Início Atualidade “É importante perceber que a EM é uma doença rara e que não tem um só sintoma ou um só meio de diagnóstico”

“É importante perceber que a EM é uma doença rara e que não tem um só sintoma ou um só meio de diagnóstico”

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“É importante perceber que a EM é uma doença rara e que não tem um só sintoma ou um só meio de diagnóstico”

A Esclerose Múltipla (EM) é uma doença neurológica crónica de evolução progressiva e incapacitante que afeta o sistema nervoso central. Estima-se que, em Portugal, esta doença atinja cerca de 60 indivíduos em cada 100 mil habitantes. Como nos pode descrever a evolução que a EM tem tido em Portugal, no que diz respeito ao conhecimento e suas consequências?
Na realidade, as estimativas mais recentes apontam para mais de 80 pessoas com EM/100.000 habitantes, quando no início da década passada estaríamos a falar de 40-60/100.000. Este aumento deve-se, na minha opinião, ao diagnóstico cada vez mais precoce, facilitado pelo acesso a neurologista e a ressonância magnética, assim como critérios de diagnóstico mais precisos, que têm vindo a ser publicados internacionalmente nos últimos anos. Assim, diria que o conhecimento relativamente à doença, quer dos médicos, quer dos doentes tem vindo a aumentar. Este maior conhecimento da doença e dos seus critérios de diagnóstico poderá ajudar ao seu diagnóstico mais preciso e mais precoce.

Considera que, em Portugal, a inovação para avançar no tratamento da EM e melhorar a eficácia dos resultados para os doentes é uma realidade? O que se tem vindo a fazer neste âmbito?
Em Portugal temos, neste momento, acesso à maior parte dos tratamentos aprovados a nível mundial para a EM. Alguns dos medicamentos mais recentes estão ainda em processo de avaliação pelo INFARMED, do qual se espera conclusão em breve. Desta forma diria que temos acesso a toda a inovação nesta área, o que se reflete numa elevada taxa de tratamento dos doentes em Portugal. Existem também vários grupos de investigação em Portugal a trabalhar nesta temática, do ponto de vista de caraterização da doença e do impacto de algumas terapêuticas, o que também é vantajoso para o melhor conhecimento da EM e acompanhamento dos doentes.

A prevenção e o diagnóstico precoce são duas poderosas ferramentas no combate a diversas doenças e a EM não é exceção. Assim, quando se deve recorrer a exames de diagnóstico? Neste caso, qual é a ligação de um diagnóstico precoce na eficácia dos tratamentos?
É importante perceber que a EM é uma doença rara e que não tem um só sintoma ou um só meio de diagnóstico. É uma doença que deve ser diagnosticada por Neurologista, idealmente com experiência nessa área específica, auxiliado de vários exames complementares: ressonância magnética, estudos do sangue e do líquido cefalorraquidiano e exames neurofisiológicos. Na suspeita de EM levantada por médico ou doente, deve ser procurada observação por neurologista que decidirá os meios de diagnóstico mais adequados.
O diagnóstico precoce é importante já que permite o acompanhamento do doente desde cedo e a introdução, se indicada, de terapêutica dirigida à doença com o objetivo de reduzir a incapacidade por ela gerada tanto a curto como a longo prazo. Embora ainda não haja certezas relativamente ao impacto da introdução precoce de tratamento mais eficaz, a generalidade dos dados disponíveis até ao momento sugerem que quanto mais eficaz e mais precoce for o tratamento, menor o risco de progredir em termos de incapacidade.

Sabemos que os sintomas divergem de pessoa para pessoa, contudo, de forma geral, que sintomas diria que podem servir como um alerta?
Mais uma vez, a EM é uma doença rara e deve ser diagnosticada por Neurologista. Muitos dos sintomas mais frequentes (visão dupla, perda de visão num olho, falta de força ou sensibilidade num braço ou numa perna, dificuldade em caminhar) podem aparecer em muitas outras doenças neurológicas e oftalmológicas mais comuns que a EM. De qualquer forma, estes sintomas devem alertar as pessoas a procurarem um médico que, após avaliação, poderá referenciar para avaliação neurológica mais detalhada.

Em tempos complexos como o que vivemos atualmente devido à COVID-19, como tem sido realizada a gestão do doente com EM? Que impacto tem tido a pandemia nos mesmos?
Não posso falar sobre o país inteiro. No nosso centro, o impacto da COVID-19 sentiu-se durante o ano de 2020 com a evicção de contactos presenciais e, portanto, muitas das avaliações foram realizadas telefonicamente, quando possível; e a medicação foi fornecida para períodos mais longos, evitando deslocações ao hospital. Existiram também tratamentos cujo calendário foi adaptado, sem perda de eficácia para os doentes. Foi ainda avaliado o início mais tardio de alguns tratamentos que interferem com o risco de COVID-19 ou com a eficácia vacinal, de forma a minimizar os seus riscos. Em 2021, diria que voltámos à quase normalidade, sendo agora o desafio principal gerir o calendário de vacinação de acordo com a medicação que o doente está a fazer.
No entanto, a pandemia COVID-19 e o seu impacto não se reflete apenas nos cuidados hospitalares. O isolamento e evicção de atividades no exterior/sociais tem impacto físico e psicológico em todos nós, e os doentes com EM não são exceção. Além disso, baseados nos doentes que sigo, diria que o acesso a serviços de reabilitação (fisioterapia), tão importante nestes doentes, ficou limitado neste período, quer por menor disponibilidade, quer por receio dos mesmo em frequentar estes serviços.

Afirma-se que a capacidade de resposta que existia numa fase pré-pandemia é diferente daquela que existe hoje em dia. Passado todo este tempo, já é possível medir o real impacto da pandemia nos tratamentos dos doentes com EM?
Para medirmos esse impacto era importante perceber o que queremos medir: evolução da doença, acesso a tratamentos, acesso a cuidados de saúde, bem-estar físico, bem-estar psicológico entre outros. Todos teremos a nossa impressão de qual foi o impacto mas, tanto quanto sei, não existe nenhum estudo quantitativo que nos possa dar uma avaliação precisa do que se perdeu/ganhou.
Na minha impressão, e falando sobre os tratamentos que mencionam na questão, diria que o acesso hoje em dia está equivalente aos níveis pé-pandemia. Provavelmente ocorreram adiamentos, com base em questões de segurança, mas é-me impossível fornecer números.

Gostaria de deixar uma mensagem de consciencialização sobre a importância do conhecimento da EM?
Apesar de ser uma doença rara, deve ser do conhecimento geral que ela existe. Este diagnóstico tem frequentemente implicações na vida social, familiar, e laboral e acontece, com maior incidência, em indivíduos no pico do seu rendimento (20-40 anos de idade). Nestes casos, é necessária consciencialização de todos aqueles que fazem parte da vida dos doentes de forma que o impacto da doença seja o menor possível.

PERFIL
RICARDO SOARES DOS REIS  
NEUROLOGISTA, CENTRO HOSPITALAR UNIVERSITÁRIO DE SÃO JOÃO
ASSISTENTE CONVIDADO, DEPARTAMENTO DE NEUROCIÊNCIAS CLÍNICAS E SAÚDE MENTAL, FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

As declarações do nosso interlocutor refletem as opiniões do mesmo e de forma alguma representam a visão ou opinião do CHUSJ ou da FMUP.