Opinião de Natália Campos Rocha, Secretária-Geral da Direção da JALP – Associação Internacional de Jovens Advogados de Língua Portuguesa.
A International Compliance Association (ICA) define compliance como a capacidade de agir de acordo com um conjunto de regras. O termo tem origem no verbo inglês “to comply”, sendo que estar em “compliance” é basicamente estar em conformidade com leis e regulamentos externos e internos.
Além da adequação ao funcionamento e estrutura de uma organização ao ordenamento jurídico e aos preceitos internos de uma empresa, compliance é gerenciar riscos, é interpretar leis, formular e monitorar processos e controlos internos, mapear e identificar pontos de melhoria, criar canais de comunicação.
Estabelecer um compliance framework para uma organização pequena pode parecer simples. Entretanto, a criação e implementação de um modelo numa grande organização, ou num país, pode ser bastante desafiadora.
O primeiro imperador da China, Qin Shi Huang, criou, em 246 a.C., uma coleção de esculturas de terracota com mais de 8 mil guerreiros para o proteger na vida após a morte.
Para garantir consistência e qualidade, ele estabeleceu um modelo complexo para a construção do exército, utilizando o mesmo método de administração e supervisão que usava no seu exército e com seus guerreiros na vida real.
A nação na época tinha 40 milhões de habitantes. Parte significativa da população trabalhou na construção dessas incríveis peças de arte. Acredita-se que mais de 700.000 artesãos levaram cerca de quatro décadas para completar o projeto. Todos os envolvidos eram responsáveis por denunciar discrepâncias e violações. As acusações eram feitas a membros da família e amigos próximos, que, por sua vez, encaminhavam os fatos à administração local e regional e, por fim, até ao governo imperial. Além disso, o imperador Qin Shi Huang visitou as oficinas e monitorou diretamente as atividades dos trabalhadores. Estas viagens aumentaram a sua visibilidade e sinalizaram o seu poder, reforçando a importância e seriedade do trabalho em desenvolvimento.
É possível reconhecer aqui alguns conceitos atuais e concluir que haviam regras e padrões pré-estabelecidos para a execução do projeto, bem como consciência da sua importância e de estratégias necessárias para assegurar o seu sucesso.
Ao invés de uma linha de atendimento – ‘reporting hotline’ – para denúncias acerca de discrepâncias relativas ao projeto original, na China antiga, as acusações eram feitas diretamente a pessoas próximas e líderes da comunidade local, sendo assim possível perceber que preceitos relacionados a compliance existiam desde então.
O grandioso acervo esculpido com riqueza de cores e detalhes é composto majoritariamente por estátuas de guerreiros, carruagens e cavalos. Músicos, acrobatas e concubinas também foram encontrados. Os soldados variam em altura de acordo com as suas funções e importância, sendo os generais os mais altos. Um total de oito mil soldados, 130 carruagens com 670 cavalos de terracota foram enterrados nas proximidades do Mausoléu de Qin Shi Huang. Apesar do rigoroso sistema de monitoramento, muitas dessas obras de arte contêm marcas que possibilitam identificar o artista e a sua história. Para tentar evitar isso, haviam fiscalizações constantes inclusive pelo próprio imperador.
Repare que todas as ferramentas usadas pelo império chinês são atuais e essenciais para os profissionais de compliance.
O mais fascinante no exemplo apresentado, é notar a aplicação do conceito o “tom vem do topo” e perceber como a atuação do(s) gestor(es) pode contribuir para a disseminação de uma cultura organizacional eficiente, por meio do estabelecimento de padrões a serem seguidos e da criação de mecanismos de fiscalização e que demonstrem comprometimento que vem “do topo”.
Hoje, mais do que nunca, com os recorrentes escândalos de corrupção noticiados pela mídia envolvendo governos e grandes grupos empresariais em países emergentes e desenvolvidos, o profissional de compliance é um indicativo para qualquer organização que realmente queira comprometer-se e aderir a padrões pré-definidos. Além disso, é fundamental que as lideranças envolvidas reconheçam: “Isso é importante para mim. Isso é importante para o conselho. Este é o tipo de coisa que estamos observando e queremos que seja feito da maneira correta, incentivamos qualquer pessoa que visualize uma situação de risco para a empresa ou preocupações relevantes levante a sua voz e nos procure. Ela terá o nosso apoio”.
Certamente o tom da cúpula foi valorizado pelo imperador na construção de seu grandioso exército de terracota, não sabemos o quanto isso foi favorável ou intimidador aos envolvidos, mas serve como uma interessante referência histórica para o estabelecimento de padrões e regras de forma eficiente pelos “gestores” responsáveis na China antiga. O sucesso da obra artística é evidente.