Zacarias da Costa, Secretário Executivo da CPLP
O difícil contexto que vivemos deixa um alerta que não pode mais ser ignorado, ao colocar em evidência a profunda e complexa interdependência que liga todas as nações do globo. Hoje, mais do que nunca, cabe-nos reconhecer o multilateralismo como uma ferramenta indispensável para enfrentar os desafios que nos afetam coletivamente e que desconhecem o conceito de ‘fronteira’. Nesse sentido, o apelo do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, sublinhando a importância do multilateralismo, é claro e irrefutável: a proteção dos nossos bens comuns – como é o caso da saúde pública, do ambiente e dos oceanos – dependerá, necessariamente, de uma cooperação mundial coordenada e unida, capaz de enfrentar eficazmente os desafios globais. E a CPLP, enquanto organização presente em quatro continentes, representativa de mais de 260 milhões de falantes de português, tem a sua palavra a dizer.
Este longo período de crise que atravessamos obriga-nos a refletir sobre o papel da CPLP como veículo de reforço das políticas externas dos países de língua portuguesa. A CPLP, que o ano passado celebrou 25 anos, é uma organização ainda jovem, quando comparada com outras organizações de base linguística, como a Commonwealth, fundada em 1949, ou a Organisation Internationale de la Francophonie, fundada em 1970. No entanto, e após um quarto de século de vida, a Organização foi consolidando a sua ação, integrando novos sectores de atuação e dando prova da sua relevância no cenário global. Os primeiros 25 anos da vida da CPLP são, aliás, demonstrativos desta capacidade de evolução. A Organização conta atualmente com nove Estados Membros, integra trinta e dois Observadores Associados, e atua em dezoito áreas de cooperação, nomeadamente, a saúde; a segurança alimentar e nutricional; o combate ao trabalho infantil; o turismo; a justiça; a educação; a energia; a tecnologia; a cultura; e o clima.
Devo referir, em particular, as conquistas alcançadas pela Conferência de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Luanda, a 17 julho de 2021, que constituiu um momento verdadeiramente histórico para a CPLP.
Em primeiro lugar, foi na Cimeira de Luanda que, na qualidade de país exercendo a Presidência da CPLP, Angola apresentou as linhas gerais do seu programa de prioridades focado na recuperação pós-pandemia e na cooperação económica e empresarial. Nesse sentido, os Chefes de Estado e de Governo reiteraram em Luanda a necessidade de integrar a cooperação económica nos objetivos da CPLP, considerando o contexto atual e o impacto da pandemia no crescimento dos nossos países. A cooperação económica estará assim no centro da agenda da CPLP nos próximos anos, cabendo aos Estados Membros adotar medidas articuladas com o objetivo de melhorar o ambiente de negócios e estimular os fluxos comerciais e o investimento no espaço da CPLP.
Em segundo lugar, foi na Cimeira de Luanda que os Estados Membros aprovaram o Acordo sobre a Mobilidade na CPLP, o que representa uma conquista notável para a CPLP, ao possibilitar uma maior aproximação entre os cidadãos de língua portuguesa. Cabe-me sublinhar o modo como a Presidência de Cabo Verde liderou de uma forma verdadeiramente exemplar o complexo processo de negociação do Acordo, que culminou na adoção de um modelo flexível e variável, prevendo diferentes opções de mobilidade – como estadias de curta e média duração, vistos e autorizações de residência – e que contempla mecanismos de circulação facilitada para diferentes categorias de pessoas, tais como estudantes, docentes e empresários. A nossa expetativa é de que, uma vez em vigor, o Acordo proporcionará efeitos positivos na circulação dos bens e serviços culturais; no intercâmbio académico; no turismo e na cooperação económica, tendo um impacto decisivo no sentimento de pertença dos falantes de língua portuguesa.
Por último, foi na Cimeira de Luanda que a CPLP acolheu treze Observadores Associados, perfazendo um total de trinta e dois países e organizações com este Estatuto. As motivações destes países e organizações são diversas: por vezes, a CPLP é vista como uma plataforma de concertação política e diplomática propícia ao reforço das relações entre o Associado e os Estados-Membros. Para outros, a CPLP é tida como uma plataforma de negócios, sobretudo com países africanos, assim como uma plataforma linguística que fomenta a cooperação cultural e o contacto entre diásporas. Este número crescente de Estados e Organizações Internacionais que pretendem desenvolver uma parceria privilegiada com a CPLP atesta o vasto potencial de cooperação que a Organização encerra no plano internacional.
A CPLP carateriza-se, por um lado, pelas conquistas alcançadas, mas também pelas metas por atingir. Durante estes 25 anos, a CPLP testemunhou mudanças de grande magnitude, tanto no plano interno dos Estados Membros, como no panorama internacional. E a Organização tem procurado corresponder a esta dinâmica de mudança, melhorando e criando novos instrumentos de cooperação. Se a relevância internacional da nossa Organização é hoje uma evidência, é também inegável que a CPLP tem muito trabalho pela frente. Toda a ação da Organização deve fundamentar-se no objetivo de tornar a CPLP num instrumento cada vez mais eficiente, com um impacto cada vez maior no desenvolvimento dos Estados Membros e no bem-estar dos seus cidadãos. O desafio da recuperação pós-pandemia veio aliás enfatizar a importância de renovarmos o nosso engajamento de cooperação multilateral movida por uma agenda concreta. O acesso universal e equitativo a vacinas contra a COVID-19, assim como a necessidade premente de fazermos face à emergência climática que ameaça as nossas vidas, são exemplos de questões prioritárias que, considerando o quadro mundial, devem estar no centro da ação da CPLP. O certo é que a CPLP deve ser dinâmica e estar à altura dos desafios atuais, procurando dar respostas concretas às expetativas dos cidadãos que representa. E, numa altura em que o mundo vive um momento particularmente difícil, cabe-nos explorar e fazer uso de todas as potencialidades que a CPLP oferece.