Início Atualidade “As Sociedades Progressistas e Desenvolvidas só acontecem com níveis de Igualdade Efetiva”

“As Sociedades Progressistas e Desenvolvidas só acontecem com níveis de Igualdade Efetiva”

0
“As Sociedades Progressistas e Desenvolvidas só acontecem com níveis de Igualdade Efetiva”
Ricardo Lopes

Rosa Monteiro possui uma vasta experiência profissional pautada pela luta da igualdade de género, o que lhe confere, atualmente, o cargo de Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade na República Portuguesa. A sua trajetória iniciou-se como professora de Ensino Superior e Investigadora nas áreas das Políticas Públicas de Igualdade – não fosse o seu doutoramento centrado nesse tema. No ano de 2013 foi quando começou o seu percurso dentro da política, ao ser convidada a participar na elaboração do programa do Partido Socialista em Viseu. Mais tarde, segundo a interlocutora, “fui convidada pelo Ministro Adjunto, a vir para Lisboa para ser sua adjunta e coordenar os temas das Políticas de Igualdade que era um tema onde eu tinha expertise. Portanto, coordenei o projeto da educação para a cidadania e criei a agenda para a igualdade no mercado de trabalho e nas empresas”. Consciente de que este é um caminho longo, foi em 2017 que passou a assumir o cargo que ainda hoje ocupa, fruto do trabalho exímio realizado até à data. “Sendo independente sempre tive um posicionamento de bastante cooperação na política, mas mantendo-me sempre mais com perfil técnico. Enquanto Secretária de Estado aquilo que faço é a promoção de uma abordagem das Políticas Públicas de Igualdade muito rigorosa em informação, competências técnico-científicas, indicadores, entre outros”, afirma Rosa Monteiro. Obviamente que dentro de uma temática tão necessária a toda a sociedade, os desafios são acrescidos, o que no fundo é o que motiva a nossa entrevistada a adotar práticas inovadoras diariamente, “políticas que influenciem e que nos proporcionem fazer o mainstreaming de género, ou seja colocarmos as necessidades de igualdade entre as mulheres e os homens, as questões de combate à violência, as questões do LGBTI, do racismo, em todos os setores de política”. Aqui a verdadeira luta prende-se com a adoção – por parte de todos – das medidas, não apenas consenti-las, mas colocá-las em prática, quem o afirma é a nossa interlocutora acrescentando que “precisamos de investimento, criar soluções concretas para os problemas das pessoas porque é assim que depois se abrem os caminhos para desconstruirmos aquilo que está na base das desigualdades que são os estereótipos de género, porque as pessoas não veem a olho nu os estereótipos de género, as pessoas sentem-nos nas suas vidas, nas suas empresas, pelos vários indicadores de desigualdade, mas levar as pessoas a trabalhar efetivamente na desconstrução destes modelos assimétricos de ser homem e ser mulher – onde a parte penalizada são as mulheres – evidentemente que exige um esforço de rigor e profissionalismo, portanto não basta exigir que a sociedade mude, temos que fazer tudo para que ela mude e temos que criar as orientações para que isso aconteça”. A realidade é que ocupando um cargo de tamanho peso como é o da nossa entrevistada, leva a que muitas vezes se torne difícil a conciliação entre a vida pessoal e profissional, bem como conseguir separar a Rosa Monteiro profissional da Rosa Monteiro mulher. “Vejo-me como uma mulher profissional, mas também como uma profissional mulher, o que dificulta a conciliação dos dois mundos. O meu trabalho sempre foi muito importante para mim, sou muito centrada no trabalho, onde sou muito exigente comigo própria, e com quem trabalha comigo, porque acho mesmo que deve ser assim, nunca descurando o facto de ser mulher e portanto, existe aqui também um conjunto de constrangimentos, que vão condicionando a disponibilidade, e dificultando mais o arranjo destas várias esferas da vida e de facto na política, essas dificuldades de articulação são acrescidas, e o foco no trabalho que é permanente nas responsabilidades políticas, é muito mais intenso. Portanto tudo se mistura mais, mas no geral e naquilo que é o normal da minha vida, procuro não prejudicar aquilo que sou enquanto mulher pelo meu trabalho e vice-versa”, sustenta a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade.

