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A importância da Transformação Digital na Saúde

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A importância da Transformação Digital na Saúde

O mundo enfrenta cada vez mais desafios extraordinários fruto da transformação digital que tem vindo a alterar os comportamentos e as formas de trabalhar da sociedade. Neste sentido, considera que o setor da saúde será um dos mais impactados por esta revolução tecnológica? De que forma?
Temos observado nos últimos anos, e a pandemia também ajudou a alavancar, como positiva a transformação digital no setor da saúde, com desmaterialização dos processos clínicos, recurso à telesaúde e wearables nos cuidados domiciliários, mas ainda existe muito trabalho pela frente. É possível destacar alguns exemplos inovadores, que têm servido de modelo a outros países, como a receita eletrónica sem papel. Os registos eletrónicos de saúde, nas últimas décadas, aumentaram a quantidade de informação inserida diariamente.  Com a transformação digital também sobressaem alguns riscos, tais como, a utilização de equipamentos não suportados pelos fabricantes, ausência de um inventário atualizado dos ativos essenciais para a prestação dos respetivos serviços, contratos de suporte com níveis de serviço deficitários e equipas técnicas subdimensionadas e necessidade de reforço da segurança informática. Toda a transformação digital tem também como objetivo promover “valor em saúde”, ou seja, não só melhores acessos aos dados clínicos, mas também proporcionar melhores tratamentos médicos, que se traduzem em qualidade de vida e autonomia do doente. Os vários anos de registos que têm sido realizados, com recurso à Inteligência Artificial, têm permitido criar novas soluções para a área clínica, que possibilitam disponibilizar ferramentas de auxílio à tomada de decisão, com tempos mais curtos para o diagnóstico e, perante todo o histórico de registos clínicos e de casos clínicos, apresentar tratamentos que foram eficientes.

Sabemos que ao falar de saúde, existe uma necessidade efetiva do “saber fazer”, com a maior eficácia possível, o que numa era de mudança acaba por acarretar algumas lacunas. Enquanto Diretor das TI no Instituto Português de Oncologia do Porto, quais são, para si, os maiores desafios deste processo?
A experiência acumulada, aos longos dos últimos anos no IPO Porto, com a implementação de projetos estruturantes, tais como, agendamento centralizado, áreas laboratorial, logística e farmácia, radioterapia, RIS/PACS, processo clínico eletrónico, acompanhados das atualizações ao nível das infraestruturas tecnológicas, tem sido desafiante e enriquecedora. Efetivamente, o “saber fazer”, principalmente numa área como a saúde, faz toda a diferença. Neste setor a tecnologia tem de funcionar 24×7, tendo sempre presente que o ecossistema é complexo e mesmo com redundância, o plano de contingência tem de estar atualizado e sempre disponível. Para conseguir dar resposta aos desafios em áreas, como por exemplo, segurança, bases de dados, interoperabilidade, infraestrutura de rede e sistemas, são imprescindíveis especialistas. O subdimensionamento das equipas é também um problema, uma vez que as equipas de informática acabam por não conseguir realizar o respetivo acompanhamento. O SNS tem excelentes profissionais, mas um dos desafios não técnicos, enquanto Diretor de Serviço, é gerir as expectativas de cada colaborador e manter as equipas motivadas. A atração e retenção de talento é sem dúvida um problema no setor público.

No reverso da moeda, muitos são os benefícios que a adoção de novas ferramentas digitais são capazes de proporcionar na área da saúde. Para além da rapidez em diagnósticos – por exemplo -, que outras vantagens considera que esta transformação promove?
O recurso à Inteligência Artificial (IA) com todo o caminho que já percorreu noutras áreas de negócio, é sem dúvida uma vantagem na saúde. O destaque organizacional a uma estrutura inovadora dedicada à área da IA, poderá ser um caminho a apontar. Para isso é,  importante a definição de um plano de formação das estruturas da Instituição, nomeadamente a comissão de ética, a comissão de informatização, bem como a criação de um grupo de reflexão para esta área, garantindo a capacitação ao nível das estruturas. Permita-me dar o exemplo do projeto GENTIL – text mining, que o IPO Porto implementou recentemente e que teve como objetivo facilitar o acesso e a consulta de informação clínica de forma a apoiar os profissionais de saúde no seu quotidiano. Este projeto permite partir dos registos efetuados em “texto livre” e extrair a informação de forma estruturada, contendo informação sobre o estado de saúde do doente, antecedentes patológicos, dados biométricos, exames e diagnósticos, entre outros, disponibilizando-a depois num dashboard para fácil consulta pelos profissionais. Outro projeto inovador é o GENTIL – Voice to text que consiste no reconhecimento do ditado, em contexto de oncologia, com o objetivo de diminuir o tempo que os profissionais necessitam para registar, via teclado, informação no diário clínico ou relatórios, disponibilizando assim mais tempo ao profissional para comunicar com o doente. Com projetos como estes, que recorrem a ferramentas de inteligência artificial acreditamos ser possível melhorar o atendimento ao doente.

