Águas do Baixo Mondego e Gândara e o futuro do setor das águas

A ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara é uma empresa intermunicipal fundada a partir dos Municípios de Mira, Montemor-o-Velho e Soure que visa assegurar o abastecimento de água e o saneamento de águas residuais para as populações destes três municípios. À frente desta organização está Nuno Campilho, conhecido por abraçar, de forma eficaz e corajosa, novos e ousados desafios e, apesar de se apresentar hoje numa realidade diferente daquela a que estaria habituado ao longo de toda a sua carreira profissional, pretende melhorar o serviço e qualidade da água destas três comunidades. Conheça mais aprofundadamente as suas missões e convicções.

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Foi no passado dia 1 de março que Nuno Campilho rumou até à zona centro de Portugal com a ambição de aplicar todo o conhecimento angariado ao longo de mais de 28 anos de experiência. Licenciado em Relações Internacionais, Executive MBA e Doutorando em Políticas Públicas, apresentando ainda três Pós-Graduações nas áreas de Comunicação e Marketing, Tecnologias e Gestão de Água e Ciências Políticas e Relações Internacionais, o nosso entrevistado exerceu funções autárquicas, enquanto Presidente da União de Freguesias de Oeiras e S. Julião da Barra, Paço de Arcos e Caxias, mas desenvolveu grande parte do seu percurso no setor de atividade de captação, tratamento e distribuição de águas na qualidade de Administrador Executivo e de Diretor Delegado dos Serviços Municipalizados e Intermunicipalizados de Água e Saneamento de Oeiras e Amadora durante 12 anos.
Recentemente, foi ainda convidado a ocupar o lugar de Vice-Presidente na APDA – Associação Portuguesa de Distribuição e Drenagem de Águas, cargo que, orgulhosamente, lhe permite “abrir horizontes” a nível internacional para aquela que é a sua função principal: Nuno Campilho é, atualmente, Diretor-Geral da ABMG – Águas do Baixo Mondego e Gândara, tendo cumprido, no passado 1 de maio (Dia do Trabalhador), dois meses de funções.
Não fosse um profissional de mão-cheia e convicto do seu poder enquanto agente de transformação, o nosso interlocutor chegou à realidade – desconhecida por muitos e amada por tantos outros – do interior do país, motivado por dar voz a uma entidade que pouco se fazia ouvir. Começar do zero é, na sua perspetiva, um fator favorável e proveitoso, começando por afirmar que “nesse sentido, considerando a realidade distinta onde me encontro, transporta-nos para um conjunto de necessidades que são profundamente diferentes – algo que define a estratégia base da ABMG ao nível da satisfação dos clientes, da prestação deste serviço essencial a todas as populações e que parte pelo prolongamento da rede de saneamento dos três concelhos, com especial incidência no Município de Soure, onde os números ainda estão um pouco aquém dos restantes, e no Município de Mira, no que ao abastecimento da água e à melhoria da sua qualidade diz respeito.
Assim, e numa fase que se pode considerar embrionária, Nuno Campilho assume que os investimentos primordiais da empresa, têm sido canalizados no sentido de colmatar as lacunas existentes e que se revelam ser imprescindíveis para o seu bom funcionamento. Ainda que os resultados só se possam aferir daqui a “dois anos”, segundo o próprio, estão aprovadas já várias candidaturas pelo Programa Operacional, Sustentabilidade e Eficiência no Uso de Recursos (POSEUR) na área dos três concelhos que agregam a ABMG, cujas empreitadas daí decorrentes foram recentemente consignadas.
Podemos, desde já, identificar alguns dos projetos delineados, nomeadamente no concelho de Mira uma das intervenções será o fecho de sistemas de saneamento nas localidades do Seixo e Cabeças Verdes.
Relativamente ao concelho de Montemor-o-Velho, estão previstas a ampliação e beneficiação da ETAR de Montemor-o-Velho e a construção da rede de esgotos de Arazede (Tojeiro e Cataruchos) e Liceia (Pisão) – Sistema de Águas Residuais de Liceia, Gatões e Seixo.
Já no concelho de Soure, o projeto relativo à construção das Redes de Simões, Lourenços, Mogadouro, Marco do Sul tem como objetivo a conceção das infraestruturas de recolha e transporte das águas residuais domésticas geradas nos lugares de Bonitos, Simões, Lourenços, Mogadouro, Guerres, Marco do Sul, Figueirinha e Casal do Barril, encaminhando-as para o Emissário de ligação à ETAR de Almagreira.
Ao todo, são sete os projetos para os três concelhos da área de abrangência da ABMG que representam um investimento que rondam os 9 milhões de euros.
Certo é, tudo será feito para que a empresa possa ser reconhecida no setor como uma referência na gestão dos sistemas de abastecimento público de água potável e de saneamento de águas residuais, quer pela sua organização de excelência, quer pela satisfação dos seus clientes. Fornecer aos habitantes dos municípios abrangidos, em continuidade e qualidade, água potável, recolha e tratamento das águas residuais a um custo reduzido e socialmente aceitável, e promover a sustentabilidade dos recursos hídricos e o desenvolvimento da região é o compromisso que Nuno Campilho quer ver cumprido.

