Projeto A2: Uma homenagem à Tradição e Cultura Portuguesa

«Fazedores inquietos» é a expressão que melhor define Cristina Vilarinho e Alberto Azevedo. Com um percurso já quase delineado, a vida mostrou-lhes o que caminho que, para ambos, só fazia sentido ao passar pela arte da cerâmica. Assim nasceu o Projeto A2 – um atelier em Guimarães que mantém vivas as tradições e a cultura portuguesa, a natureza e as histórias de amor que se perpetuam no tempo. Conheça as coleções destes mentores e ainda as ambições que preenchem o seu coração artístico.

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Para começar, quando se iniciou a v/ história com a cerâmica? O que mais vos encantou neste encontro?
Existimos como atelier Projeto A2 desde 2005, em Lordelo, freguesia limítrofe de Guimarães. Tanto eu como o Alberto somos de origem portuense e não temos artesão algum na família, embora, ambos tivéssemos tios que com certeza nos influenciaram, pois criavam peças em madeira, têxteis e bordados maravilhosos. As nossas profissões anteriores e áreas de ensino também não eram ligadas às artes (eu sou de ciências e andei a deambular, o Alberto ligado às vendas) mas ambos gostávamos de trabalhar com as mãos e os dois tínhamos uma apetência pela educação visual. Lembro-me do fascínio que era para mim visitar uma feira de artesanato nos anos 80. Uma vontade de me encontrar permanecia. Desisti do meu curso de Ciências da Nutrição, despedi-me de escriturária do Hospital Santo António e lá fui eu para o Cearte, fazer um curso de azulejaria intensivo. O Alberto fez o mesmo uns anos mais tarde, na área de modelação e olaria, fazendo durante um ano e meio Porto-Coimbra. (Entretanto licenciei-me em design gráfico na ESAD, Matosinhos). Depois de várias experiências em ateliers de outros, decidimos montar o nosso projeto, juntar as nossas valências que se completavam e assim criámos o estúdio Projeto A2. Começámos pela pintura de painéis de azulejo, mas hoje é a conjugalidade feliz entre um modelador e uma pintora, que origina peças singulares, feitas essencialmente em porcelana e desenhadas a lápis cerâmico.

A Cristina Vilarinho e o Alberto Azevedo afirmam ser – além de artistas, artífices e designers – “fazedores inquietos”. Características essas transportadas para o Projeto A2, do qual são mentores. Como nos podem descrever os fatores que mais destacam este atelier no seu meio?
A nossa versatilidade, persistência e abertura talvez nos caracterize enquanto pessoas e profissionais. Gostamos de aprender, fazer e ensinar. O nosso saber-fazer vem do Cearte, e de uma panóplia de formações ao longo da vida, que nos permitem criar ligações e abrangência. Somos ambos formadores profissionais há mais de duas décadas, mas é a experiência, e todas as vivências acumuladas, a chave mestra para a sabedoria. Aliás, foram as aprendizagens que tivemos em projetos de design, tendências, marketing que condicionaram a necessidade de procurar um caminho mais dignificante para a palavra “artesanato”, pejorativamente considerada. Tivemos desde sempre consciência da enorme riqueza deste país, do saber-fazer tão maltratado, de que aprender-fazendo é tão válido como outra aprendizagem qualquer. O que nos motiva neste momento é criar, religar, ser exemplo de qualidade e inovação, dar sentido ao que fazemos, para que se comece a ver, a agir para o artesanato como cultura que é. (Basta atentar a que o artesanato está contemplado no ministério da economia e não no da cultura!). O Projeto A2 foi precursor e contribuiu para a memória-viva de tradições e da cultura portuguesa, como é o caso da coleção “Asas sobre o mundo” sob a forma de pratos em azul cobalto, entre muitos outros.

O desígnio do Projeto A2 é propor objetos com alma, mantendo vivas as palavras, o património material ou imaterial, ou as histórias da cultura portuguesa – que tantos detalhes possui. De que forma, assim, se desenvolve o processo criativo das peças de cerâmica deste atelier?
Mostrámos desde 2005 que é possível incorporar as tradições nas criações e devolvê-las sob a forma de objetos contemporâneos com mensagem. É o caso das peças icónicas deste atelier a dois, “Bordar A Vida”, em porcelana, um hino à mulher, aos bordados e à liberdade. Faz todo o sentido partir do local para o global, conhecer o que está próximo de nós, pesquisar, estudar, experimentar, desenvolver e mostrar. Talvez seja por fazer sentido para as pessoas que esta figura tem tanto sucesso.

