“A transição digital é um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento do país”

De acordo com o Presidente do Programa Operacional Capital Humano, a qualificação da população é de importância estratégica para Portugal. É exatamente sobre esta matéria, nomeadamente no âmbito da transição digital que Joaquim Bernardo, Presidente do POCH, perspetiva a sua evolução para (e com) o país.

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O Programa Operacional Capital Humano tem vindo a apoiar as políticas de desenvolvimento dirigidas à educação e formação, às competências, sem esquecer a competitividade para a transição digital no Ensino. Como nos pode descrever a evolução que, ao longo dos tempos, Portugal tem conhecido nestas áreas específicas?
O Programa Operacional Capital Humano tem vindo, ao longo do período de programação 2014-2020, a apoiar a qualificação de jovens e adultos no nosso país. Esses apoios têm-se traduzido de várias formas, distribuídos pelos quatro eixos do programa, que apoiam a formação de jovens, a formação avançada, a aprendizagem ao longo da vida e projetos inovadores para a qualidade na educação.
Diminuir a taxa de abandono escolar precoce é um dos principais objetivos das ofertas formativas que o POCH tem vindo a apoiar, nomeadamente através das ofertas de dupla certificação dirigidas à população jovem. Este indicador atingiu, no final de 2020, os 8,9%, valor histórico e que efetivamente é um motivo de orgulho porque trabalhamos diariamente para contribuirmos em conjunto para este resultado. No início do período de programação 2014-2020 estava nos 18,9%, o que significa uma redução de 10 p.p. neste espaço de tempo. Note-se que no fim do primeiro trimestre de 2021 o abandono escolar precoce ficou nos 6,5%. Eventualmente os números ainda podem vir a subir, mas são já indicativos do bom prosseguimento do trabalho. No que diz respeito ao ensino superior, Portugal atingiu praticamente a meta europeia de 40% para 2020, traçada na Estratégia Europa 2020 e no Programa Nacional de Reformas, com um valor de 39,6%. No início de 2014, esta taxa era de 31,3%, registando assim um progresso durante o período de vigência do PO CH de 8,3 pontos percentuais. Em relação à qualificação da população adulta também podemos verificar que a população entre os 25 e os 64 anos, com o ensino secundário completo atingiu, no fim do ano de 2020, a taxa de 56,1%, o valor mais alto alguma vez alcançado e que espelha tendência de crescimento do indicador nos últimos anos. Desde o início deste período de programação até ao fim do mês de junho de 2020, o investimento total aprovado do PO CH chegou aos 4 336 milhões de euros (M€), com 3 700 M€ de investimento do Fundo Social Europeu. Ultrapassámos as 865 mil pessoas apoiadas. Sem os apoios resultantes de todo este investimento a situação da educação seria deveras diferente em Portugal. Prova disso são as avaliações já levadas a cabo ao longo deste período de programação, como a recente Avaliação do Contributo do Fundo Social Europeu para a promoção do sucesso educativo, redução do abandono escolar precoce e empregabilidade dos jovens. Conclui-se nesta avaliação que, em média, em cada 100 alunos, 87 alunos dos Cursos Profissionais completaram o ensino secundário contra apenas 57 dos Cursos Científico Humanísticos. O nível de empregabilidade/prosseguimento de estudos dos alunos que conclui o ensino secundário através da via profissional é de 72%, seis meses após a conclusão dos cursos. Por outro lado, em cada 100 alunos, 54 dos Cursos Profissionais e 36 dos Cursos Científico Humanísticos encontram o seu primeiro trabalho entre seis a nove meses depois da conclusão da sua formação de nível secundário.

Ainda antes da pandemia da COVID-19 atingir Portugal, foram planeados objetivos para a legislatura com medidas que visavam projetar o país no mundo através da capacitação digital das pessoas, da transformação digital das empresas e dos seus Recursos Humanos e da digitalização do Estado, o maior empregador de todos. De que medidas estamos a falar?
Até ao surgimento da pandemia, a intervenção do POCH neste domínio passava por duas componentes distintas: i) por um lado, considerando que a generalidade das formações que apoiamos são de longa duração (exemplo, cursos profissionais e cursos de aprendizagem, com em regra três anos de formação, ou cursos de educação e formação de adultos), em percursos que asseguram no final da formação uma certificação escolar e profissional, as mesmas integram em regra a aquisição de competências digitais básicas ou mesmo já mais do que básicas; ii) por outro lado, entre esses percursos formativos encontramos uma grande proporção que se inserem em saídas profissionais no final dessa formação associadas à transformação digital em curso. De facto, os cursos nas áreas de educação e formação associadas ao desenvolvimento de competências mais especializadas na área digital para o mercado de trabalho, surgem sistematicamente na segunda ou terceira posição em matéria de recursos alocados ao conjunto das ofertas formativas que apoiamos.

