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A Missão: Erradicar o Tráfico Humano

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A Missão: Erradicar o Tráfico Humano

O Projeto Insight tem como missão dar voz à comunidade Luxemburguesa, de maneira a conseguir vingar nos direitos dos mais desfavorecidos. Como e quando surgiu a vontade de realizar um projeto tão nobre como este?
O tráfico de seres humanos é uma realidade com um impacto económico comparável ao do tráfico de armas e de droga. Estima-se que por ano sejam traficadas milhões de pessoas em todo o mundo. As últimas estatísticas da Organização Internacional do Trabalho estimam mais de 40 milhões de pessoas em situação de escravatura moderna. Como advogada de direitos humanos, estive a colaborar com diferentes ONGs na luta contra o tráfico humano na Índia, Uganda e Gana por mais de cinco anos. A minha experiência mostrou-me que do pobre ao rico, do analfabeto ao letrado, todos estão em risco de serem traficados (mesmo crianças e adolescentes através da exploração on-line) e necessitam de ser resgatados do cativeiro onde se encontram. O Luxemburgo não está imune a este fenómeno o que traz consequências problemáticas como: o crime organizado, a exploração sexual e laboral, violações de Direitos Humanos e quebra de suportes familiares e comunitários. Por isso em 2020 foi establecida no Luxemburgo a associação The Insight Project Asbl.

É um projeto que intervém diretamente na comunidade das pessoas mais vulneráveis do Luxemburgo, com o propósito de prevenir situações de tráfico de pessoas. Que passos serão imprescindíveis neste caminho?
Para além de ações de consciencialização em escolas, empresas, na comunidade local e divulgação nas redes sociais (através das quais já duas vitimas de tráfico humano nos contactaram), a nossa equipa de voluntários tem um contacto direto com profissionais da indústria do sexo, procurando dar-lhes oportunidades de saída, bem como, uma espaço de permanência semanal onde as nossas beneficiárias podem aprender francês, inglês, preparar o CV, obter aconselhamento jurídico e psicológico. Este espaço possibilita um aprofundamento de relacionamento com os mais vulneráveis e identificação de possíveis casos de tráfico humano ou em risco.

Afirmam acreditar que a comunidade do Luxemburgo unida e em ação pode fazer a diferença. De que forma sensibilizam os luxemburgueses a aderirem a esta atividade? Qual o processo desde o seu começo até à sua realização?
Para se atuar e combater este fenómeno a nível nacional, é exigido o seu conhecimento. Mais conhecimento significa uma melhor e maior adequação e adaptação das políticas de intervenção. Consideramos de extrema importância falar sobre este tema, de forma que possa haver uma maior consciencialização do problema, entender que não acontece só em países longe do Luxemburgo, mas pode estar mesmo na porta ao lado, e como podemos agir de forma correta caso estejamos perante um caso destes. Temos diversas campanhas de prevenção para crianças, adolescentes e jovens apoiados pelo projecto In: Cubator (Service Nationale de la Jeunesse – Ministèrio da Educação). Para o público geral temos ainda diversas ações de divulgação e conscientização e organizamos no Luxemburgo a caminhada pela liberdade que é organizada mundialmente pela ONG A21. No ano de 2020, no âmbito do Global Freedom Summit, convidamos os nossos parceiros institucionais e não-governamentais para um colóquio sobre a situação do tráfico humano no Luxemburgo. No seguimento da dita conferência, foram enviadas diversas cartas à Ministra da Justiça do Luxemburgo, Mme. Sam Tanson. Estamos ainda a preparar uma questão parlamentar relativamente à inexistência de investigação contra a sociedade Luxemburguesa que detém a plataforma on-line “PornHub”, que tem sido alvo de investigação por parte de autoridades judiciais estrangeiras por facilitarem a divulgação de material de imagens pornográficas infantis; e uma outra relativa à aplicação de penas mais severas para os traficantes condenados.

Quais os maiores desafios/obstáculos que encontram na hora de colocar o projeto em prática?
Acreditamos que não existe um efetivo bloqueio ao tráfico humano no Luxemburgo, nomedamente, pelas sentenças a que os traficantes condenados estão sujeitos. No Luxemburgo em 2018, quatro traficantes receberam sentenças parcialmente suspensas e foram condenados com penas de prisão entre 12 e 18 meses. Em média, os traficantes foram condenados a 15 meses de prisão. Um decréscimo visto que em 2016 a média de condenações foi de 19,75 meses. É imprescindível o trabalho com os tribunais por forma a que estes comecem a proferir sentenças mais pesadas e mais próximas da pena máxima prevista no enquadramento jurídico-penal luxemburguês de dez anos por forma a podermos deter o crime de tráfico humano.

