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Os desafios da digitalização na Contabilidade e as prováveis alterações à lei base das associações profissionais públicas

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Os desafios da digitalização na Contabilidade e as prováveis alterações à lei base das associações profissionais públicas

A palavra de Isabel Cipriano, Vice-Presidente da APOTEC

Em 2008 tinha sido publicada a Lei 6/2008 de 13 de Fevereiro que estabelecia o regime jurídico de criação, organização e funcionamento de novas associações públicas profissionais. Esta lei aplicava-se às associações públicas profissionais que fossem criadas após a data da sua entrada em vigor. Esta condicionante fez com que os Estatuto do Técnico Oficial de Contas, tal como se encontrou consagrado no Decreto-Lei 310/2009 de 26 de Outubro que alterou o Decreto -Lei n.º 452/99, de 5 de Novembro, que aprovou o Estatuto da Câmara dos Técnicos Oficiais de Contas, que passou a denominar-se Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas ficasse à margem da lei base das associações profissionais públicas.
Mas cedo se percebeu que esta marginalidade teria os dias contados, sendo certo que os estados membros teriam de harmonizar as profissões regulamentadas, o que em Portugal se traduziu na criação da Lei 2/2013 de 10 de Janeiro, que veio a estabelecer o regime jurídico de criação, organização e funcionamento das associações públicas profissionais, quer às já existentes quer às que se viessem a constituir.
Importa ter presente que este diploma considera como associações públicas profissionais as entidades públicas de estrutura associativa representativas de profissões que devam ser sujeitas, cumulativamente, ao controlo do respetivo acesso e exercício, à elaboração de normas técnicas e de princípios e regras deontológicos específicos e a um regime disciplinar autónomo, por imperativo de tutela do interesse público prosseguido.[1]
Do referido memorando de entendimento, Portugal comprometeu-se no âmbito das profissões reguladas em: eliminar as restrições ao uso da publicidade; rever e reduzir o número de profissões reguladas, e em especial, eliminar as reservas de atividade; adotar medidas destinadas a liberalizar o acesso e o exercício de profissões reguladas desempenhadas por profissionais qualificados e estabelecidos na UE; melhorar o funcionamento do setor das profissões reguladas (tais como técnicos oficiais de contas, advogados e notários), levando a cabo uma análise aprofundada dos requisitos que afetam o exercício da atividade e eliminando os que não sejam justificados ou proporcionais.
As restrições à publicidade foram de facto eliminadas, assim como as reservas limitativas da atividade, no que se refere à profissão de Contabilista Certificado. Procurou-se legislar no sentido de melhorar o funcionamento desta profissão assim como da própria entidade reguladora. Foi ainda tido em conta a necessidade de aproximar esta profissão às congéneres europeias.
Poder-se-ia ter ido mais longe, ainda assim foi, com a publicação da Lei 139/2015[2], um passo de gigante face ao anterior estatuto.
Contrariamente ao preconizado no memorando, não se reduziu o número de profissões reguladas nem se agruparam na mesma entidade reguladora as que dispõem de base comum.
Importa fazer um parêntesis histórico. Em termos de legislação, a profissão de contabilista tem tido grandes atropelos. Sempre mais fiscalista do que contabilista, com períodos de ausência em termos de regulamentação, mas deveu-se aos códigos fiscais a sua existência, enquanto profissão semi-regulamentada.
Não vamos ser ingénuos em pensar que esta profissão existe há vinte e cinco anos. É regulamentada sim, desde 1995 apesar da Comissão Instaladora e a Comissão de Inscrição só terem tomado posse em 1996, mas os profissionais existem desde sempre, ou pelo menos desde que se sentiu a necessidade de se fazerem registos contabilísticos.
Quis a mão imperiosa do fisco que com a reforma fiscal ocorrida entre os anos 1958-63 aparecesse consagrada a figura do técnico oficial de contas no Código da Contribuição Industrial[3], como figura obrigatória nas declarações de rendimentos, e sem mais definição.
“A incompreensão do presente nasce fatalmente da ignorância do passado”[4]. Um olhar de longo prazo possibilita aprendizagem, contribuindo para a melhoria das decisões políticas.
O Plano de Recuperação e Resiliência prevê uma reforma de redução das restrições das profissões reguladas[5], que visa adequar a atuação das associações públicas profissionais, eliminando restrições à liberdade de acesso e de exercício da profissão e prevenindo infrações às regras da concorrência na prestação de serviços profissionais, nos termos do direito nacional e nos termos do direito da União Europeia.
Que mundo nos espera e que contributos podemos aportar pós-pandemia? A situação de grande incerteza e imprevisibilidade num quadro de alterações climáticas, de mudanças geopolíticas, as alterações nas organizações e nas mentalidades, nos hábitos de consumo, na forma como nos relacionamos em sociedade são respostas que têm de ter enquadramento na solução do PRR.
E aqui, a autorregulação das profissões é uma questão estrutural das ordens profissionais. E no caso do exercício da profissão de contabilista certificado impõe-se uma regulação diária com orientações técnicas para um desempenho rigoroso, contribuindo desta forma para a defesa da exclusividade do título e exercício efetivo da autorregulação.
Não basta falar no digital, é preciso também pensar digital. As funções dos profissionais de contabilidade envolvem uma abrangência alargada, que vão desde o processo contabilístico e elaboração de demonstrações financeiras, a análise interna do negócio, “finance”, “tax” e “audit”.
As plataformas, os documentos digitais, o arquivo e a segurança digital ganham especial relevo. E isto implica também acautelar os riscos e o futuro da profissão.
Nada se poderá mudar com sucesso apenas pela força legislativa. É necessário o envolvimento de todos os intervenientes, para que possa ser (re)construída uma identidade coletiva, que respeite a ética e a deontologia, contribuindo para um desenvolvimento plural, atraindo novos profissionais, não olvidando daquela que é a primeira atribuição de toda a APP, “a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços”

[1]  Conforme artigo 2º da Lei 2/2013 de 10 de Janeiro

[2]  Transforma a Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas em Ordem dos Contabilistas Certificados, e altera o respetivo Estatuto, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 452/99, de 5 de novembro, em conformidade com a Lei n.º 2/2013, de 10 de janeiro.

[3]  Decreto-Lei nº 45 103 de 01-07-1963

[4]  Marc Bloch, Historiador

[5]  Plano de Recuperação e Resiliência https://www.portugal.gov.pt/pt/gc22/comunicacao/documento?i=recuperar-portugal-construindo-o-futuro-plano-de-recuperacao-e-resiliencia