Início Atualidade “Temos de continuar a apostar na Consciencialização, especialmente das capacidades das Pessoas com EM”

“Temos de continuar a apostar na Consciencialização, especialmente das capacidades das Pessoas com EM”

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“Temos de continuar a apostar na Consciencialização, especialmente das capacidades das Pessoas com EM”

A Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), criada em 1984, tem como missão contribuir para a melhoria das condições de vida dos portadores de Esclerose Múltipla (EM), familiares e cuidadores. Após 37 anos de iniciativas, como avalia o concretizar desta missão até aos dias de hoje?
Ao longo de todos estes anos, além de se ir formando enquanto IPSS e Associação de Doentes, a SPEM, tendo o seu início em Lisboa, tem demonstrado, ao longo dos anos, que existe com pessoas com EM para pessoas com EM. Seja na prestação de serviços aos associados e comunidade envolvente, seja como Associação de Defesa dos Direitos da Pessoa com Esclerose Múltipla, da Pessoa doente crónica e da Pessoa com Deficiência (no nosso caso orgânica e invisível muitas vezes). Além de tudo isto, a SPEM também tem prestado à comunidade um serviço de consciencialização desta patologia crónica, incapacitante e que afeta cada vez pessoas mais jovens e em início de vida. A SPEM existe para estas pessoas com EM, para as suas famílias, para dar voz e servir de apoio a todos os que padecem desta patologia e a todos os que sentem esta causa como sua. Para comprovar o efetivo compromisso com a causa e as iniciativas desenvolvidas, a SPEM já recebeu vários prémios e condecorações que provam o seu serviço a esta comunidade de pessoas com EM e a esta centralidade que se pretende ter na SPEM de colocar o doente no centro.

A SPEM intervém junto dos poderes públicos e organismos competentes, especialmente nas áreas da saúde e proteção social, para um eficiente suporte aos doentes e acesso às terapias. Como se encontra atualmente o panorama do dito suporte e acesso? Podemos afirmar que se tem promovido o suficiente a qualidade de vida das pessoas com esta condição?
Atualmente, vivemos tempos conturbados a nível político, que naturalmente influenciam o social e a saúde. A necessária união destes dois “silos” é indiscutível enquanto suporte na melhoria da qualidade de vida de qualquer doente crónico, como as pessoas com EM. Hoje em dia, a luta pelo doente no centro torna-se ainda mais gritante e é nisso que a SPEM se tem vindo a centrar ao longo dos últimos anos, apelando à consciência dos organismos competentes e poderes políticos para as necessidades destas pessoas. Seja no acesso aos cuidados de saúde ou terapêuticas mais eficazes e por isso mais caras, seja na qualidade desses serviços de saúde que carecem de melhorias estruturais para que o doente esteja no centro e para que o cuidado a esta patologia não se perca no oceano do SNS. A EM é uma doença crónica, inflamatória do Sistema Nervoso Central e que afeta inúmeras funções do nosso cérebro, por isso mesmo ela necessita de monitorização, de vigilância, de cuidados médicos personalizados e efetivos e que naturalmente dependem das eficácias dos meios complementares de diagnóstico (como ressonância magnética, entre outros) para que o quanto antes se intervenha nesta doença e para que ela não vá à nossa frente. Ainda existe um longo caminho a percorrer que implica talvez a reestruturação na área da saúde para que o doente fique no centro e para que as necessidades dos doentes crónicos e desta patologia sejam tidos em conta. Na área social, a conversa é a mesma, porque enquanto pessoa somos seres sociais em interação com o nosso meio, onde as relações e o entendimento importam para a nossa qualidade de vida. A urgente necessidade de união entre as montanhas social e saúde são emergentes para toda e qualquer cidadão e ainda mais para o doente crónico que precisa de ver respeitados os seus direitos, quer sejam de saúde quer sejam sociais, laborais, entre outros. Todos temos direito a uma habitação segundo a Carta dos Direitos da ONU, mas também temos direito a um emprego, segundo a mesma carta.

O Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla celebra-se todos os anos no dia 4 de dezembro. A data tenta chamar a atenção da população para a doença, desde os seus sintomas à sua gravidade e ao seu tratamento. Considera que hoje existe uma consciencialização maior sobre as necessidades das pessoas com esta condição e das suas vivências?
Sim, considero que hoje em dia há uma maior consciência da patologia. Contudo, infelizmente, ainda existe uma grande incompreensão talvez associada, ainda, a um desconhecimento, por parte de entidades empregadoras essencialmente. Grande parte dos sintomas da EM são invisíveis, tais como: insuficiência urinária, depressão, dificuldades na visão, dor, dormência, sensibilidade à temperatura, entre outros. Dada a sua invisibilidade esta leva à incompreensão e muitas vezes até a situações de incredulidade, o que não é nada favorável para o doente.  É necessário apostar ainda na consciencialização, especialmente das capacidades das pessoas com EM, para com as entidades empregadoras e para com a sociedade em geral.

