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Cultura Organizacional e Segurança Psicológica: Uma Relação necessária

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Cultura Organizacional e Segurança Psicológica: Uma Relação necessária

Soraia Jamal – The Agile Thinker®, Psicóloga | Consultora em fatores humanos e comportamento organizacional

Mesmo que através de um processo inconsciente, as pessoas fazem um balanço em que os benefícios do silêncio ultrapassam os benefícios de dizerem aquilo que pensam. O receio de rejeição ou de uma exposição excessiva faz com que muitos colaboradores se mantenham de cabeça baixa sem “levantar ondas”. É certo que a educação a que temos sido sujeitos nas últimas décadas contribuiu, encarando as pessoas como repositórios passivos, que assimilam a sabedoria do professor e não a questionam. Mas existe também algo de instintivo em nos querermos proteger dos riscos interpessoais que podem desencadear vergonha, culpa ou rejeição. Afinal, somos seres sociais, constantemente à procura de aprovação, pertença e conexão com os outros.

Contudo, esta atitude pode trazer consigo efeitos nefastos nas organizações que procuram cada vez mais agilidade e que exigem um desempenho ao mais alto nível. É fundamental que as pessoas percebam a importância que as suas vozes podem ter em contexto organizacional, e é crucial que se olhe para o impacto positivo que a segurança psicológica poderá ter, se este processo for facilitado pela cultura organizacional.

A especialista em comportamento organizacional Amy Edmonson, tem estudado o conceito de segurança psicológica, que, no seu entender, descreve um ambiente de trabalho onde o indivíduo sente que a sua voz é bem-vinda, mesmo que transporte consigo más notícias, preocupações, ideias pouco amadurecidas e até erros. Assim, o conceito está muito associado à experiência de nos sentirmos capazes de comunicar ideias, questões ou preocupações. A Segurança Psicológica está presente num clima onde os colaboradores confiam uns nos outros e respeitam-se, e se sentem capazes e no dever de serem francos.

E porque é que a segurança psicológica é assim tão importante? Sabemos que o contexto organizacional atual procura lidar com a incerteza e com cenários continuamente em evolução. Para as organizações que querem apostar num mindset Agile, é imperativo que cada colaborador funcione como um sensor, que seja capaz de detetar e sinalizar o que está ou pode correr mal. As pessoas só conseguirão assumir este papel se se sentirem “seguras” para se expressarem e se o clima envolvente assim o permitir. Exemplificando, são vários os acidentes em contextos como o da aviação, ou na área da saúde, em que o silêncio se paga caro, com consequências catastróficas, simplesmente porque não existe espaço criado e construído para esta segurança psicológica se manifestar.

Enquanto Psicóloga Organizacional, tive a oportunidade de estudar contextos em que se verificou que a cultura e o clima organizacional condicionam o tipo de comportamentos que as pessoas adotam. A cultura organizacional – o conjunto de crenças, valores e normas partilhado pelos membros de uma organização – quando percecionada como extremamente positiva pelos seus colaboradores pode promover comportamentos de maior proatividade e envolvimento, alinhando-se com a missão da organização. Acredito sinceramente que um colaborador não poderá contribuir ao mais alto nível com o seu potencial, se percecionar uma cultura baseada no medo, em que o poder não é gerido de uma forma ponderada. No contexto da aviação, por exemplo, qualquer elemento de uma tripulação tem de se sentir confiante e confortável para se manifestar com ideias, sugestões ou quando identifica ou suspeita de um problema, sob pena de não se conseguir quebrar a cadeia de potenciais erros que podem originar um acidente.

Embora nem todos os líderes queiram inspirar medo nos seus colaboradores, outros há que ainda acreditam, infelizmente, que um pouco de medo é propulsor do desempenho dos indivíduos. Esta é uma crença desatualizada, já que as neurociências têm vindo a demonstrar que o medo consome recursos cognitivos, impedindo que o indivíduo tenha um pensamento analítico claro e capacidade para resolver problemas. Trabalhar num mindset de escassez que alimenta o medo, mesmo que não seja muito explícito, é limitador, não só para a performance individual, mas para a própria agilidade organizacional.

