Início Atualidade “O Ano Europeu do Transporte Ferroviário serviu para dar uma grande visibilidade à importância da ferrovia em toda a Europa”

“O Ano Europeu do Transporte Ferroviário serviu para dar uma grande visibilidade à importância da ferrovia em toda a Europa”

0
“O Ano Europeu do Transporte Ferroviário serviu para dar uma grande visibilidade à importância da ferrovia em toda a Europa”

O Ministério das Infraestruturas e Habitação tem por missão formular, conduzir, executar e avaliar as políticas de infraestruturas, nas áreas da construção, do imobiliário, dos transportes e das comunicações. No que diz respeito ao transporte ferroviário, como nos pode descrever a evolução do setor nos últimos anos em Portugal?
Numa primeira fase, aquilo que era necessário fazer, era estabilizar a operação da CP. Isso foi conseguido com o esforço enorme por parte da antiga EMEF, agora parte da CP, para resgatar material circulante que estava abandonado por todo o país, recuperá-lo, modernizá-lo e colocá-lo ao serviço. No fundo, usar aquilo que temos para resolver o problema imediato com que nos defrontávamos. Isso foi conseguido, o que se verifica, desde logo, pela redução drástica das supressões de comboios. Por isso, hoje, no caso da operação ferroviária, já passámos à fase seguinte, de planear e colocar em marcha a aquisição do material circulante novo de que vamos precisar na próxima década.
Do lado do investimento na infraestrutura, tínhamos uma situação análoga. O país chegou a 2016, já com o quadro de Fundos Europeus pronto a executar, mas sem projetos ferroviários maduros prontos a entrar em obra. Foi preciso um esforço muito grande por parte da IP para contratar e realizar todos esses projetos, depois lançar os concursos para obra e, finalmente, pôr as obras no terreno. Ainda para mais, num contexto em que o país tinha perdido muitos dos seus quadros especializados que, sem investimentos em curso, tinham ido à procura de trabalho noutros setores ou noutros países. Hoje, também posso dizer, que temos todas as obras mais importantes no terreno e não iremos deixar por executar fundos europeus destinados à ferrovia.

Em que medida o transporte ferroviário tem inovado e, por consequência, elevado o nome do país no exterior?
Deixe-me dar dois exemplos de como em Portugal se trabalha ao nível dos melhores do mundo na indústria ferroviária.
O trabalho de recuperação de material circulante que temos estado a fazer, nas oficinas de Guifões e noutras, é do melhor que se faz em qualquer parte do mundo e tem mesmo ganho alguma visibilidade no exterior pela excelência deste trabalho. Às vezes somos criticados porque estamos a recuperar “sucata”, mas isso não faz qualquer sentido. Os países mais avançados e mais ricos do mundo, como a Suíça, mantêm algum do seu material circulante a funcionar ao longo de décadas, com sucessivas modernizações e reconstruções. Além de ser um exemplo de Economia Circular, é uma opção racional na utilização de ativos que ainda podem prestar um serviço de elevada qualidade.
Outro exemplo que lhe posso dar é a metodologia de manutenção (Condition Based Maintenance), inspirada na filosofia da manutenção da indústria aeronáutica, que foi desenvolvida na antiga EMEF para a frota dos Alfa Pendular. É mais um exemplo de como em Portugal, na nossa indústria ferroviária, se desenvolveu um processo que aumentou em muito a disponibilidade e a eficiência da manutenção e que depois acabou por ser reproduzido noutro países, noutras frotas semelhantes, com formação dada pelos engenheiros portugueses.

Este ano de 2021 foi nomeado pela UE como o “Ano Europeu do Transporte Ferroviário” para promover o uso dos comboios como modo de transporte seguro e sustentável. Que vantagens têm surgido – e irão continuar a surgir – deste ano dedicado ao setor?
O Ano Europeu do Transporte Ferroviário serviu para dar uma grande visibilidade à importância da ferrovia em toda a Europa. Isso envolveu políticos, envolveu o setor, a indústria, mas envolveu também grupos de cidadãos que, nos diferentes países, se têm vindo a mobilizar para exigir mais opções para poderem deslocar-se de forma ambientalmente sustentável.
Houve ainda a coincidência de Portugal ter a presidência da União Europeia durante o primeiro semestre de 2021. Isso deu-nos a oportunidade de também colocar a ferrovia no centro do debate europeu, levantando algumas questões que não tinham ainda sido colocadas e promovendo o debate sobre a avaliação das políticas europeias para o setor das últimas décadas.