Luta pela igualdade: mulheres e homens

É muito comum, quando se fala em igualdade de género, que esta seja uma temática associada ao público feminino, precisamente por isso, é fundamental definir que a paridade é de ambos: homens e mulheres. Segundo a nossa interlocutora, este realmente é um caminho a ser feito, e mais do que isso, feito com consciência. Até porque, segundo a mesma, “as sociedades progressistas e desenvolvidas só acontecem com níveis de igualdade efetiva, não apenas na lei, mas concretizar e tornar essa realidade presente na vida. Dentro da luta pelas políticas feministas e de igualdade de género, e de combate a discriminação, as normas têm um significado muito amplo, porque não se dirigem apenas às mulheres enquanto benificiárias, mas sim a toda a sociedade. Inclusivamente aos homens, porque os homens também são vítimas de discriminação e desigualdade de género, quando por exemplo falamos das dificuldades de acesso a licenças de paternidade, porque os seus colegas ou os seus patrões, entendem que essa é uma tarefa que eles devem delegar na mãe da criança e não assumirem aquilo que é um direito consagrado na nossa legislação. portanto temos vindo a ampliar dos direitos dos pais, homens, isto para sublinhar que não é apenas uma luta pelas mulheres mas por toda a sociedade”. Ainda acerca desta problemática que tanto respeito diz a toda a sociedade, a nossa interlocutora confidenciou que o nosso país – segundo os dados do Instituto Europeu para a Igualdade de Género – se encontra no quarto pior lugar na União Europeia, no que concerne à participação dos homens nas tarefas domésticas e familiares, o que implica que a já antiga mentalidade de a “mulher dona de casa”, é ainda predominante em Portugal. “Só 19% dos homens em Portugal diz fazer nem que seja só uma tarefa doméstica por dia. Isto tem de nos fazer pensar que aqui o problema não é só as exigências da carreira profissional, e nós temos as mulheres a competirem no mercado profissional, aliás, as mulheres são mais diplomadas no ensino superior. Mas realmente o problema não está aqui. As mulheres portuguesas trabalham a tempo inteiro, são das que mais trabalham a tempo inteiro em toda a Europa, fora de casa, e depois ainda têm a dupla e a tripla jornada das tarefas domésticas porque, como disse, os homens em Portugal participam muito pouco nessa esfera de responsabilidade familiar e doméstica. mas como dizia, a raiz do problema e desta tensão resulta muito nesta ideia de que a tarefa é uma dificuldade apenas das mulheres. E que as responsabilidades familiares são essencialmente das mulheres. E isto é muitas vezes também reproduzido na forma como as próprias organizações de trabalho estão estabelecidas e a própria organização da vida social”.

Rosa Monteiro: a filosofia de uma ativista ambiciosa

Honestidade e coerência são os valores da qual a Secretária de Estado para a Cidadania e a Igualdade não prescinde, isto porque trilha o seu caminho sempre muito focada em fazer um trabalho rigoroso e empenhado, nunca descurando – obviamente – daquilo que mais a realiza enquanto mulher: as relações saudáveis e os afetos com as pessoas. Com um percurso marcado pela ascensão e aprendizagem enquanto ativista, muitas são as memórias que prevalecem, por esse motivo, confidenciou-nos uma que garante nunca mais esquecer: “Em 2000 quando coordenava um projeto destinado a mulheres que não trabalhavam e que tinham poucas qualificações num certo território, uma das atividades era um programa de formação financiado, portanto pagava a estas mulheres para fazerem uma pré formação inicial que depois lhes desse acesso a formação para o mercado de trabalho e para uma inclusão e integração no mesmo. Toda a equipa estava muito contente achando que de facto iria ter imensa adesão porque naquele território estava diagnosticada uma imensa necessidade deste projeto e deste apoio para as famílias e as mulheres. Quando se lançou a publicação de candidaturas, na verdade elas não surgiram e a equipa das técnicas estava muito perplexa e sem perceber. Perante isto, aquilo a que nos propusemos foi então sair do gabinete e ir ao terreno perguntar-lhes porque é que elas não se vêm inscrever. E quando de facto se fez essa abordagem direta percebemos que essas mulheres não tinham autorização sequer para frequentarem um programa de formação financiada. Tinham de ter autorização dos pais ou dos maridos. Caso fossem ou não solteiras. E isso foi uma revelação que foi muito violenta no ano de 2000”. Uma história marcante que acabou por se tornar numa lição de vida da qual a interlocutora se orgulha, uma vez que as mulheres que conseguiram ir, formaram-se e trilharam um caminho de sucesso. Rosa Monteiro é, de facto, um poderoso exemplo de que uma mulher não se deve – em momento algum – cingir à passividade, nem se colocar numa posição discriminatória, mas para isso garante que é necessária “muita paciência, persistência e competência”. Como mensagem de força a todo o público feminino que tanto defende, termina ao afirmar que “temos de ter consciência das nossas capacidades, temos de nos apoiar umas às outras, temos de valorizar também os nossos percursos, sendo certo que não há aqui heroínas. Temos de ter a coragem para perceber, para reconhecer que estamos a ser vítimas de fenómenos de discriminação. Esse é um caminho que também não se faz sozinha. É olhar um pouco para o lado, termos esta atitude de bondade e de compreensão”.