Os desafios que se impõem
Sendo uma organização cuja existência é recente, vários são os (naturais) desafios que se cruzam no caminho do nosso entrevistado. Tendo em conta que as populações destas regiões estavam habituadas a um serviço de cariz municipal, que tinha um funcionamento diferente daquele que a AMBG pretende impor, têm-se originado algumas questões fruto dessa diferença. “A empresa surge exatamente para contribuir para o fim das lacunas que estavam identificadas. Penso que é uma evolução positiva porque, sabe-se que a Câmara Municipal tem dezenas de funções e o abastecimento e tratamento de águas residuais era só mais uma delas. Não era o foco principal, e esta empresa só se move por esse mesmo foco”, garante Nuno Campilho, acrescentado ainda que “estes três municípios têm uma particularidade que é a de haver descontinuidade geográfica. Enquanto que Montemor-o-Velho e Soure são contíguos, Mira tem pelo meio o Município de Cantanhede, o que provoca adversidades concretas na gestão do sistema, no que diz respeito aos investimentos que são efetuados. Os serviços desta natureza têm por princípio – que eu diria quase sagrado – serem sustentáveis. Desde há muitos anos que a constituição de serviços de abastecimento de água e de saneamento de águas residuais, numa perspetiva de recuperação e integração de custos, está a motivar a autossustentabilidade. E isso é algo muito complexo face à forma como este modelo está traçado e que inevitavelmente irá basear e sustentar as receitas necessárias ao desenvolvimento da sua atividade na tarifa”.
Satisfazer as necessidades das populações, que vai desde a intervenção na rede para reparação de roturas até à remodelação da rede, advém, claro está, da capacidade financeira que as entidades têm e que está devidamente enquadrada e equilibrada com a atividade da mesma, tal como explica o nosso entrevistado, “a ABMG não está aqui para vender mais caro ou mais barato. Como todos sabem, trata-se de um monopólio natural e como tal não nos confrontamos com qualquer tipo de concorrência. Temos de ter as tarifas justas, que não onerem em demasia os nossos clientes, mas, por outro lado, essas tarifas têm de ser suficientes para cobrirem os gastos associados ao desenvolvimento da nossa atividade”.
É com esta ambição que a ABMG vai melhorar os serviços que presta e, para isso, vai fazer um investimento em estruturas e expansão da rede para proporcionar um melhor serviço e uma melhor qualidade da água. Para já, e a funcionar de forma mais reativa à medida que ocorrem situações que promovam a interrupção do abastecimento da água ou alguma alteração na sua qualidade, Nuno Campilho assegura que o objetivo é passarem para uma lógica de prevenção, onde possam, de acordo com o investimento adequado e cirúrgico, impedir que essas mesmas situações aconteçam de forma regular e totalmente inesperada, tendo sido já identificados os locais que precisam de ser intervencionados, pelo histórico que está associado a estas ocorrências.
Ainda assim, um dos maiores desafios para o nosso interlocutor é a resistência à mudança por parte das comunidades. “Em toda a minha vida me incomodou a visão minimalista. Portugal é único em imensos aspetos e espero que o continuemos a ser, mas podíamos ter uma atitude grandiosa – porque temos essa capacidade – e não temos. As pessoas estranham a mudança, ainda que seja para melhor. Mas é algo que não me retrai”.
Apesar de todas estas particularidades, o Diretor-Geral da ABMG garante que “há uma abertura muito grande para uma aprendizagem diária e que é o que mais me tem impressionado pela positiva: a vontade que as pessoas têm revelado para aprender e fazer mais e melhor. Tem sido uma revelação muito profícua e francamente positiva. Tenho a perfeita consciência do longo caminho que temos a percorrer e isso só me motiva cada dia mais”.