Esta Transição Digital tem sido uma poderosa ferramenta no processo da Educação e Formação do Capital Humano? porquê?
A transição digital é um dos instrumentos essenciais da estratégia de desenvolvimento do país, em linha com os objetivos políticos dos investimentos da União Europeia.
As tecnologias digitais associadas à inteligência artificial, robótica e biotecnologias, têm potencial para criar inúmeras oportunidades de negócios, empregos e crescimento económico sustentável em toda a União Europeia, incluindo Portugal. Esse desenvolvimento implica uma transformação na forma como as pessoas trabalham, como o trabalho é organizado e nos processos de aprendizagem.
O sistema educativo tem vindo a acompanhar a transição digital da sociedade portuguesa e europeia. A ambição nacional é colocar o país na linha da frente do digital. Para isso, em Portugal trabalha-se arduamente em medidas como a digitalização das escolas, o programa de inclusão digital dos adultos “Eu Sou Digital”, o “Upskill”, o programa “Jovem + digital”, e a tarifa social de acesso a serviços de Internet. Os cursos de dupla certificação em Portugal, com a sua aposta na formação prática em contexto de trabalho, e a sua consequente proximidade às empresas, propiciam também o ambiente naturalmente favorável ao desenvolvimento das competências adequadas às novas necessidades do mercado. Mas as aprendizagens não podem ser vistas hoje em dia com algo estático. As linhas de fronteira entre a Educação e formação Profissional para jovens e adultos tendem a desaparecer e a aprendizagem ao longo da vida deve tornar-se a norma, para uma atualização constante de competências.

Em que medida estes objetivos concretos tiveram de ser reorganizadas com o impacto da pandemia? Considera que a mesma impulsionou a concretização das medidas já pensadas bem como a criação de outras?
Em primeiro lugar, a pandemia veio obrigar a acelerar e muito os processos de ensino e aprendizagem, fruto também da necessidade de mobilização sem precedentes de soluções de formação à distância, para evitar a completa interrupção dos processos formativos em curso ou planeados. Foi nesse contexto que foi realizada uma reprogramação em tempo recorde dos Programas Operacionais do Portugal 2020, entre os quais o POCH, para suportar uma implementação mais acelerada do Plano de Transição Digital da Educação, inserido no Plano mais global do país para esse efeito. Por outro lado, tornou ainda mais visível a necessidade do país não só manter, como reforçar seriamente o investimento no desenvolvimento de competências digitais, seja de nível mais básico, para a generalidade dos cidadãos, seja competências especializadas, que sustentem mais e melhor o processo de transição digital que estamos a viver e que a pandemia também implicou acelerar em muitos domínios, do trabalho (designadamente a distância), à vida familiar e profissional.

Nesta fase complexa como a que vivemos, Portugal soube afirmar-se e alcançar bons resultados no que diz respeito à Educação Mais Digital, comparativamente ao resto da Europa?
Portugal está a traçar o seu caminho e a investir nas soluções para o problema, que a pandemia também ajudou a identificar. Com o investimento do Fundo Social Europeu o PO CH apoia a qualificação de jovens e adultos, canalizando-os para as ofertas formativas onde há maior necessidade de competências, entre as quais as digitais, inegavelmente. O investimento na Escola Digital é fundamental para ajudar a criar as bases da educação pela via digital, válida tanto para o ensino presencial como para ensino à distância, caso volte a ser necessário, e sobretudo para a sua democratização, não deixando ninguém para trás. Dito isto, Portugal continua a precisar de melhorar o desempenho em matéria de capital humano e de competências básicas para a utilização de tecnologias, se comparado com os padrões europeus. Em 2019, a percentagem de população portuguesa que não possuía, pelo menos, as competências digitais básicas diminuiu de 50% para 48%, mas cerca de 26% do total não tinha qualquer competência digital. Estes são dados do Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade 2020, publicado o ano passado pela Comissão Europeia.