Como podemos então transformar uma cultura baseada no medo numa cultura em que a segurança psicológica é valorizada, explícita e tacitamente?

Se olharmos de um modo pragmático para exemplos onde a segurança psicológica é reportada, constatamos que existe uma cultura organizacional que promove a comunicação assertiva, onde as pessoas se sentem confortáveis em oferecer as suas ideias, pedir ajuda e admitir erros sem hesitações. Encontramos culturas que valorizam e cultivam o potencial das pessoas enquanto profissionais e seres humanos. Há uma crença partilhada de que o crescimento da organização acontece através do crescimento das suas pessoas, numa espécie de paralelismo isomórfico. Considero que esta consciencialização é importante, para qualquer tipo de negócio, organização ou equipa!

Se as organizações atuais pretendem realmente estabelecer uma relação estreita entre cultura organizacional e a segurança psicológica, existem algumas práticas que podem contribuir:

A cultura organizacional não é apenas um conjunto de valores e normas “emoldurável”, havendo a necessidade de um alinhamento entre as crenças e as práticas numa coerência visível no quotidiano. Reveja as crenças e valores organizacionais e confronte com o que é explícito nas ações comuns. O mais importante pratica-se no quotidiano, não apenas nas ocasiões especiais ou quando abrimos portas a clientes e fornecedores.

À partida, a maioria das pessoas pode considerar-se tão frontal que nem sequer identifica a lacuna ao nível da segurança psicológica no seu ambiente de trabalho. No entanto, muitas vezes estamos sujeitos a “pontos cegos” que se refletem nas nossas ações e que são difíceis de detetar pelo próprio. Questione-se sobre os seus “pontos cegos” e aumente o nível de consciência, para que consiga aumentar o nível de confiança nos outros.

Alimentar uma cultura orientada para a segurança psicológica não significa sermos todos “Zen” ou “bonzinhos”. A liderança precisa de proatividade no convite à participação de todos os elementos da equipa, mas também de capacidade de gestão da comunicação da equipa, no sentido de evitar decisões HIPPO (Highest Paid Person’s Opinion – assim que um líder ou chefe de equipa manifesta a sua opinião, poderá estar a limitar a opinião de outros, pelo que deve evitar ser o primeiro a manifestar-se). Incentivar vozes pouco habituais nas discussões pode resultar em ganhos surpreendentes.

Responder com consideração tanto às boas ideias como às más notícias é uma forma de ajudar a construir a segurança psicológica. Todos sabemos que errar é humano, mas o que acontece quando há, de facto, um lapso, uma falha, admitido por parte de alguém? É preciso explicitar as consequências, se as houver, garantindo preferencialmente, que nada irá acontecer com a admissão de um erro.

Um dos grandes inimigos da confiança é o controlo. Não podemos afirmar que confiamos nas pessoas se o controlo está sempre presente e se tratamos 97% das pessoas que se envolvem e querem genuinamente fazer um bom trabalho, como os 3% que infringem as regras e fogem à norma. Fazer “pagar o justo pelo pecador” não é um bom princípio. Naturalmente, os 3% que não se regem pelos valores da organização não podem ser ignorados, sob pena de quebrar a confiança dos restantes.

Estas práticas podem ser úteis na construção de uma cultura organizacional que cultive a segurança psicológica, vital para a inovação e desenvolvimento organizacional e individual. Este caminho de construção será feito pessoa a pessoa, equipa a equipa, um dia de cada vez. Porque são as pessoas, o verdadeiro valor das organizações, que criam a cultura.

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Disclaimer: As opiniões, ideias e conceitos aqui descritos ou referidos são da minha própria responsabilidade e não representam qualquer trabalho ou relação profissional atual ou anterior. Este artigo é uma contribuição para a jornada do The Agile Thinkers, seus clientes e seguidores.