Início Atualidade “A vacinação tem-se demonstrado segura em Doentes com Esclerose Múltipla”

“A vacinação tem-se demonstrado segura em Doentes com Esclerose Múltipla”

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“A vacinação tem-se demonstrado segura em Doentes com Esclerose Múltipla”

Esclerose Múltipla é uma doença crónica, autoimune, inflamatória e degenerativa, que afeta o Sistema Nervoso Central e estima-se que em todo o mundo existam cerca de 2.500.000 pessoas com esta condição (dados da Organização Mundial da Saúde) e em Portugal mais de 8.000. Como nos pode descrever a evolução desta doença, bem como os tratamentos que têm vindo a auxiliar no combate à mesma?

A Esclerose Múltipla pode evoluir segundo dois padrões distintos: por degraus sob a forma de surtos (sintomas que atingem um pico de intensidade nas primeiras 24 horas e recuperam nas semanas a meses seguintes) ou sob a forma de progressão com acumulação de incapacidade de forma contínua e insidiosa por um período mínimo de seis meses.  Na grande maioria dos casos a doença manifesta-se inicialmente por surtos e remissões de sintomas, e nos restantes os sintomas instalam-se de forma progressiva.

Nas últimas duas décadas houve uma grande expansão dos tratamentos, com diferentes mecanismos de ação, vias de administração e perfis de eficácia e segurança, o que nos permite elaborar estratégias terapêuticas mais ajustadas ao perfil de cada doente.

Considera que Portugal tem tido meios suficientes quanto à inovação e investigação para tratar o tema da Esclerose Múltipla?

Apesar de se verificar uma evolução na área de investigação e cada vez mais se promover o desenvolvimento de atividade científica além de assistencial, considero que há ainda um caminho a percorrer em termos de organização e financiamento de projetos de investigação comparativamente com outros países.  No entanto, temos assistido a uma maior participação de centros portugueses em ensaios clínicos de Esclerose Múltipla o que nos confere ainda mais armas terapêuticas e a um aumento progressivo de projetos de investigação nesta área.

Qual a importância da criação de centros de referência de tratamento da Esclerose Múltipla?

O interesse na criação de Centros de tratamento de Esclerose Múltipla prende-se com o facto de nestes centros existirem recursos humanos e equipamento que permite assegurar uma monitorização clínica e imagiológica regular, por equipas mais diferenciadas no seguimento de doentes com Esclerose Múltipla. Estes centros dispõem ainda de recursos que permitem uma avaliação multidisciplinar aos doentes, que integram Neurologistas e Enfermeiros dedicados ao tratamento de Esclerose Múltipla, mas também asseguram cuidados por outras Especialidades como Medicina Física e de Reabilitação, Psiquiatria, Urologia, Infeciologia, Neuroftalmologia entre outros permitindo uma abordagem mais holística da doença.

A saúde é, a par da liberdade, aquilo que nos habituámos a preservar e a salvaguardar de forma mais profunda. Assim, e em tempos de pandemia, de que forma tem vindo a ser concretizada a gestão do doente com esta condição? Que desafios se impuseram e que têm vindo a modificar a dinâmica anteriormente solidificada?

O seguimento dos doentes foi assegurado através de consulta não presencial (teleconsulta ou vídeo consulta) em casos de doentes estáveis, com elevado grau de incapacidade, sob terapêuticas com grande potencial imunossupressor ou com outras patologias que pudessem aumentar o risco de infeção ou infeção grave a SARS-Cov 2. Contudo, em situações de doentes com progressão de sintomas, suspeita de surtos ou necessidade de ajuste terapêutico continuou-se a privilegiar a avaliação presencial.

Os principais desafios na monitorização da doença em consulta não presencial prendem-se com a necessidade de desenvolver melhores ferramentas de comunicação na consulta não presencial (por exemplo aumentando a disponibilidade de equipamentos para realização de vídeo consulta) e o desenvolvimento de canais que permitam assegurar que os doentes mantêm avaliações laboratoriais e imagiológicas regulares e que têm acesso aos resultados das mesmas.

Foi no início deste ano de 2021 que Portugal começou a administrar as vacinas contra o vírus que hoje todos conhecemos e, recentemente, o doente com Esclerose Múltipla passou a estar incluído como prioritário na Fase II do Plano de Vacinação. Em que medida existe um risco elevado de complicações da infeção da COVID-19 nestes doentes? Quais têm sido as principais preocupações?