Quão importante é para Portugal – um país repleto de oportunidades e sempre um alvo para investidores, novos residentes e turismo – esta aceleração da transição digital na Educação e Capital Humano? Que mais-valias existem e que apoios europeus tivemos para o efeito?
A necessidade de uma população com mais competências digitais não despoletou com a pandemia, foi apenas evidenciada por esta e forçando a uma aceleração ou intensificação do investimento nesta área. Portugal mobilizou para o efeito mais investimento do Fundo Social Europeu do que o inicialmente previsto, como está à vista de todos: Ao nível do Capital Humano, e englobando também os Programas Operacionais Regionais, os apoios do FSE já chegaram aos 185 M€ para acelerar a transição digital da educação. No âmbito dos apoios prestados pelo PO CH, num total de 115 milhões, 96 M€ foram usados para a compra de 174 mil computadores, com as respetivas ligações à internet, priorizando os alunos que beneficiam de ação social escolar, e 80 mil para os docentes, em ambos os casos em regime de empréstimo. 2,3 M€ foram destinados ao financiamento dos equipamentos e serviços de conectividade já adquiridos pelos municípios das regiões de Lisboa e Algarve, que se adiantaram a esta medida para os fazerem chegar às escolas, o mais rapidamente que lhes foi possível.
Por outro lado, estamos a investir na capacitação de cerca de 80 mil docentes e outros agentes de educação com competências digitais, que permitam ao sistema tirar o melhor partido do investimento tecnológico, envolvendo um investimento adicional de cerca de 18 M€. No âmbito deste projeto, também foi financiado com 1,2 M€, o reforço das condições de coordenação e acompanhamento das escolas na mobilização dos recursos digitais e do ensino a distância, através da Direção Geral da Educação.
Estas medidas que continuarão a ser implementadas, contribuirão sobremaneira para uma população mais qualificada e um país mais bem preparado para enfrentar as mudanças em curso geradas por esta acelerada digitalização da nossa sociedade, que implica evitar riscos de exclusão de parte da nossa população que não esteja habilitada a tirar partida das vantagens que este processo pode trazer a todos.
Poderei responder ainda com mais dados à sua pergunta após o primeiro semestre de 2022 em que está prevista a realização de uma avaliação que vai permitir perceber o impacto do investimento do Fundo Social Europeu no Plano para a Transição Digital da Educação.
No contexto da necessidade de novas competências na realidade das transições e da sociedade pós-pandemia, o PO CH lançou em maio deste ano a E.volui – Mostra de Educação e Formação do PO CH, em formato digital, cujo mote é precisamente as transições Digital e Verde. Na mostra é possível conhecer projetos vários de formandos apoiados e a oferta formativa, adaptada à nova realidade, de entidades formadoras apoiados pelo PO CH no âmbito dos seus eixos de apoio: Formação inicial de jovens, Aprendizagem ao longo da vida e Qualidade e inovação na educação. A mostra tem crescido e contará em breve com a presença de 27 entidades formadoras e cinco projetos inovadores.

Olhando para Portugal a médio e longo prazo é possível desde já prever o futuro do PO CH nesta perspetiva da transição digital? Quais são as metas?
Apesar de ainda existirem aspetos por definir para o próximo período comunitário 21-27, o financiamento dos cursos de dupla certificação na formação inicial de jovens e nas medidas que promovam o sucesso escolar, certamente prosseguirá tendo em conta a importância destas ofertas de formação para a promoção de transições verde e digital justas, designadamente em matéria de mundo do trabalho. Esta é ainda uma medida essencial para a diminuição da taxa de abandono escolar precoce que na Estratégia Portugal 2030 se pretende reduzir para 5%.
Também os apoios à aprendizagem ao longo da vida serão fundamentais para esse efeito, porque esta é imprescindível no âmbito das transições que vivemos. Por um lado, os adultos precisam de adquirir competências específicas, enquadradas nas transições verde e digital, que terão em si grande parte dos empregos do futuro, obrigando em alguns casos a processos sempre difíceis de reconversão profissional, de empregos que deixam de ser viáveis, nalguns casos até em função ou como consequência dessas transições. Por outro lado, a posse de um nível básico ou mais do que básico de competências digitais por parte de todos, em particular dos adultos, constitui hoje uma ferramenta necessária não só para a integração profissional na generalidade dos setores da economia, como para a sustentação de um plena cidadania, sendo que, como já referido, Portugal apresenta ainda um grande défice nesta matéria na população adulta.

