Início Atualidade “Nada se Cria, nada se Perde, tudo se Transforma”

“Nada se Cria, nada se Perde, tudo se Transforma”

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“Nada se Cria, nada se Perde, tudo se Transforma”

A DARiACORDAR/ZERO DESPERDÍCIO é uma organização social e ambiental portuguesa, sem fins lucrativos fundada em 2011. Após 11 anos de atividade, quais foram as conquistas que esta associação reuniu e que são, com toda a certeza, um grande motivo de orgulho?
A DA/ZD é uma associação sem fins lucrativos da economia social que tem por finalidade promover e contribuir para a prevenção e redução dos excedentes/produção (evitando o resíduo) e, caso existam, promover a sua manutenção na cadeia de valor/RRR, de um modo geral, e, nomeadamente, de sobras alimentares confecionadas, e/ou perecíveis em perfeitas condições de segurança e higiene alimentar construídas e validadas com a ASAE e pela DGAV e CE, bem como de têxteis lar e vestuário, sem prejuízo de outros bens (tangíveis e intangíveis) nos quais já estamos a trabalhar e pretendemos vir a integrar na nossa atividade (aparelhos elétricos e eletrónicos, plástico, livros, embalagens, entre outros). Para isso gerimos redes de operações no terreno de escala nacional, com o intuito de evitar a geração de resíduos têxteis e alimentares, mas atuamos em toda a pirâmide hierárquica de resíduos começando na prevenção. Promovemos e praticamos a consciencialização, educação e informação no sentido de mudar comportamentos, atitudes do atual paradigma insustentável. Recentemente, a DA desenvolveu a plataforma digital circular de economia colaborativa e inclusiva ZERO DESPERDÍCIO 360º que garante a recuperação total de bens e produtos, já implementada em toda a sua rede nacional. Atualmente, esta plataforma tem a capacidade de rastrear doações, em especial de alimentos e têxteis, e também cadastrar doadores e destinatários, bem como cada transação. Também apresenta, em tempo real, os principais indicadores de impacto ambiental, económico e social. A sua infraestrutura está preparada para ser dimensionada para qualquer fluxo (por exemplo, plásticos, equipamentos EEE, entre outros) e para rastrear potenciais resíduos ao longo da cadeia de valor, dando-lhes uma segunda e terceira vida.

Considera que, atualmente, a «tarefa» de mobilizar a sociedade para acabar com o desperdício alimentar por meio da consciencialização e educação é bem-recebida? Ou, pelo contrário, continua a ser um grande desafio?
Continua a ser um enormíssimo, permanente e constante desafio, seja no desperdício alimentar, seja de outro tipo. Ontem participei num evento da APEMETA que terminou com uma intervenção do Presidente da APA. por este ficámos a saber que, de acordo com o  relatório que será publicado nos próximos dias não só divergimos ainda das metas europeias para os resíduos, como se verificou em Portugal um aumento geral destes nos últimos anos, o que não são boas notícias. Precisamos de aliviar a pressão da quantidade resíduos que produzimos, nomeadamente dos resíduos alimentares e Equipamentos elétricos e eletrónicos (EEE), começando em cada um de nós enquanto cidadãos e consumidores, bem como as entidades e organizações privadas ou públicas. A aposta tem que ser na prevenção, sensibilização e consciencialização atuando no início da hierarquia do resíduo (prevenção da sua geração), porque menos resíduo é mais valor e menos impacto. Na base da hierarquia é só correr atrás do prejuízo (aterro ou incineração).

“Nada se perde, tudo se transforma”, é o mote da DARiACORDAR/ZERO DESPERDÍCIO. Na sua perspetiva, de que forma a população em geral pode (e deve) iniciar ou dar continuidade à implementação de boas práticas corporativas em prol do ambiente?
A população em geral, somos todos nós nas nossas diversas qualidades e facetas, pelo que em todas as áreas e domínios em que atuamos temos que pensar, ser, agir e consumir conscientemente e ajustado às nossas necessidades, reaproveitar e reutilizar, bem como colocar em redes de recuperação e distribuição e recanalização de sobras; prolongar o uso que damos aos EEE e reparar em vez de deitar fora, são boas práticas e exemplos que devem ser promovidas e replicadas. A ideia de que o “menos é mais” é um bom mote e ilustra bem o que é lógico e sustentável. Relativamente aos processos e modelos produtivos têm que ser pensados, desenhados e concebidos circulares, do princípio (by design) ao fim (by default) do ciclo de vida, de forma a que tenham segundas e terceiras vidas ou possam ser reintroduzidos no processo produtivo. Ao cidadão, consumidor ou utilizador de serviços deve ser disponibilizada informação transparente sobre o ciclo de vida dos produtos ao longo da cadeia, que permita a rastreabilidade quanto à origem e tipo de materiais, processos e aspetos sociais. Temos que distinguir o que é greenwashing e mero marketing sob o lema de “eco, bio, neutro em carbono, entre outros” do que é realmente sustentável. Quanto ao resíduo tem que ser percebido e abordado pelos operadores que o tratam sempre como um RECURSO, evitar a todo o custo o aterro (não temos superfície terrestre para aterrar o resíduo crescente ao ritmo atual) e a incineração. Escalar e adaptar as boas práticas e soluções já testadas, partilhar conhecimento, tecnologia e investimento para soluções sustentáveis e diversificadas e não por fileiras. Trabalhar em complementaridade para evitar duplicar ou triplicar esforços e recursos. Por outro lado, é urgente harmonizar e estabilizar as métricas para quantificar e medir, recolher e tratar dados para que se possa conhecer o estado da arte, fazer o diagnóstico e trabalhar para alcançar as metas que devem ser um desígnio de todos porque só com o envolvimento de todos serão alcançáveis. Todos somos parte do problema e por isso da solução.

