Início Atualidade “É importante sensibilizar para a prevenção, principalmente junto dos jovens”

“É importante sensibilizar para a prevenção, principalmente junto dos jovens”

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“É importante sensibilizar para a prevenção, principalmente junto dos jovens”

A Associação Portuguesa de Fertilidade foi constituída na sequência de um movimento cívico protagonizado por pessoas com problemas de fertilidade, tendo por isso como missão apoiar, informar e defender esta comunidade. Após 15 anos de iniciativas, e enquanto Presidente desta Associação, como tem vindo a marcar a sua posição no sentido de concretizar os objetivos que se propõem diariamente?
Desde a sua fundação, a APFertilidade procura informar e defender as pessoas com problemas de fertilidade e que precisam de apoio médico para concretizar o seu sonho de parentalidade. Para exigir igualdade no acesso a cuidados e tratamentos prestados pelo Serviço Nacional de Saúde foi e continua a ser necessário que a infertilidade seja considerada como qualquer outra doença, onde o apoio do Estado deve ser aplicado de forma justa e inclusiva. Nesse sentido, a associação desenvolveu ao longo dos anos várias iniciativas para alertar para os direitos de quem quer constituir família, mas não o consegue de forma natural, sendo necessária uma intervenção médica.
Organizámos caminhadas pela fertilidade, manifestámo-nos firmemente pelo aumento da comparticipação dos medicamentos de 37% para 69%, o que veio ajudar muitos casais a suportar as despesas com preparação para os tratamentos, realizámos ações, em parceria com entidades da área da saúde e reprodução, para sensibilizar para os problemas de quem depende de ajuda do SNS para ser mãe e pai, junto da Presidência da República, Governo e todos os grupos parlamentares, a quem solicitamos audiências anualmente.
Devido ao trabalho que temos desenvolvido, a APFertilidade é reconhecida entre mulheres e casais e pelas entidades competentes como uma instituição que tem que ser ouvida em matéria de apoio à natalidade através da procriação medicamente assistida. Dou como exemplo a recente participação da associação no grupo de trabalho para avaliação do alargamento dos programas de acesso à procriação medicamente assistida e promoção de doações ao Banco Público de Gâmetas, por convite do Ministério da Saúde e da Direcção-Geral da Saúde. Deste grupo saiu um importante relatório que indicará as necessidades que existem em PMA e as soluções possíveis para resolver questões tão importantes com as listas de espera para o apoio no SNS.

A infertilidade é uma doença reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, com uma prevalência que se estima atingir cerca de 10 a 15% da população em idade reprodutiva, afetando um número crescente de pessoas no mundo contemporâneo. Como se encontra atualmente o panorama de (in)fertilidade e sua prevenção em Portugal? Que lacunas ainda urgem identificar e ultrapassar?
Melhor que há 15 anos, mas com trabalho e investimento ainda por realizar por parte do Ministério da Saúde, que continua a disponibilizar um orçamento que fica muito aquém das necessidades da PMA do país. Neste momento, e mesmo antes da situação de pandemia, as listas de espera para primeira consulta e marcação de primeiro tratamento ultrapassam em muitos casos o razoável. Se uma primeira consulta pode levar entre dois a seis meses a ser agendada, avançar para o tratamento pode demorar um ano a 18 meses, caso não seja necessário o recurso a dadores de gâmetas. Neste caso, o tempo de espera pode aumentar até três anos, dado não existir no Banco Público de Gâmetas um número de dadores suficiente para dar resposta aos casos seguidos no SNS.
Sem dadores não é possível realizar tratamentos, sem um número de profissionais coerente, entre médicos, embriologistas, psicólogos, dificilmente se responde à necessidade de ajuda de milhares de casais, sem infraestruturas dignas, equipamento de laboratório atualizado e uma remuneração atrativa para estes especialistas, não há capacidade humana e técnica, logo a vida de muitas mulheres e casais ficam em suspenso até serem finalmente chamados pelo centro de PMA.
Existem várias situações que comprometem um apoio justo à fertilidade, como a falta de um centro na zona Sul do país, uma aposta na capacidade de resposta do Banco Público de Gâmetas, que por falta de profissionais não consegue responder aos possíveis candidatos a dadores que pretendem fazer as suas dádivas, a exclusão de tratamento por FIV e ICSI a partir dos 40 anos, a negligência, mesmo que involuntária, dos médicos das unidade de cuidados familiares que perante casos de insucesso consecutivo de uma gravidez continuam a não encaminhar atempadamente os casais para a especialidade.