Para terminar, não estamos perante a possibilidade com tamanha mudança da perda de mais “contacto”, de mais “calor”, de mais “convívio humano”, perspetivando uma relação mais “fria” e tecnológica com esta nova “etapa” do Capital Humano?!
As pessoas são o principal pilar de um país. É para elas e a pensar nelas que o PO CH e o Fundo Social Europeu trabalham e é por elas que as transformações verde e digital estão em curso.
Para a transformação digital de um país ser bem-sucedida as pessoas, as grandes impulsionadoras desta transformação, têm de estar bem preparadas e munidas de ferramentas para adequar os processos e bem utilizar as mais-valias da tecnologia. Assim, não se trata de desvirtuar o “contacto” ou de retirar o “calor” às relações interpessoais que se desenvolvem no local de trabalho, mas sim de as adequar ao novo âmbito digital. Não há tecnologia sem pessoas, elas são essenciais para a pensar, criar, desenvolver e pôr em prática e também para tirar partido dela. São novos conceitos e novas abordagens, mas isso já se passa hoje em dia ao nível das relações pessoais. Os mais jovens já interagem socialmente de forma completamente diferente dos seus pais e nem por isso pior, nem melhor… simplesmente diferente. Nas relações sociais dos jovens de hoje o meio digital é uma constante. É lá que comunicam, trocam ideias, criam grupos, conversam, jogam, vêm filmes, ouvem música, e não deixam estabelecer relações e de criar amizades por isso. Na educação e no trabalho, teremos que acompanhar essa mudança.

OS APOIOS DO POCH

Formação de Jovens
Através do seu eixo prioritário 1, o Programa apoia percursos de dupla certificação de nível básico e secundário, em que se destacam os cursos profissionais. Estes percursos permitem a aquisição de uma certificação escolar e também profissional. Dessa forma o PO CH contribui para o combate ao abandono escolar precoce e para a oferta de quadros intermédios para o mercado de trabalho, embora os formandos possam prosseguir estudos para o ensino superior. Desde o início do programa até 30 de junho de 2021, o PO CH já investiu na formação inicial de jovens um total elegível aprovado de 2435 milhões de euros (M€). Destes, 2069 M€ são investimento FSE. Estas verbas permitiram apoiar a qualificação de cerca de 272 mil jovens.

Formação superior e avançada
No eixo 2, que para a formação superior e avançada, o PO CH começou por apoiar a realização de CTeSP – Cursos Técnicos Superiores Profissionais, bolsas para alunos carenciados frequentarem o ensino superior e bolsas de doutoramento e pós-doutoramento. Em 2018 foi necessário realocar verbas dentro do PO CH para outras medidas e os apoios ao ensino superior passaram a ser financiados através de outros Programas Operacionais. Neste momento, o PO CH só apoia a concessão de empréstimos bancários para estudantes do ensino superior, em condições mais favoráveis. Com este apoio o estado funciona como fiador em caso de dificuldade no reembolso do empréstimo concedido o que poderá fazer a diferença entre frequentar e não frequentar o ensino superior, promovendo mais igualdade de oportunidades. Até ao fim do primeiro semestre de 2020, o POCH apoiou o ensino superior, num montante total elegível de 669 milhões de euros, que abrangeram mais de 127 mil estudantes.

Aprendizagem ao longo da vida
Na área da formação de adultos, que corresponde ao eixo 3 do PO CH, financiamos a rede de Centros Qualifica, que apoia e encaminha os adultos para as ofertas formativas que melhor se adequem. É também aqui que os adultos podem certificar as suas competências escolares e profissionais, adquiridas com a experiência do trabalho e da vida, e que lhes dá equivalência a um nível de ensino ou qualificação. Nesta área da aprendizagem ao longo da vida, o PO CH apoia os cursos de educação e formação de adultos de nível básico e secundário e os cursos de aprendizagem, específicos para que jovens adultos, normalmente entre os 18 e os 24 anos, possam completar o ensino secundário e adquirir uma qualificação profissional. O investimento total elegível aprovado nesta área, a 30 de junho, ascende aos 962 M€, dos quais 817 M€ são investimento FSE. Estes apoios já chegaram a mais de 400 mil adultos.

Qualidade e Inovação na Educação
No eixo 4, o PO CH financia projetos inovadores e muito diferenciados entre si, que elevam a qualidade e fomentam a inovação no sistema de educação, como a formação contínua dos docentes e outros agentes educativos, ações de inovação social, reforço da rede de serviços de psicologia e orientação nas escolas públicas entre outros. É neste eixo que estão inseridos os novos apoios ao Plano de Transição Digital da Educação, onde o PO CH, através do FSE, investiu 115 milhões de euros, entre a aquisição de computadores e conectividade para alunos e docentes (100 Milhões de Euros), formação em competências digitais de docentes e outro pessoal (15 Milhões de Euros) e ainda a coordenação e acompanhamento das escolas pela Direção Geral da Educação na mobilização dos recursos digitais e do ensino a distância. Neste eixo, com tipologias de ação tão diversificadas, o montante total elegível aprovado ascende aos 227 milhões de euros.