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O Acordo de Mobilidade na CPLP, e agora?

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O Acordo de Mobilidade na CPLP, e agora?

Decorreu em Luanda, nos passados dias 16 e 17 de Julho de 2021, a décima terceira Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), que conta já com 25 anos de existência. O grande cartão-de-visita da Cimeira era a outorga do muito aguardado Acordo de mobilidade entre os nove Estados-Membros da Comunidade, o qual se esperava ser uma espécie de “espaço Schengen” da CPLP. De facto, o Acordo que visa prima facie estreitar os laços e a cooperação entre os povos de Língua Portuguesa para o desenvolvimento comum enquanto comunidade, pretende igualmente fomentar a mobilidade, turismo e investimento privado através da livre circulação dos cidadãos dos Estados-Membros dentro da CPLP. Contudo, e se quando aprovaram o referido Acordo, os representantes presentes na Cimeira igualmente se comprometeram a promover de forma célere as diligências necessárias para transpor o acordo para os respectivos ordenamentos jurídicos, o que é certo é que, volvidos três meses, o mesmo ainda não entrou em vigor. Na verdade, é o próprio Acordo que ambiciona, na teoria, a sua aplicação geral a todos os cidadãos dos Estados – Membros. Contudo, na prática este acordo apenas define como obrigatória a dispensa de vistos para titulares de passaportes diplomáticos, oficiais, especiais e de serviço (e para estadias até 90 dias), deixando ao critério de cada Estado a sua extensão gradual a outras categorias e a sua subdivisão em função das actividades que os Requerentes exerçam, atendendo às particularidades de cada ordenamento. Não se olvida que os Estados-membros que compõem a comunidade têm em comum a língua, mas possuem realidades e circunstâncias distintas, o que justifica a flexibilidade do Acordo. No entanto essa maleabilidade torna-o discricionário, correndo-se o risco de comprometer o seu intuito, levando a uma adesão progressiva a nove velocidades distintas.

Vejamos: um cidadão Guineense que pretende instalar-se temporariamente em Angola, ainda que o seu país de origem transponha em pleno todas as modalidades do presente Acordo, fica dependente das regras implementadas no país de acolhimento que podem ou não ser mais restritas. Além disso, o Acordo continua a exigir autorização prévia para estadias temporárias superiores às que os Estados- Membros estipulem para as estadias de curta duração, mas inferiores a 12 meses. Aqui caberão os actuais vistos de trabalho, uma vez que o documento apenas diferencia os vistos consoante a duração das estadias (curta, temporária, ou para residência) e não pelas finalidades (à excepção dos passaportes específicos suprareferidos), deixando quiçá essa distinção para os respectivos ordenamentos jurídicos. Assim, aqueles que provavelmente iriam usufruir mais da facilitação à livre circulação continuarão a passar pelos mesmos constrangimentos burocráticos, quer para a aquisição, quer para a renovação dos vistos.

Porque não apenas garantir a segurança documental a que alude o artigo 9.º do Acordo, através da verificação da autenticidade e veracidade dos documentos de identificação e outros que relevem para a mobilidade selecionada pelo cidadão da CPLP, através do MIREX de cada país de acolhimento? Do mesmo modo a salvaguarda da saúde, ordem e segurança pública – artigo 10.º- já é actualmente realizada nos postos dos serviços de fronteiras e estrangeiros nas entradas de cada país, pelo que, igualmente não necessitaria para esse fim do crivo adicional de um visto. Ademais, permanece a necessidade de visto de residência prévio para obtenção de autorização de residência, continuando-se a ignorar aqueles que já se encontram no país de acolhimento ao abrigo de outra modalidade de visto. Encontra-se ainda prevista no Acordo, a possibilidade das partes optarem por um período transitório com a duração máxima de cinco anos,  durante o qual possa ser exigido aos requerentes do visto e autorização de residência a qualificação em áreas ou a titularidade de projectos de investimento credíveis que assegurem a aquisição de meios de subsistência no país de acolhimento, findo o qual será aplicável a todos os cidadãos desde que não exista nenhuma interdição ao Requerente ou ameaça à ordem, segurança e saúde públicas pela sua entrada no país de acolhimento . Já os prazos para decisão sobre os pedidos de visto de duração temporária e de residência serão de 90 e 60 dias, respectivamente. Este último, igualmente aplicável aos requerimentos de autorização de residência. Prazos ainda muito alargados quando comparados com os oito dias úteis e 30 dias úteis para concessão de vistos para fins académicos, desportivos, culturais, científicos, tecnológicos, incluindo também tratamentos médicos ou para trabalhadores envolvidos em projectos de investimento de longa duração, respectivamente, dados pelo recentíssimo Decreto- Presidencial n.º 240/21 de 29 de Setembro, que aprovou o Protocolo Bilateral entre a República de Angola e de Portugal para facilitação de vistos nacionais, mas que no entanto, mais uma vez peca por não referir em que medida os aludidos vistos serão facilitados, uma vez que em termos de documentação, conforme melhor se alcança pelo anexo ao Decreto, serão praticamente os já exigíveis, com o adicional da contratação de um seguro de viagem ou médico consoante os casos. Volvidos três meses, o Acordo para a mobilidade na CPLP apenas foi ratificado por Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. O mesmo só entrará em vigor no mês seguinte à ratificação, por, no mínimo, três Estados- Membros. Assim a celeridade na transposição para os respectivos ordenamentos jurídicos, na qual os representantes dos Estados-Membros se comprometeram na Cimeira, é, tal como o próprio documento, flexível, o que já de si permite antever o ritmo da sua aplicação.

Desta feita, o “espaço Schengen” da CPLP, mesmo tendo em conta as condicionantes e vicissitudes próprias da sua circunstância, será portanto ainda uma realidade longínqua e a livre circulação anunciada, uma quimera, afectando os milhões que dela iriam usufruir. E o que se ganhou em flexibilidade perdeu-se em ambição.