À conversa com a Revista Pontos de Vista esteve Teresa Alpuim, Presidente do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências de Lisboa e João Gomes, também professor neste departamento que, melhor do que ninguém, nos evidenciaram aspetos referentes ao papel dos dados na sociedade, nomeadamente em tempos tão complexos como o que vivemos.
Apesar de ser uma área de conhecimento cujas fontes são antigas, a Estatística e Análise de Dados tem vindo a ganhar uma importância crescente nos últimos anos. Então, de que forma são utilizadas estas competências analíticas em diferentes domínios como a medicina, os serviços públicos, banca, entre outros? Teresa Alpuim responde que “a diversidade de áreas do conhecimento e da atividade económica que utilizam estatística e necessitam de análise de dados avançada é muito grande. Tradicionalmente, os estatísticos sempre foram contratados por seguradoras, principalmente como atuários, mas também para o exercício de outras funções. Claro que a existência de grandes bases de dados e de computadores potentes permite agora, por exemplo, um controlo do risco muito mais rigoroso, tanto nos seguros como na banca, onde o risco de crédito ou de fraude utilizam intensivamente análise de dados”, acrescentando ainda que “o marketing é também uma área onde a estatística se tem afirmado, por exemplo, na caraterização do perfil de clientes ou na previsão de vendas”.
A par desta evolução, hoje – mais do que nunca – ouvimos falar sobre o tema uma vez que, pela primeira vez, vivemos um acontecimento em que é possível acompanhar dia-a-dia, a realidade das ocorrências, com base nos dados que vão sendo disponibilizados pelos especialistas da área. Com o avanço da pandemia da COVID-19, vários países adotaram medidas restritivas rígidas para travar a propagação do vírus e a estatística tem auxiliado na tomada de decisões.
Assim, e na linha da frente no que diz respeito aos dados, está a Faculdade de Ciências de Lisboa, que tem preparado, de forma rigorosa, os seus alunos. O Departamento de Estatística e Investigação Operacional é responsável por três mestrados, todos com uma componente forte dessas áreas, nomeadamente, o de Estatística e Investigação Operacional, o de Bioestatística e o de Matemática Aplicada à Economia e Gestão. Entre outros projetos inovadores, interessa salientar que, recentemente a Direção-Geral da Saúde enalteceu o importante contributo dos estudantes, no apoio semanal à elaboração dos gráficos e imagens concebidas para a demonstração dos resultados apresentados da situação epidemiológica de Portugal. “Desde o início da pandemia, sempre que nos foi possível, tentámos aplicar as nossas competências de métodos analíticos e de tratamento de dados à produção de informação correta e relevante sobre a mesma, e ao estudo das melhores formas de a combater. Por exemplo, temos vários estudantes a desenvolver os seus trabalhos finais de mestrado em temas relacionados com a pandemia ou ao estudo das suas consequências na atividade económica”, aponta Teresa Alpuim.
Os grandes obstáculos à eficácia dos dados
Além de ser Professor na Faculdade de Ciências de Lisboa, João Gomes é também um estudioso dedicado, tendo já realizado trabalhos sobre o tema, nomeadamente “Simulação ao plano de testagem em massa nas escolas” e, sequencialmente, “O problema da testagem em massa”. Na sua opinião, “não se pode gerir uma pandemia com base em casos positivos ou indicadores simplistas como o Rt (note-se que, nesta altura o Rt da Índia é semelhante ao de Portugal). É necessário integrar nas decisões uma visão multidisciplinar não só em termos de formação, mas também de convicção. Tem de haver lugar para o contraditório e para o complementar”.
Assim, apesar dos pontos já mencionados, para João Gomes, toda a informação que surgiu simultaneamente (e que deveria ser rigorosa) levanta algumas questões pertinentes, criando alguma dificuldade na sua análise. “Ao compararmos dados vindos da Europa com dados vindos da China ou mesmo dados que podem ter por detrás intenções políticas ou estratégicas do ponto de vista da gestão da pandemia, nem sempre é fácil interpretá-los. Nem todos os países definem da mesma forma o que é uma morte COVID-19. Por exemplo, em Portugal, foi tomada a decisão de que, se uma pessoa morre depois de testar positivo, então a sua morte deverá ser considerada por COVID-19, mesmo que seja um doente terminal de cancro. Outras doenças, mesmo a gripe, registaram, no último ano, valores muito inferiores ao que é usual e isto pode estar associado à definição de doente COVID”, explica o nosso entrevistado, dando outro exemplo: “Veja-se a Índia, onde cada vez que olhamos para os números, ficamos em pânico e a pensar que se está perante uma catástrofe. Ora, a Índia tem até à data 240 000 óbitos com COVID-19, o que corresponde em Portugal a pouco mais de 1700 mortos, porém qualquer banal época de gripe teve mais óbitos atribuídos do que 1700! Outra informação é que morrem por dia na Índia, nesta fase, cerca de 3500 a 4000 pessoas com o vírus, o que corresponderia em Portugal a cerca de 27 mortes com COVID-19. Estes números, se mal interpretados, podem levar ao pânico de forma escusada”, explica.
Outro desafio que se impõe atualmente e que o Professor João Gomes salienta, vai ao encontro da “alimentação do pânico que existe em grande parte da sociedade. Os jornais e as televisões noticiam diariamente que, atualmente, morrem por dia quatro a cinco pessoas com teste positivo à COVID-19 e no geral, a população não sabe que, por exemplo, no mês de abril de 2021 morreram menos 20 pessoas diariamente do que a média dos meses de abril de 2017, 2018 e 2019 e menos 60 pessoas por dia do que em 2020”.
Estando a informação dispersa e pouco disponível, até mesmo para os investigadores – segundo João Gomes –, o próprio apresenta uma solução que poderia colmatar tais lacunas: “Falta-nos um gabinete de epidemiologia que apoie o Instituto Ricardo Jorge – a Suécia, por exemplo tem dentro da agência de saúde pública um departamento liderado por Anders Tegnell com quase 130 pessoas (departamento de epidemiologia)”.
Em conclusão, podemos afirmar que existe, de facto, uma consciencialização da importância da estatística e respetivo peso na resolução de problemas. Contudo, e segundo os nossos entrevistados, “existe também o risco de se banalizarem termos e interpretarem os mesmos erradamente, porque todos se sentem um pouco estatísticos com esta “apropriação” diária e disseminação da terminologia, embora nem sempre da forma mais correta e por vezes induzindo a conclusões distorcidas”, terminam.