A pandemia da COVID-19 demonstrou que o transporte ferroviário é um bem essencial na sociedade e para inúmeras atividades. Neste sentido, qual a importância das ferrovias para o desenvolvimento socioeconómico?
Desde logo pela melhoria da eficiência do transporte que induz, quer de passageiros, quer de mercadorias, bem como a melhoria da qualidade de vida. Se pensarmos de um ponto de vista socioeconómico, de facto, as empresas precisam de um transporte fiável, de baixo custo e ambientalmente sustentável, e isso é aquilo que a ferrovia pode oferecer. É claro que não o pode fazer sozinha, porque o comboio nunca chegará à porta de cada fábrica, mas em complementaridade com o transporte rodoviário. Portanto, do lado das mercadorias, falamos, essencialmente, de redução de custo, aumento de fiabilidade e de eficiência. No caso do transporte de passageiros, há enormes ganhos em tempo, que tem em si mesmo um valor económico, que ainda podemos obter com a expansão do transporte ferroviário.

Quão legítimo é poder afirmar que Portugal está “empenhado” em investir neste setor? O que está a ser desenhado para o futuro?
Portugal está, neste momento, a executar o programa mais ambicioso de investimento na ferrovia das últimas três décadas. São cerca de dois mil milhões de euros e temos obras em todos os principais corredores ferroviários do país. Neste ciclo, até 2023, vamos resolver os constrangimentos que existiam ao transporte de mercadorias; vamos aumentar em quatro vezes a capacidade de transporte de mercadorias por ferrovia. Ora, se este plano foi ambicioso, o que temos planeado para a próxima década é um investimento quatro vezes superior, já com um foco também no transporte de passageiros.
De forma resumida, aquilo que estamos a planear assenta em três prioridades: completar a modernização e eletrificação de toda a rede ferroviária, eliminar os estrangulamentos no acesso às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, e criar um eixo de alta velocidade e alta capacidade entre o Porto e Lisboa, que formará a espinha dorsal da futura rede ferroviária. O conjunto destes investimentos vai permitir uma verdadeira revolução na forma como as pessoas se movimentam no país, desde logo, ao colocar o Porto e Lisboa a 1h15m de distância.

De que forma o Ministério das Infraestruturas e Habitação irá continuar a promover este setor a nível nacional e internacional?
Continuaremos a fazer o nosso trabalho, a modernizar a infraestrutura, a começar a construir novas linhas, expandir a rede, renovar o material circulante e aumentar a oferta. Além de tudo isso, não queremos deixar de aproveitar este grande impulso que estamos a dar à ferrovia para criar oportunidades à indústria portuguesa de trabalhar neste setor. Isso já está a acontecer em grande medida na recuperação das carruagens existentes, onde uma parte muito significativa dos fornecimentos são feitos por empresas portuguesas. Agora que vamos comprar uma quantidade grande de novos comboios, isso cria uma oportunidade de que Portugal volte a criar uma indústria ferroviária que possa dar resposta às necessidades do país e, também exportar.
Trabalhamos todos os dias nessas várias frentes: investimentos, obras na infraestrutura, melhoria dos serviços e promoção da indústria e economia nacional. O setor ferroviário tem um elevadíssimo valor, seja enquanto indústria e empreendimentos de obra pública, mas também como serviço à economia, a transportar os produtos das nossas empresas, e como serviço público por excelência.

Muitos afirmam que o transporte ferroviário é o transporte do futuro. Para melhor entender, o que fomenta esta ideia?
Esta ideia é de facto muito simples de transmitir: o transporte ferroviário é o modo de transporte mais sustentável ambientalmente. É aquele que tem a maior eficiência energética e é aquele que já não tem nenhuma barreira tecnológica à sua total eletrificação. Além da eficiência energética e ambiental, também é o mais eficiente em termos de ocupação do solo e aquele que permite uma maior capacidade de transporte.
Não só pela ação climática, mas também pela nossa qualidade de vida, o futuro do transporte terá de ter muito mais transporte coletivo. O comboio estará sempre no centro das redes de transportes coletivos. Só assim conseguiremos libertar as nossas cidades da dependência do automóvel.