 Respeito e inclusão são os dois motes para este dia. Quão importante é celebrar esta efeméride e relembrar a sua origem?
Essas duas palavras são essenciais porque suportam toda a ideia de melhoria da qualidade de vida destas pessoas com EM e até de qualquer cidadão. O respeito pela nossa patologia, pela dificuldade que enfrentamos diariamente com os sintomas invisíveis e com a compreensão dos mesmos parece-nos essencial que seja cada vez mais consciencializado pela sociedade. A inclusão, seja social seja laboral, é algo inato ao ser humano que só vive em sociedade, em relação e que só consegue ser cidadão efetivamente com plena participação em sociedade quando incluído na mesma. Muitas vezes, infelizmente quem é diferente do padrão “normalizado” em sociedade acaba por ser excluído ou até por se autoexcluir o que só agrava o seu estado anímico e de saúde. Assim, estes dois conceitos estão sempre em cada iniciativa da SPEM, em cada projeto e até em exposições onde se pretende consciencializar a sociedade para a doença, para os doentes e principalmente para a pessoa por detrás da doença.

Em que medida é imprescindível promover informação, consciencialização e capacitação dos doentes, familiares, cuidadores e sociedade civil em relação à doença e ao seu impacto?
A consciencialização é um produto inacabado. Mas podemos dizer que o nosso esforço tem valido a pena porque cada ano chegamos a mais pessoas e ganhamos mais espaço na sociedade. Só é possível quebrar o estigma associado à doença com uma maior consciencialização da sociedade. E é este sempre o trabalho da SPEM nesta promoção de conhecimento em torno da doença e de tudo o que esta envolve. A capacitação é outro tema muito relevante para a SPEM, seja o patient advocacy seja mesmo uma capacitação dos cuidadores e familiares. Esta doença facilmente é incompreendida porque muitas vezes não se vê. O trabalho de desenvolver ferramentas para lidar com a doença só é possível com um conhecimento desta e até de nós mesmos e dos nossos limites. A capacitação também só se efetiva com um conhecimento da doença e dos seus direitos enquanto doente de EM, doença crónica e deficiência orgânica.

Estando presente de norte a sul de Portugal, conseguindo chegar a cada vez mais pessoas com Esclerose Múltipla, de que forma a SPEM irá – como todos anos a 4 de dezembro – dignificar e elevar a voz dos doentes?
O Congresso deste ano tem como título SAÚDE + SOCIAL 4.0 e tem a ambição de contribuir para o quebrar “os silos” que contem e separam o SNS e a Segurança Social e colocar o foco destes na resolução da complexidade da condição da pessoa com doença crónica. O congresso será realizado a 3 e 4 de dezembro de 2021 em Lisboa na Associação Nacional de Farmácias (no seu formato presencial) e digitalmente para todo o País. Será um congresso na modalidade híbrida e é dirigido à comunidade que se encontra ligada à EM, sejam eles decisores, sejam técnicos, sejam cuidadores, sejam os próprios portadores de EM e os seus familiares e amigos. A questão de dar voz ao doente de EM tem sido uma preocupação para a SPEM. Além de todos os vídeos que temos no nosso canal do Youtube (SPEM TV) com testemunhos de e para pessoas com EM, todo o programa deste congresso foi desenhado desde o início com pessoas com EM, com pessoas que trabalham com pessoas com EM, com os nossos voluntários, técnicos, direção, e todo este envolvimento tornou o programa e toda a planificação do congresso rica, mas essencialmente parte integrante de cada um de nós que pertencemos à SPEM e que vamos tendo voz nela e na sociedade. Enquanto diretora de congresso e também pessoa com EM sinto-me honrada por fazer parte desta família que somos na SPEM e por todo o envolvimento que temos tido de toda a comunidade SPEM e não só, mas também comunidade médica, farmacêutica, social, etc. No congresso, em cada painel, temos tudo pensado de pessoas com EM para pessoas com EM.

A terminar – e tendo em conta que a sociedade está em constante evolução – considera que a investigação e desenvolvimento têm sido (e serão) um alicerce promovido em Portugal no que diz respeito à Esclerose Múltipla? De que forma a SPEM irá articular a sua atividade com a peça essencial que é a investigação?
Relativamente à investigação e ao desenvolvimento, a SPEM tem já uma longa tradição que vem desde a sua fundação quando, em Portugal, essas palavras ainda nem se quer se associavam à patologia da EM. Foi pela mão da SPEM e de alguns médicos e investigadores que a EM entrou no radar da nossa comunidade científica e se foi desenvolvendo. Hoje em dia o panorama é muito diferente, pois temos vários grupos de investigação nacionais a desenvolver investigação de base e a participar em projetos e consórcios internacionais de investigação e desenvolvimento de soluções terapêuticas, que ajudem a tratar mais eficazmente, a reabilitar melhor e a dar às PcEM uma melhor qualidade de vida. Neste esforço coletivo a SPEM enquadra-se como entidade de referência, tanto como parceiro como agente ativo do processo de ID. Neste momento, estamos e temos estado envolvidos em várias iniciativas com várias instituições académicas nacionais e internacionais que vão desde a Medicina, passando pela Saúde Pública, pela Motricidade Humana, pela Psicologia e pela Economia. Nesta sequência, a SPEM criou neste mandato o Pelouro da Ciência e Investigação que tem desenvolvido um trabalho notável de aproximação e articulação da SPEM com todas as partes interessadas (stakeholders) na área do ID, tanto em Portugal como Internacionalmente, através da Plataforma Europeia da EM e da Federação Internacional da EM e da Iniciativa Progressive Alliance.