Quão longo é o caminho para que as pessoas reconheçam, na sua plenitude, que os impactos da recuperação dos excedentes alimentares beneficiam as empresas e a comunidade onde se inserem?
É urgente recuperar a Lei: “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”. Atualmente, criamos produtos e consumimos, coisas, bens e serviços vorazmente, utilizando os nossos recursos planetários comuns, que descartamos sem critério e não dando tempo à Natureza para transformá-los ou regenerá-los. Por outro lado, esquecemos que todos contam e não devemos deixar ninguém para trás. Acredito que todos nós somos agentes de mudança com um papel na crise climática. Todos nós fazemos parte da solução. Relativamente ao desperdício alimentar especificamente, é um conceito diretamente relacionado com a produtividade e uso ineficiente de recursos e da relação entre o alimento e o fim para que foi produzido/transformado. Tem enormes custos económicos, ambientais (responsável por 10% de emissão de gases de efeito de estufa pela poluição, aterro ou incineração que implicam) e sociais. Mas é a produção e a subsequente cadeia de valor dos alimentos que mais impacta recursos: 20% de terrenos, 32% da energia que produzimos e 70% da água potável, recursos humanos, transformados (embalagens, publicidade, transportes, venda, entre outros). Todavia e apesar de sabermos, em teoria tudo isto, mantemos níveis de DA muito altos, logo, temos que concluir e admitir que não estamos a ser eficazes nas mensagens. É crucial investir na educação e consciencialização adequada aos públicos para que se quer falar. Nomeadamente às crianças e jovens, pois são estes o futuro e urge mudarem comportamentos e atitudes insustentáveis.

Enquanto Presidente da DARiACORDAR/ ZERO DESPERDÍCIO, a Paula Policarpo é voz da união dos esforços pela promoção de atitudes, comportamentos, atividades, ações e iniciativas estratégicas que garantam o desenvolvimento de boas práticas ambientais. Em que momento percebeu que a sua missão de vida era ajudar a criar um mundo melhor para as futuras gerações?
Eu diria que sou uma voz entre várias. A minha missão é ser melhor pessoa, profissional, cidadã, mãe e agir de forma sustentável, o que reconheço ser difícil e ter ainda muitos obstáculos no nosso dia a dia. Penso que se todos fizermos a nossa parte e tentarmos ser um pouco a mudança que queremos ver no mundo (como Gandhi) conseguirmos alcançar os ODS e, consequentemente garantir aos nossos filhos, netos e descendentes um planeta mais equilibrado, justo e regenerado e não os condenar a um futuro incerto, hostil e muito ameaçado.

Assim, como caracteriza o seu percurso até aos dias de hoje? Quão gratificante é, para si, olhar para trás e percecionar tudo aquilo que construiu – e que construiu a pensar no meio ambiente e nas pessoas que nele habitam?
O meu percurso é algo de que nem me dou conta, vai acontecendo por vários acasos e coincidências. O caminho faz-se caminhando dizem e no meu caso aplica-se muito bem. Não gosto de estar parada e acredito em causas ainda. Valorizo mais o todo que a parte e mais o bem comum do que o individual. Custa-me pensar e aceitar que em 2021 quase metade da polução mundial viva em escassez alimentar, cerca de um terço sem acesso a eletricidade, e a escassez de água aumente assustadoramente. A sustentabilidade implica não deixarmos ninguém para trás.

Que mensagem lhe apraz deixar à comunidade sobre a importância de lutar até ao fim pelos princípios da economia circular?
Vou usar um apelo de António Guterres: “Se unirmos forças agora, podemos evitar a catástrofe climática. Mas, como o relatório de hoje indica claramente, não há tempo e não há lugar para desculpas” a propósito do relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas que estima que o limiar do aquecimento global (de mais 1,5 graus centígrados) em comparação com o da era pré-industrial vai ser atingido em 2030, dez anos antes do que tinha sido projetado anteriormente, “ameaçando a humanidade com novos desastres sem precedentes”. Estamos, pois, a falar da sobrevivência da nossa espécie e da vida na terra.