Também a natureza é a «fiel companheira» do Projeto A2, sendo por isso, extremamente versátil. Que tipo de coleção podemos encontrar neste momento no atelier?
Salientámos Aequilibrium, um bule delicado de porcelana baseado no melro de água que habita águas não poluídas do Zêzere. Este objeto ligado às Aldeias do Xisto pertence à coleção Água Musa. Um belo projeto de que nos orgulhamos de ter participado, envolvendo uma grande equipa. Tendo como fito a promoção e revitalização de uma região, refletiu a preocupação ecológica, o frágil equilíbrio habitat-seres-homem. Destaco também – Isto não é um fóssil, ainda – os azulejos de porcelana hexagonais, que incorporam espécies em perigo de Portugal.

Uma das formas de o Projeto A2 demonstrar aquilo que possui e de partilhar conhecimento, é através de oficinas e exposições, sendo que, a mais recente encontra-se em Guimarães e tem como nome “Fazeres de Amor”. Uma vez que esta exposição é o reflexo da vontade da Cristina Vilarinho e do Alberto Azevedo preservarem as artes e ofícios tradicionais vimaranenses, o que podemos esperar da mesma?
A cantarinha dos namorados de Guimarães encerra em si histórias de amor que queremos perpetuar no tempo. Ela é símbolo de tradições e amor à cidade, mas principalmente contentor de promessas de compromisso e cumplicidades a dois. Quisemos trazer a sua riqueza intrínseca, simbólica e ou material para o exterior. Valorizá-la ao criar ligações entre velhos saberes e novos fazeres, celebrar o património cultural, o saber-fazer, a vida! Construímo-la em porcelana, um material nobre que lhe confere candura e contemporaneidade; apuramos a sua forma curvilínea e feminina numa estética mais depurada e cuidada; revestimo-la a flores estilizadas que incorporam frescura e, alegria; pontilhamo-la a ouro [Au], esse elemento tão manifestamente presente na cultura do Minho e que traduz o tesouro cultural que este objeto é. Afinal, existe tesouro mais precioso do que encontrar o amor?

Muitos afirmam que a cerâmica artística e escultural está a ter um grande sucesso noutros países, nomeadamente nos EUA. Consideram que, em Portugal, ainda se trata de uma arte desvalorizada? Quais os motivos?
Se por um lado persistem dicotomias artes maiores/artes menores, por outro esbatem-se fronteiras e a transdisciplinaridade acontece. Existir uma formação incisiva em educação visual e saber-fazer nas escolas permitiria mais tarde distinguir o trigo do joio; a vulgarização das feiras de artesanato e falta de qualidade contribuiu também para a banalização do artesanato.

Certo é, quando as pessoas percebem a arte da cerâmica ficam fascinadas. Assim, gostariam de deixar um convite aos leitores para conhecerem e visitarem a arte desenvolvida pelo Projeto A2?
Em Guimarães, trocam-se sardões e passarinhas, um ritual religioso-pagão que acontece à porta das igrejas, em dezembro. As vendedeiras de doces de massa de centeio cobertos a calda de açúcar incentivam quem passa, com pregões, apelando à troca destes seres com conotações sexuais e promessas de futuros relacionamentos ou incrementam o manter a “chama acesa” aos casados. Pretendemos dar continuidade a esta festa do amor, tão pertinente nos nossos dias em que a conexão entre pessoas parece esmorecer e os relacionamentos amorosos se fazem virtuais e asséticos. Por isso lançamos um desafio à vossa imaginação, tornando-vos cúmplices e participantes neste projeto em construção. Mas têm de ir! https://www.aoficina.pt/detail-eventos/20211208-fazeres-de-amor/.

A terminar, e tendo em conta a experiência adquirida de ambos, qual o conselho que dariam a quem está a começar nesta atividade?
Fala-se muito de sustentabilidade, empreendedorismo, economia circular, palavras bonitas que têm sentido e são aplicáveis a nós, mas é necessário persistir para que elas tenham tradução prática. Conquistamos alguma liberdade, criatividade e gestão do nosso tempo, mas a falta de segurança é uma ameaça, a começar pela falta de proteção social. Mas não quero ser desmotivadora, essencialmente: conhecer-se bem, acreditar em si próprio, ser bom naquilo que se faz, ter pensamento crítico, capacidade de comunicar, gerir bem o tempo, experimentar e fazer perguntas. Mas são já muitos conselhos!