A importância do recurso essencial que é a água
Será que Portugal tem vindo a ganhar consciência da importância da água e da sua reutilização? Faltarão campanhas de sensibilização, no sentido de consciencializar os portugueses para a poupança deste recurso? Foram algumas das perguntas que, ao longo da entrevista a Nuno Campilho, suscitaram a sua atenção.
Defensor deste tipo de atividades, tendo participado em várias campanhas de sensibilização e apelo ao consumo da água da torneira, do combate ao desperdício, entre outras, Nuno Campilho diz ser de extrema relevância que se leve este e outros temas às escolas e junto de todas as forças vivas dos concelhos. “Por exemplo, no que diz respeito ao consumo da água da torneira: ainda há pessoas que acham que não é benéfico. Quando dizem que água da torneira tem um “sabor” diferente em determinado local, importa que saibam que isso acontece porque têm captações diferentes, têm tratamentos diferenciados e específicos que são aduzidos à água para garantirem a sua desinfeção e preservação. Mas a qualidade existe sempre. Não estamos a gerir qualquer captação que afete a qualidade da água”, garante o Diretor-Geral.
Diretamente ligado a este tema – e não podíamos deixar de abordar – é a sustentabilidade ambiental, algo que é olhado com atenção e de forma rigorosa pela ABMG. Com uma cultura sustentável, a empresa está inserida em diversos projetos de compras sustentáveis, com uma lógica de economia circular, que sejam adequadas para a preservação do ambiente e para a redução do impacto das alterações climáticas. “Só ainda não entrámos de forma profunda na parte das viaturas elétricas porque é um encargo grande, mas temos procurado evitar deslocações, até porque temos equipas de trabalho divididas nos três municípios. E é engraçado porque, obviamente, quando assumi a liderança na ABMG, pensei em aplicar a sustentabilidade em todas as frentes, mas aqui, no interior, já tinham esse espírito. Há aqui uma perspetiva de reaproveitamento constante”, afirma Nuno Campilho, visivelmente agradado.
Parte-se do princípio, que as transformações – neste caso ambientais, só são viáveis quando todos os indivíduos são agentes dessas mesmas mudanças. Daí, segundo o nosso entrevistado, ser tão importante investir na educação ambiental. “Devia haver uma maior imposição, não afetando a liberdade de cada um, claro, mas devia existir uma atitude mais rigorosa para que não houvesse determinados comportamentos que são, na minha perspetiva, inadmissíveis e um atentado para o ambiente. Por exemplo, se secarmos a roupa na máquina gastamos mais energia e mais água. Devíamos privilegiar o ato de secar a roupa ao ar livre quando assim fosse possível. A sustentabilidade passa por inúmeros fatores e há muito para mudar. Mas passa, essencialmente, pela responsabilidade individual”, aponta.

Os próximos passos da ABMG
Os objetivos estão, desde o dia número um, bem definidos e consolidados. Primordialmente, “importa assegurar a ideia de que no fim possamos ter um grau de envolvimento muito equilibrado nos três municípios, conseguir caminhar para nos autonomizarmos no que diz respeito à origem da água e continuar esta luta permanente e diária de contribuir para a sustentabilidade deste negócio. Não queremos depender de terceiros para poder prestar este serviço”.
Para a concretização desta missão que se propõe, existem, como já referido, vários projetos a decorrer, no sentido de melhorar a qualidade da água e abastecer as populações abrangentes. Assim, a AMBG está a investir fortemente em duas vertentes: no conhecimento da rede e das infraestruturas, no sistema de informação geográfica que importa desenvolver para conseguir obter um conhecimento cada vez mais exato da rede de água, do saneamento e das infraestruturas associadas.
Sequencialmente, “estamos a investir em criar ZMC, que são as Zonas de Medição e Controlo, que permitem restringir pontos de entrega para que, numa primeira fase, possamos medir os volumes de entrada e saída que nos ajudem a ter uma noção clara e evidente do consumo que é efetuado nesse local e mediar as capitações que estão associadas a cada um dos pontos de entrega. Assim, conseguimos fazer balanços hídricos adequados e reais, para que, numa última análise, possamos contribuir para a redução das perdas de água. No fundo – e neste momento – aquilo que pretendemos é regar as plantas, para que, no futuro possamos limpar as folhas quando estiverem crescidas e viçosas”, termina o Diretor-Geral Nuno Campilho, com uma analogia da sua verdadeira ambição.