
Consultora Lean Health Portugal e uma equipa multidisciplinar do Hospital de Braga conduziram um projeto de melhoria contínua com principal foco na melhoria do circuito do doente. Primeiramente, que necessidades e lacunas eram sentidas, neste meio, e que levaram à elaboração este estudo?
A área Oncológica tem vindo a assistir a um aumento dos casos diagnosticados, e dada a sensibilidade das patologias e da situação dos doentes em causa e a situação dos utentes em causa, é essencial que, por um lado se assegura a maior eficiência possível dos recursos existentes, mas acima de tudo que se oferece ao utente a melhor experiência possível nos cuidados de saúde recebidos. Sendo a redução de tempo de espera, a redução de deslocação e aumento da satisfação dos utentes e dos profissionais alguns dos pontos que estiveram na base da decisão deste projeto.
Considera que melhorar a experiência do utente/cliente eliminando e mitigando desperdícios existentes, que não acrescentam valor, é já uma preocupação geral e consciente?
Segundo a OCDE, num relatório de 2017 “Tackling Wasteful Spending on Health”, 20% do orçamento de saúde dos diversos países é desperdício, não gerando valor adicional à experiência dos utentes nos cuidados recebidos. Perante tais evidências, assistimos cada vez mais a uma maior preocupação na satisfação dos utentes, preocupação esta que passa muitas vezes pela redução de desperdícios existentes nos processos atuais. Contudo o combate de desperdícios está de mãos dadas com a cultura de melhoria contínua assente na transparência perante o erro, e a esse nível ainda há passos a dar, nomeadamente ao nível da capacitação das equipas, mas sem dúvida que se sente cada vez mais uma maior vontade de melhorar por parte das organizações.
No decorrer deste projeto, a situação atual do serviço do Hospital de Dia Oncológico foi analisada, tendo sido identificados potenciais desperdícios e ineficiências. De que pontos em questão estamos a falar?
No decorrer de algumas observações feitas no Hospital de Dia, fomo-nos apercebendo que o doente necessitava de realizar bastantes etapas para conseguir alcançar o seu objetivo final no Serviço (realização do seu tratamento, levantamento de quimioterapia oral etc). Nesse sentido, um dos grandes objetivos do projeto passou por eliminar (e/ou reduzir) etapas consideradas desperdício ou sem valor acrescentado para o doente. Um outro ponto em estudo passou pela redefinição desses circuitos uma vez que para alguns casos o utente necessitava de tinham que se deslocar entre etapas. Também os quartos do Serviço foram estudados, daqui se concluiu que havia situações onde os espaços não estavam a ser aproveitados da melhor forma permitindo assim um posterior aproveitamento dos mesmos.
Após esta análise, foi colocado em prática um plano de melhoria por via da metodologia Lean. Como nos pode descrever esta gestão e que mais-valias apresenta?
Acima de tudo, e mais do que o enfoque colocado nas melhorias obtidas, a nossa maior aposta foi criar na equipa de projeto o hábito de semanalmente usarem “erros” apontados pelos vários elementos como a melhor oportunidade de melhoria. Isto associado à criação de indicadores de processo, que asseguram a monitorização regular de processos.
Certo é, após a realização do projeto, o serviço reconheceu uma maior segurança, agilidade e excelência prestados aos seus utentes. Assim, que resultados de melhoria surgiram deste projeto e da metodologia Lean?
Como referido anteriormente, além de termos ajudado a equipa a melhorar a experiência e satisfação dos utentes, conseguiu-se aumentar também a satisfação dos profissionais dado o facto de estes sentirem que é possível melhorar aspetos que dependem deles e da equipa no seu dia-a-dia. Tal como foi mencionado anteriormente, é crucial a implementação do hábito de trabalho em equipa, de forma multidisciplinar, em que as ideias só poderão ser consideradas más, depois de testadas.
É legítimo afirmar que a metodologia Lean é eficaz em qualquer projeto que se destine a esta melhoria na saúde? Em que momento se deve aplicar esta gestão?
Sim é! A metodologia Lean, mais do que qualquer outra coisa, é uma Metodologia de Melhoria Contínua, e tal como a própria palavra “Contínua” indica, o processo não acaba: é contínuo e onde se procura hoje ser melhor do que ontem e pior que no amanhã. Nas organizações que aplicam a Metodologia Lean, cada colaborador tem dois deveres: executar a sua tarefa, e melhorar a forma como a sua tarefa é feita. Perante isto o essencial é capacitar as organizações de saúde, desde a gestão de topo às diferentes equipas operacionais, sobre a forma de implementar uma cultura de melhoria contínua, e a partir daí, é uma história sem fim, Sem nunca esquecer da necessidade de uma forte monitorização, pois tal como Deming disse “até termos evidências é apenas uma opinião”.
Acredita que, se sempre utilizada, a metodologia Lean poderia colmatar diversas lacunas no setor da saúde em Portugal? Que mensagem/lição podemos retirar dos resultados do projeto no Hospital de Braga?
A Metodologia Lean é uma das formas mais efetivas para que as organizações de saúde implementem de forma sustentável uma cultura de melhoria contínua, assente na transparência perante o erro e num ambiente de segurança psicológica para que A mudança possa surgir. Dessa forma podemos afirmar que se as organizações de saúde tivessem um maior enfoque na melhoria continua, assente no Lean, sem dúvida que muitos dos desafios, e algumas das vezes que são apontados falta de recursos, poderiam encontrar resposta. A mensagem do projeto do Hospital de Braga é a de que quando as equipas trabalham multidisciplinarmente e abordam os problemas de forma transparente e construtiva, parte dos “desperdícios” ou “irritantes” do dia a dia são passiveis de ser melhorados, no sentido de se gerar eficiência, sempre com o enfoque na melhoria da experiência dos utentes, nunca esquecendo, que não devemos perder uma pequena melhoria hoje, à espera da grande melhoria amanhã.