O que, na opinião da Marta Ventura Correia, ainda falta para que no Luxemburgo se consiga efetivamente chegar a uma igualdade social e erradicar o tráfico humano?
Apenas podemos combater um crime económico como o tráfico humano se aumentarmos o risco de prisão, de arresto de bens, de reputação e diminuirmos a procura desses mesmos produtos ou serviços através das nossas escolhas de consumo consciente e responsável. A União Europeia está efetivamente a dar passos para que o setor empresarial a atuar no espaço europeu seja responsável por auditorias internas relativas ao cumprimento dos direitos humanos na empresa, bem como ao nível dos seus fornecedores e prestadores de serviços sub-contratados. A pressão pública e mediática, juntamente com este novo enquadramento legal a ser implementado pela União Europeia, e penas efetivas e severas para os traficantes condenados, pode levar à erradicação do tráfico humano no Luxemburgo.

Quais as maiores diferenças que nota no país onde atuam desde o começo do projeto até à data de hoje?
Hoje a realidade é diferente de quando começámos. Notamos que as vítimas conhecem melhor os seus direitos, a comunidade local está mais informada sobre a realidade escondida do país, dos riscos de abusos de crianças e adolescentes on-line, mas ainda há muitos que se encontram alheados desta realidade. Isto pode levar a que os casos de tráfico humano se multipliquem uma vez que há uma coisa importante a reter: o tráfico humano confunde-se com muitos outros crimes. Por vezes parece rapto, auxílio à imigração, prostituição, abuso infantil. Sendo difícil de provar é também difícil de incriminar. Necessitamos de uma comunidade local que denuncie, de autoridades judiciárias que investiguem, de serviços sociais que apoiem os sobreviventes e de juízes que apliquem penas severas que deverão ser divulgadas através da comunicação social.

Sabemos que a pandemia da Covid-19 afetou um pouco o mundo inteiro. Acredita que este vírus veio reforçar ainda mais as desigualdades no Luxemburgo? Que mudanças tiveram que ser realizadas no Projeto Insight de maneira a ir ao encontro das “novas” necessidades?
Ainda que não existam estatísticas disponíveis, acredito que a pandemia da Covid-19 aumentou os casos de pobreza escondida no Luxemburgo. Não obstante a tentativa do governo em auxiliar, muitos foram os pedidos que nos chegaram de pessoas vulneráveis e não documentadas no Luxemburgo que precisavam de pagar renda, pagar as contas e comprar comida. Auxiliámos como pudemos e distribuímos comida. Mas nem sempre a nossa intervenção de prevenção chegou a todos. Foram duas as mulheres que conhecemos nas ruas do Luxemburgo que se começaram a prostituir por forma a poderem comprar comida e pagar as contas. Cumpre dizer que, após a nossa assistência, ambas estão neste momento a trabalhar como empregadas de limpeza e fora da prostituição forçada a que a situação económica provocada pela pandemia as tinha levado.

Recentemente, nos dias 16 e 18 de outubro, realizaram duas manifestações no combate ao tráfico humano e de mão de obra. Qual a importância deste tipo de movimentos? Que projetos futuros podemos esperar nesta luta que ainda agora começou?
No dia 16 de outubro foi realizada a campanha pública de sensibilização e prevenção do tráfico humano: Walk For Freedom, foi realizada no Luxemburgo e noutros 70 países por todo o mundo. Caminhámos de forma silenciosa no Luxemburgo por todas as vítimas de tráfico humano. Por mais de 40 milhões de pessoas que neste momento estão privadas de um dos direitos básicos de todos os seres humanos – a liberdade. No dia europeu contra o tráfico humano, 18 de outubro, juntámo-nos ao European Freedom Network, para a divulgação da campanha on-line de erradicação da exploração forçada de trabalho, um dos tipos de escravatura moderna, que existe no Luxemburgo. Vamos continuar a caminhar pela liberdade de todos aqueles que se encontram privados dos seus direitos, a erguer a nossa voz nas redes sociais, no parlamento e nos tribunais por quem não se pode defender. A escravatura não é algo apenas do passado. Infelizmente ainda é uma realidade mas juntos podemos colocar-lhe um fim.

Por fim, e de forma a difundir cada vez mais o Projeto Insight, como é que o público pode contribuir e ajudar nesta batalha que deve ser travada por todos?
Apoie iniciativas que já trabalham contra a escravidão, seja voluntário de uma das nossas atividades:

  • Apoio e aconselhamento;
  • Formações de reabilitação e reintegração na comunidade (aulas francês, inglês, informática, etc.);
  • Campanhas de consciencialização;
  • Eventos de angariação de fundos.

Escolha apoiar financeiramente um dos nossos projetos. Opte por um consumo consciente e responsável. Escolha comprar produtos ‘comércio justo’, faça compras eticamente corretas. Pesquise sobre os produtos para garantir que são produzidos por um adulto que tenha salário e condições de trabalho dignas.
Denuncie atividades suspeitas – podem sempre contactar-nos através do +352 621637637, através das nossas redes sociais @InsightLuxembourg ou email contact@theinsightproject.org.