A escala do problema exige ação concertada por parte das diversas entidades envolvidas na saúde e no apoio social. Sente que esse percurso tem sido realizado?
Temos registado algum esforço nesse sentido, mas falta uma colaboração e coordenação eficaz no acompanhamento médico, desde que se verifica que um casal não consegue engravidar ao final de um ano de tentativas, e procura aconselhamento junto do médico de família ou mesmo um ginecologista, até à confirmação de que se estará perante um caso de infertilidade e é necessário que se passe para a especialidade. Esta falta de linha condutora, que deveria ser prática a nível nacional, já custou a perda de vários anos a casais, que por vezes já chegam demasiado tarde à consulta de fertilidade e o SNS barra o apoio por a mulher se aproximar ou já ter atingido a idade limite legal.
Perante a ausência de ajuda no SNS, e fechada essa porta, os casais podem apenas recorrer ao setor privado, onde os custos associados a um tratamento são onerosos e inacessíveis a muitos homens e mulheres. Para estes, o sonho de serem pais biológicos termina no dia em que o Estado diz que não os pode ajudar mais.

A vertente da fertilidade em Portugal passa pela capacidade de continuar a ajudar vidas, contribuindo para a inovação no tratamento da infertilidade. De que forma é essencial que se continue a promover a inovação, a investigação e, por consequência, a prevenção, nos domínios do presente tema? Como é que a Associação Portuguesa de Fertilidade promove a inovação e qual o impacto que tem no alcançar de resultados positivos?
A APFertilidade não promove a inovação médico-científica, procura sim estar informada sobre o que é possível fazer a nível nacional e o que se está a desenvolver no país e lá fora. O nosso objetivo não é realçar o desenvolvimento na área da investigação, mas antes sublinhar a importância da prevenção e preservação. Nesse sentido, procuramos informar que mesmo em situações de doença e respetivo tratamento, como o caso de doença oncológica e a realização de quimioterapia ou radioterapia, os doentes têm o direito a serem informados que podem preservar a sua fertilidade. Isso é possível através da recolha dos seus gâmetas antes do tratamento, seguida da criopreservação dos seus óvulos ou esperma, para que depois desta batalha possam concretizar o seu projeto de parentalidade, se for sua intenção.
É igualmente importante sensibilizar para a prevenção, principalmente junto dos jovens. Sabemos hoje que o estilo de vida e hábitos de consumo desequilibrados podem comprometer a fertilidade. O consumo de álcool, tabaco, estupefacientes, medicamentos não prescritos, uma alimentação pouco variada, a poluição, stress, são todos fatores que podem pôr em risco a capacidade reprodutora no imediato ou a médio prazo.

Que estratégia deveria ser adotada em Portugal, no sentido de promover mais (e melhor) o tema da fertilidade, a par da inovação e tecnologias, bem como dar a conhecer os resultados obtidos dos tratamentos mais eficazes? Considera que a população no geral assume que a eficácia dos tratamentos de infertilidade é escassa? Porquê?
O problema está no adiamento da decisão de ter filhos. Seja por condições económicas, instabilidade profissional ou investimento na carreira, dificuldade em encontrar o parceiro ou parceira ideal para constituir família, a verdade é que a sociedade foi sendo forçada, de uma maneira ou de outra, a adiar esse projeto. O que acontece é que se não existir uma preservação da fertilidade, com o procurar saber o mais cedo possível se está tudo bem com o aparelho reprodutor, e só o fizermos quando chega o momento ponderado de avançar para a parentalidade, podem haver surpresas desagradáveis.
Muitos homens e mulheres pensam que podem adiar uma gravidez porque existem tratamentos que os vão ajudar em caso de necessidade, ou simplesmente adiam sem ter noção de que têm problemas que irão condicionar a facilidade de uma gravidez. Muitos casais só descobrem que ele, ela ou ambos, têm um problema quando tentam e nada acontece e aí procuram ajuda. Nem sempre os tratamentos resultam ou podem mesmo ajudar e quanto mais tarde menores são as capacidades de sucesso das técnicas de PMA.

Quais são os grandes desafios da Associação Portuguesa de Fertilidade para o futuro, no que diz respeito à inovação e investigação?
A APFertilidade não tem uma visão em que deposita as principais respostas na inovação ou investigação. Pretendemos acima de tudo sensibilizar, alertar, ajudar e defender quem pode depender dos avanços na medicina e investigação para ser mãe e pai. Acreditamos que, tal como noutras áreas da saúde, o futuro trará boas respostas e soluções para quem necessita de um empurrão para ter o seu filho, e sempre que isso acontecer, e como até aqui, a associação fará de tudo para estar preparada dar apoio nas fases que compõem este caminho duro, doloroso, mas que tantas vezes acaba com um colo cheio.