulamentação geral e abstrata por via de lei. No entanto, temos algumas dúvidas que esta figura possa ser inserida por via de negociação coletiva sem alterar o do Código do Trabalho, acrescentando a possibilidade de, por contrato coletivo ou acordo coletivo, ser também criado e regulado o redeployment.
2º – O reforço dos direitos laborais nas plataformas digitais. Existe também a intenção de criar uma regulamentação específica para as relações laborais que decorrem em plataformas digitais. E a necessidade dessa criação nasce, sobretudo, porque a atual regulamentação laboral é omissa quanto às relações que se desenvolvam nessas plataformas e o regime geral é insuficiente para cobrir as relações laborais nesse ambiente. A ideia é seguir os exemplos de alguns países europeus e criar uma “presunção de laboralidade” específica para estes profissionais que, até à presente data, são classificados como trabalhadores independentes. Por exemplo, nos termos da lei que regula os TVDE (transporte em veículo descaracterizado), os motoristas não prestam serviço diretamente a qualquer plataforma digital (por exemplo, a UBER), mas a operadores intermediários. Já os profissionais que funcionam como estafetas podem desempenhar uma relação materialmente laboral com as respetivas plataformas (por exemplo, Glovo e Uber Eats), caso exista uma relação de trabalho direta. Mas o legislador português (e europeu) irá deparar-se com a (provável) dificuldade de que a grande maioria destes profissionais poder querer sacrificar a segurança do vínculo contratual laboral, face ao desejo de manutenção da flexibilidade profissional característica da autonomia de um profissional liberal.
3º – Trabalho à distância, teletrabalho e “nómadas digitais”. É público que os grupos parlamentares e o Governo português têm intenção de alterar a regulamentação laboral do teletrabalho, com especial ênfase na criação de modelos híbridos (entre trabalho presencial e remoto). E essa necessidade parece ser consensual. Existem diversos projetos a serem elaborados, quer por via da alteração do regime jurídico existente no Código do Trabalho, quer por via da criação de regulamentação autónoma complementar ao regime geral (modelo que já existe para outras matérias). Parece também consensual que deverão ser criadas mais situações em que o teletrabalho possa ser imposto ao empregador pelo trabalhador, para além das duas já contempladas na lei (violência doméstica e trabalhadores com filho de idade até 3 anos). Seja como for, antevemos alguma dificuldade em separar a evolução do regime relativamente a um trabalhador com o qual as empresas já tenham um vínculo laboral (teletrabalho interno ou superveniente), com o regime que deverá ser aplicável a um teletrabalhador especificamente contratado para laborar nesse modelo (teletrabalho externo ou originário). Os contextos são diferentes na sua concretização e enquadramento negocial. Relativamente aos chamados “nómadas digitais”, este fenómeno tendencialmente não se irá inserir no âmbito de relações de trabalho subordinadas, e parece-nos pouco impactante, em termos de volume, na criação de emprego. Tem mais apetência para a promoção de atividades profissionais autónomas, numa escala e âmbito internacional. A colagem do trabalho à distância e teletrabalho com objetivos ligados à promoção do (re)equilíbrio territorial, em zonas das áreas metropolitanas, ou próximas, fora dos centros mais congestionados, parece-nos fundamental. Poderá conseguir diminuir a intensidade dos fluxos de mobilidade diária urbana e interurbana e promover assim economias locais mais sustentáveis, juntamente com a promoção da qualidade de vida dos trabalhadores abrangidos. Inultrapassável parece ser o caráter voluntário (para ambas as partes) desta evolução.
4º – A Cibersegurança e tecnologias da informação e comunicação. Emerge no tecido empresarial europeu uma grande procura de profissionais especializados em tecnologias de informação e comunicação, bem como de especialistas em cibersegurança. São duas áreas cujo crescimento da procura não é acompanhado pela oferta de emprego, porque não existem em número suficiente profissionais qualificados. A chamada “transição digital” da economia ainda não evoluiu o suficiente, para que o mercado de trabalho acompanhe esta evolução da procura destes profissionais. É mais um fator que poderá dificultar a implementação dos objetivos do “Livro Verde sobre o Futuro das Relações de Trabalho”.
5ª – Inteligência artificial e algoritmos. O projetado investimento no desenvolvimento de infraestruturas e no progresso de bases algorítmicas de Inteligência Artificial (IA), nomeadamente através da melhoria da utilização dos dados públicos e industriais, com criação de repositórios de dados que permitam uma IA de “confiança”, afigurasse-nos uma área em que haverá seguramente uma evolução (tal como já existe noutros países desenvolvidos). Mas é uma área paradoxal relativamente à criação de emprego, uma vez que, num primeiro momento, impactará mais como fator de desemprego, nos termos do mais variados estudos e ensaios que se conhecem. É uma área com um potencial imenso, mas cujas consequências no emprego serão tendencialmente negativas no atual estado das competências digitais e literacia de dados relacionadas com a inteligência artificial em que estão a maioria dos setores da nossa economia. Neste setor é preciso avançar com muito cuidado.
6º – Período normal de trabalho semanal. Com o evento da pandemia, algumas empresas reduziram o período normal de trabalho semanal, passando a trabalhar quatro dias por semana. Em França já se pratica um PNT de 32 horas e em Espanha chegou a ser apresentada uma proposta de lei para redução do PNT para 32 horas. Em Portugal, o “Livro Verde para o Futuro das Relações Laborais” é omisso quanto a essa possibilidade, não obstante dedicar um capítulo aos “Tempos de Trabalho, conciliação entre a vida profissional e a vida familiar e direito à desconexão”. Em tempos de pandemia, com larga erosão do tecido empresarial pelo impacto económico devastador nalguns alguns setores, e pela dimensão da maioria das empresas portuguesas (sobretudo micro, pequenas e médias empresas) esta
possibilidade, para já, não está a ser equacionada. Mas vários especialistas internacionais consideram que, no futuro, essa será a tendência, até como fator de redução do desemprego que possa decorrer dos avanços da evolução tecnológica.