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A importância do papel do Cuidador Informal

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A importância do papel do Cuidador Informal

Jorge Manuel Pereira Gonçalves, Membro da Direção da ANCI – Associação Nacional de Cuidadores Informais

Há um certo país submerso na dor e no sofrimento que não vem nos jornais, pela pobreza e vulnerabilidade crescentes, só porque naturalmente se envelhece e a memória se perde, em labirintos, da doença ao acidente ou, ao infortúnio de se nascer portador de deficiência.

Atrás da porta ou em qualquer atendimento social onde se confunde o exercício de direitos de cidadania com uma longa fila de pedintes, há um grito que é silêncio ensurdecedor que só se regurgita em conversas discretas de uma qualquer esplanada, no sussurro do nome de alguém que já não pode sair de casa, acamado, ou então no rosto sofrido de quem arrasta um minuto num difícil café.

Os cuidadores informais, geralmente são mulheres destemidas, na heroicidade dos afetos que suplanta tantas portas que se fecham desde sempre, ao longo de várias gerações, por razões culturais desse rolo compressor do processo consuetudinário, desse pensamento demolidor do “não fazes mais do que a tua obrigação”.

O Estatuto do Cuidador Informal, desiderato de um punhado de cuidadores quando, em outubro de 2016, entregaram na AR uma petição que reuniu mais de 14 000 assinaturas, pretendeu tirar o cuidador informal da sua penosa clandestinidade, devolvendo-lhe a necessária dignidade. Entretanto, a 13 de junho de 2018, é criada a Associação Nacional de Cuidadores Informais-Panóplia de Heróis.

A Lei 100/2019, de 6 de setembro, estabelece os direitos e deveres do cuidador informal e pessoa cuidada, bem como prevê projetos-piloto a decorrer em 30 concelhos do País e por um ano. Prevê a classificação, não acumulável, do Cuidador Informal, como Principal (alguém com maioridade que cuida de forma permanente, coabita com a pessoa cuidada e não aufere qualquer remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada) e como Não Principal(alguém de maioridade que acompanha e cuida da pessoa cuidada, de forma regular mas não permanente, podendo ou não coabitar e auferir ou não de remuneração de atividade profissional ou pelos cuidados que presta à pessoa cuidada).

A Portaria 2/2020 de 10 de janeiro, regulamentou o Estatuto do Cuidador Informal.

A Portaria 64/2020 de 10 de março, já estabelece os termos e condições dos projetos-piloto, prevendo o início dos mesmos em 1 de abril de 2020, entretanto adiado para 1 de junho de 2020, devido à pandemia. Inicia-se então o processo de reconhecimento do cuidador informal, primeiro no projeto-piloto e, um ano depois, já se tornou viável o reconhecimento em todo o País embora aqui, sem contemplar as medidas de apoio, aguardando-se regulamentação nesse sentido. De notar que as Regiões Autónomas de Madeira e Açores, têm legislação específica para os Cuidadores Informais.

O Instituto de Segurança Social, para receção dos requerimentos de reconhecimento do cuidador informal, dispõe dos seus locais de atendimento, balcões distritais e recomenda o “site” Segurança Social Direta, onde se poderá efetuar o preenchimento eletrónico de todos os documentos.

Para além do reconhecimento do cuidador informal ser bastante burocrático, com exigência de documentos a atestar certos atributos que, muitas vezes, já acontecem há muitos anos e, aliás, do conhecimento dos profissionais de saúde que assistem a pessoa cuidada, estamos a falar, muitas vezes de pessoas idosas e com pouca ou nula literacia digital.

Num estudo encomendado pelo Governo há alguns anos, concluiu-se que existem em Portugal, cerca de 827.000 cuidadores informais.

No Estatuto do Cuidador Informal, define-se que o cuidador informal terá de ser alguém cônjuge ou unido de facto, parente ou afim até ao 4º grau da linha reta ou da linha colateral da pessoa cuidada, sendo esta obrigatoriamente beneficiária de Subsídio por Assistência de terceira pessoa ou Complemento por Dependência de 2º grau ou Complemento por Dependência de 1º grau, dependendo este de avaliação específica do sistema de verificação de incapacidades permanentes do ISS (transitoriamente, acamado ou com necessidade de cuidados permanentes).

Ora, atualmente, existem pouco mais do que 140.000 beneficiários destes subsídios e complementos, o que reduz drasticamente o número de potenciais Cuidadores Informais, com direito ao respetivo reconhecimento. Acresce o outro tipo de dificuldades, como a exigência de coabitação entre cuidador e pessoa cuidada e o facto de não estarem contemplados no Estatuto do Cuidador Informal, a figura do amigo ou vizinho que presta cuidados, tão comum no meio rural ou em outras situações.

O Estatuto do Cuidador Informal prevê a figura do Consentimento Informado da Pessoa Cuidada, autorizando o cuidador a prestar as respetivas tarefas. Esse consentimento deverá ser confirmado pelo médico assistente. No caso em que a pessoa cuidada é dependente e não está em pleno uso das suas faculdades mentais, a Lei prevê outro instrumento jurídico que é o Estatuto do Maior Acompanhado pelo que, nestes casos, o Cuidador Informal o deverá requerer junto do Ministério Público do Tribunal mais próximo da sua residência.

Só o Cuidador Informal Principal poderá beneficiar do Subsídio de Apoio mensal, atribuído no âmbito do subsistema de solidariedade, dependente da apresentação de requerimento e atribuído mediante condição de recursos.

Destaco também alguns outros direitos como acompanhamento e capacitação por parte de profissionais de saúde referenciados, para a prestação adequada dos cuidados de saúde à pessoa cuidada, também o descanso do cuidador que vise o seu bem-estar e equilíbrio emocional, o apoio psicológico dos serviços de saúde, sempre que necessário e mesmo após a morte da pessoa cuidada, de entre outros.

A implementação do Estatuto do Cuidador Informal só atingirá plenamente os seus objetivos, se contemplar várias vertentes numa lógica de caráter holístico, nomeadamente envolvendo a segurança social, a saúde, leis laborais, entre outros. A “ponte” com a vertente “saúde” tem sido mais lenta como, por exemplo, as listas de espera infindáveis nos grandes centros urbanos, para o descanso do cuidador, com falta de camas nas redes de cuidados continuados integrados.

Outro aspeto fundamental é o trabalho no terreno, de proximidade, que falta fazer, recorrendo a USF’s, autarquias e outros organismos locais, até porque, segundo os últimos dados, deram entrada no Instituto de Segurança Social, cerca 3 500 requerimentos, o que diz tudo sobre o longo caminho que temos de percorrer, até nos sentirmos próximos desse desempenho nobre, baseado nos afetos e numa entrega muito rara, que tudo sacrifica, poupando fortunas ao Estado Social, como acontece no Cuidador Informal.

A Associação Nacional de Cuidadores Informais-Panóplia de Heróis, tem desempenhado o seu papel, participando na Comissão de Acompanhamento e apresentando os seus cadernos reivindicativos, junto dos Grupos Parlamentares e com o apoio inexcedível de sua Excelência o Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa.