
O percurso profissional da Filipa Carneiro fazem parte inúmeras atividades e causas ligadas à saúde, contribuindo diariamente para o bem-estar da população. Assim, e de forma a contextualizar o leitor, como nos pode descrever este trajeto até aos dias de hoje? Podemos afirmar que a arte de auxiliar o outro é o seu projeto de vida?
O meu trajeto profissional iniciou-se pela licenciatura em Medicina Dentária e posteriormente em Medicina pela Universidade do Porto, especialização em Cirurgia Geral e Mestrado em Senologia pela Universidade Autónoma de Barcelona. Pela atratividade de conhecimento em cultura organizacional realizei pós-graduações em gestão de serviços de saúde e Controlo e melhoria de qualidade de cuidados nas organizações de saúde. Neste percurso fui desempenhando cargos de Coordenação e Direção no centro Hospitalar Tâmega-Sousa: Coordenação das unidades de Patologia Mamaria, Estomatologia e Medicina Dentaria, monitorização de prescrição de medicamentos, comissão de informatização clínica e telessaude, Direção de Serviço de Consulta Externa e de Departamento de Ambulatório. Na Direção do colégio de gestão de serviços de saúde defendi a importância de competências em gestão no pré e pós-graduado dos médicos para a melhoria da cultura organizacional e criação de medidores de saúde. Atualmente desempenho funções de Diretora Clínica, gerindo significados e delegando e empoderando líderes numa missão partilhada de criação de valor em saúde. O meu projeto de vida é dignificar e elevar o Outro, com ganhos em saúde (acesso, segurança, qualidade, promoção da literacia e melhoria de qualidade de vida). Em lema rotário “dar de mim” num desiderato de uma cultura organizacional mais humanista, prestando cuidados efetivos, compreensivos e respeitosos de forma compatível com valores e práticas do paciente numa linguagem ajustada.
Várias são as responsabilidades que a Filipa Carneiro enfrenta enquanto líder clínica no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa. Como é ser uma Mulher decisora no âmbito hospitalar? É uma oportunidade e, simultaneamente, um desafio acrescido?
Considero que a liderança no feminino atingiu a sua isonomia e a necessidade de demonstrar meritocracia será apenas colocada em situações excecionais de culturas organizacionais masculinizadas em que a mulher necessita de se mostrar mais capacitada do que seu concorrente masculino para ter as mesmas oportunidades de sucesso. A competência intercultural do líder feminino num sistema de saúde poderá ter um componente mais inclusivo e sensível à alteridade alavancando a cultura organizacional num desiderato de tratar o doente no seu habitat cultural de forma a ajustar outcomes. Gerir incertezas, como aconteceu na atual pandemia será um desafio e oportunidade para um progresso profissional consciencializado, despido de estereótipos apreendidos culturalmente, transformando cultura organizacional estruturada em justiça, autocontrolo, coragem e desígnio.
Com o dia-a-dia naturalmente preenchido, de que forma consegue conjugar as suas responsabilidades profissionais, com as mudanças sociais que vivemos atualmente e ainda com a família?
Inequivocamente ser mulher, dona de casa e mãe, simultaneamente sendo cirurgiã e diretora é um exercício de gestão de energias de aprendizagem diária. Confesso que todas estas funções exigem tempo para ser compartilhado, muito sacrifício, extrema dedicação, vivência intensa do momento com entusiamo e empolgamento na consciência do ato ser único e irreprodutível.
Além da paixão por ajudar os doentes criando múltiplas iniciativas nesse sentido, existe a paixão pela escrita e, particularmente, pela poesia. Que mensagem procura transmitir a cada poesia escrita? Quais são os temas que lhe preenchem o coração e sobre os quais ambiciona partilhar conhecimento?
Cada poema é uma viagem de profundidade de consciencialização autobiográfica onde se harmonizam o raciocínio e a sensibilidade que se intui a outra que contra intui num contraste, em oximoro, numa linguagem mais simbólica que literal. A minha temática é liberdade, fraternidade, equidade, bondade, essência, o paradigma da sensibilidade com vista duma elevação da humanidade com uma consciencialização da profundidade do conhecimento e sentimento de si.
“Confessável” é o título do livro que já editou. O que faz dele belo, comovente, corajoso e escrito com espírito iluminado?
É um exercício de autoaperfeiçoamento no potencial como ser humano, de desconstrução dogmática, na perspetiva solidária de elevar o outro a encontrar referenciais humanistas para que o ato livre seja um ato construtivo e não uma licenciosidade de libertinagem.
Um autoconhecimento coerente que respeita a si próprio e permite a liberdade para ser fraterno. A dinâmica ambivalência de vidas salvas em missão cumprida, de memórias e sofrimentos existencialistas, de mulher que inexoravelmente encontrou a fraternidade terna para esta minha inquietude frágil e irreverente de ousar conhecer os limites…
Certo é, para conseguir alcançar todos estes objetivos, é necessário ter uma dose de persistência. O que a motiva diariamente? Do que mais gosta em cada detalhe do que faz, seja pessoal ou profissional?
A minha motivação diária é o entusiasmo, paixão de gostar de saber, aprender, construir, melhorar processos organizativos, mudar cultura organizacional alinhada com objetivos de missão.
Preservar a espontaneidade e autenticidade da curiosidade e criando intuição pela consciencialização diária do aprendizado vivencial ou literário.
Gosto de iniciar o dia com um mote de estética, literatura, música, arte, filosofia que esteja constante em cada ato ao longo do dia.
Como dizia Galeano “somos feitos de memórias“. Cada ação deverá ser vivida incorporando a harmonia sensorial. O que mais gosto é o entusiamo pelo próprio ato de fazer como se fosse a última oportunidade de o concretizar.
É no mês de dezembro do presente ano que termina a função de Diretora Clínica no Centro Hospitalar Tâmega e Sousa – continuando a exercer outras no mesmo. Assim, que novos projetos e/ou atividades profissionais tem planeados?
A cirurgia continua a apaixonar-me, assim como a conclusão do programa doutoral de competências de comunicação interculturais no Sistema de saúde. Realizo-me em qualquer função das minhas competências pelo que o meu planeamento será a plenitude do seu desempenho adequada à sua circunstancialidade e propósito.
Por fim, e tendo o dom da palavra, gostaria de deixar uma mensagem a todas as mulheres que ambicionam marcar uma posição no universo do trabalho, tal como a Filipa Carneiro tem feito?
Parafraseando Adelaide Cabete, médica-cirurgiã, numa assunção plena da luta pela igualdade de género: “A utopia de hoje é a realidade de amanhã. Quanta coisa que hoje existe não foi ontem considerada como utopia? Por isso, não poderá haver maior recompensa, maior consolação para o paladino de uma ideia do que poder assistir ainda à realização dela.»
Assumir a feminilidade, a autenticidade consciente e coerente, autocontrolo de pensamento, vivacidade e ânsia pelo conhecimento técnico, curiosidade holística e espontaneidade para intuir aprendendo com o erro.
Vale a pena ser mulher na sensibilidade da alma, na emotividade calma, na serenidade de sofrer…
Focar as energias para a coerência com os nossos valores, disciplina absoluta para a gestão de tempo e energia em atos construtivos e fraternos em todas as vertentes da vida. E sobretudo nunca perder o encantamento pela VIDA.
Encantamentos
Encantam-me todos desencantos
Papoilas brancas de risos amarelos
Margaridas coradas de céus belos
Rainhas descoroadas sem mantos
Encantam-me aleijões destes tempos
Escrivães de livros de milagres virtuais
Almanaques das utopias sensacionais
As vitórias ciclónicas de todos ventos
Encantam-me mães estéreis de bastardos
Filhos vencidos de pais desencontrados
Donzelas cavaleiras em corcéis alados
Os arlequins reacionários desmascarados
Filipa Carneiro