O que se tem observado é que à semelhança da população geral, os doentes com Esclerose Múltipla com idade mais avançada, obesos ou com patologias cardiovasculares têm um maior risco de infeção grave por SARS-CoV-2. Adicionalmente, os doentes com maior grau de incapacidade decorrente da Esclerose Múltipla têm também maior risco de desenvolver uma forma grave de COVID-19. Finalmente alguns tratamentos específicos têm sido associados, ainda que de forma menos consistente a infeção grave por SARS-CoV-2.

Assim, as principais preocupações têm sido reforçar a necessidade de manter medidas de etiqueta respiratória e distanciamento social, principalmente em doentes com fatores de risco para infeção grave e assegurar o acesso prioritário à vacinação através da sinalização dos doentes de risco.

Relativamente à vacinação, quais as principais dúvidas dos doentes? É possível ter uma resposta positiva à vacinação sem comprometer o adequado tratamento?

As principais dúvidas prendem-se com a segurança das vacinas e compatibilidade das mesmas com os tratamentos de Esclerose Múltipla.

Apesar das vacinas contra o SARS-CoV-2 utilizadas atualmente em Portugal utilizaram tecnologia inovadora, não são classificáveis como vacinas vivas atenuadas e, portanto, são consideradas seguras em doentes com Esclerose Múltipla. A evidencia disponível sugere que algumas vacinas vivas atenuadas podem ter impacto negativo (surtos) na Esclerose Múltipla, mas as vacinas SARS-CoV-2 tratando-se de um tipo distinto de vacinas provavelmente não comportam este risco. Adicionalmente, os dados mais recentes de doentes expostos a vacinas contra SARS-CoV-2 não mostraram uma associação entre a vacinação e o risco de exacerbação de Esclerose Múltipla, mesmo em doentes sob tratamentos imunossupressores.

A maioria dos tratamentos de Esclerose Múltipla não parece comprometer a resposta imune gerada pela vacina. Contudo, doentes tratados com fármacos com maior potencial imunossupressor podem desenvolver uma resposta imune à vacina menos intensa, pelo que atualmente se recomenda, quando possível, que a vacina seja administrada nos períodos de menor depleção imune que podem variar e são específicos para cada tratamento.

Quais as opções disponíveis em termos de vacinação? Há algum medicamento ou tratamento para a esclerose múltipla incompatível com alguma vacina em particular?

Os dados disponíveis até à data não permitem afirmar que uma determinada vacina é superior em termos de eficácia ou segurança em doentes com Esclerose Múltipla ou em doentes sob um medicamento particular. Assim, todas as opções de vacinas atualmente disponíveis em Portugal são administráveis a doentes com Esclerose Múltipla e a decisão por uma vacina específica far-se-á de acordo com os critérios aplicáveis à população geral.

Existe alguma recomendação a fazer no que respeita a cuidados acrescidos ou eventual suspensão de alguma terapêutica antes de se fazer a vacina? As vacinas podem ser administradas em qualquer momento, antes ou após o início do tratamento?

A maioria dos Centros Hospitalares dispõe de normas de orientação relativas à necessidade de suspensão de tratamento e momento preferencial de administração de vacinas de acordo com o tratamento. É assim recomendável que os doentes se aconselhem com o Médico ou Enfermeiro da sua instituição e sempre que possível, que se ajustem os momentos de administração de terapêuticas e vacinas por forma a garantir a maior eficácia da vacina.

A terminar, que outras recomendações e alertas gostaria de deixar aos doentes com Esclerose Múltipla que hoje vivem mais apreensivos?

A principal mensagem é que os doentes devem ser vacinados quando convocados, uma vez que a vacinação se tem demonstrado segura em doentes com Esclerose Múltipla. Deve sempre que possível ser consultado o Neurologista ou Enfermeiro Assistente para planear o melhor momento para a vacinação por forma a garantir uma maior eficácia da vacina contra SARS-CoV-2. Finalmente gostaria de reforçar que qualquer alteração do estado clínico deve ser reportada à Equipa de Esclerose Múltipla, que orientará para avaliação presencial se necessário por forma a assegurar a manutenção de um bom controlo da doença.