Para um país como Portugal, que condições é obrigatório possuir para que esta adesão à transformação digital na saúde se torne exemplar?
Antes de falar na obrigação à adesão à transformação é necessário falar em literacia em saúde, e que, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 1998), corresponde a um conjunto de competências cognitivas e sociais e à capacidade dos indivíduos para ganharem acesso a compreenderem e a usarem informação de formas que promovam e mantenham boa saúde. E aqui ainda há muito a fazer, por exemplo, podemos fazer um pequeno exercício em pesquisa na Internet um termo “diabetes” e verificar o número de ocorrências que surgem. São milhares! Como consegue o utente saber qual a fonte mais fidedigna? Sem a capacitação e inclusão digital dos utentes e definição de regras podemos ter transformação digital, mas com pouca adesão. Posso partilhar mais um exemplo de transformação digital no IPO Porto, que foi a implementação do Bem-me-ker. Um doente quando se dirige a um hospital para realizar um ato médico não deseja aguardar numa fila para dizer “cheguei”. O Bem-me-ker veio dar autonomia ao doente através do quiosque no qual consegue  dar a presença para um ato médico, consultar agendamentos futuros, obter declaração de presenças, ou através da App Bem-Me-ker, que para além das referidas funcionalidades também permite solicitar e consultar relatórios e declarações, informação sobre taxas moderadoras, preparação para exames entre outros, sem ter que se deslocar ao hospital. Arriscaria a dizer que o Bem-me-ker é utilizado pela quase totalidade dos nossos doentes em seguimento no IPO Porto. No entanto, estudos recentes concluíram que mais de metade dos portugueses utilizam serviços digitais de saúde, como por exemplo as receitas eletrónicas, mas são poucos os que utilizam aplicações móveis. Da nossa experiência concluímos que mostrando valor, ou seja, disponibilizando ferramentas úteis, os utentes estão disponíveis para as utilizar e, inclusive, propor melhorias. Aqui a aposta em projetos de co-criação, envolvendo doentes e comunidade parece-me um factor essencial.

Certo é que a pandemia da Covid-19 abriu portas a toda esta transição digital no que diz respeito ao futuro da saúde tendo por base, cada vez mais, as tecnologias. Neste sentido, que oportunidades surgiram? 
A pandemia abriu, por exemplo, a porta às reuniões online, ou ainda a uma maior adoção de soluções de telessaúde. Mas, trouxe também preocupações acrescidas, principalmente aos Serviços de Gestão de Tecnologias de Informação e Comunicação, ao nível da infraestrutura, pois tiveram de dar uma resposta célere na implementação de ferramentas para colocar centenas de colaboradores em teletrabalho, com a equipa a preparar equipamentos e a auxiliar os colaboradores que estavam fora da organização, e também ao nível da segurança pois o risco de exposição aumentou significativamente. Tivemos de acelerar medidas de segurança que já estavam previstas, concretizar ações que estavam planeadas e antecipar iniciativas de segurança, que estavam no nosso roadmap, não apenas tecnológicas, mas também de capacitação dos profissionais.

Muito se fala acerca da maturidade digital no seio das instituições de saúde. Enquanto Diretor das TI, qual a verdadeira importância deste conceito?
Será necessário começar por dizer que a transformação tecnológica ou digital vai para além do uso de tecnologias inovadoras, assentando em melhoria contínua, automação de processos, modelos de gestão, inovação e capacitação das equipas vão operar as tecnologias. Podemos abordar a maturidade de um hospital como sendo a combinação de quatro elementos muito importantes: O conhecimento, com pessoas, processos e tecnologias; A inteligência, com o uso de tecnologias recentes e inovadoras; A sabedoria, alterando sempre que necessário para se adaptar; Ser interoperável, tanto técnica como semântica, bem como organizacional. No que diz respeito à monitorização do progresso digital nas unidades de saúde o critério mais utilizado é Electronical Medical Record Adoption Model (EMRAM), da Himss Analytics, que permite ao hospital identificar o seu posicionamento face a uma escala de zero a sete, que adoção e uso de funções de registo médico eletrónico necessárias para alcançar um ambiente sem papel e que aproveite a tecnologia para oferecer suporte ao cuidado otimizado dos doentes, mas o foco é quase exclusivo na vertente tecnológica, e pouco nos recursos humanos e nos aspetos organizacionais. Contudo, a gestão de um serviço tem diariamente de contemplar ambas as vertentes e, no caso do IPO Porto, a estratégia tem acompanhado estas tendências anteriormente elencadas.

Para o Renato Magalhães, qual é a melhor forma de promover a transformação digital na saúde? Como perspetiva o futuro de Portugal no que diz respeito a esta evolução?
A saúde é sem dúvida, o nosso bem mais precioso. Aliás, a pandemia mostrou-nos que sem saúde não há economia. E esse deve ser o disclaimer central para acelerar a transformação digital na saúde. A falta de uniformização de processos e políticas acabam por se traduzir em ineficiências. O SNS tem excelentes profissionais na área dos sistemas de informação e comunicação. Acontece, porém, que a maioria dos hospitais têm as equipas subdimensionadas. É certo que a contratação em regime de outsourcing é sempre possível, mas a impossibilidade de ter equipas de continuidade acaba por ter impacto negativo, pois sempre que muda o prestador é necessário tempo para ficarem enquadrados na realidade da Instituição. Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) podem ser uma peça importante na uniformização. Para além dos processos e políticas, é possível enunciar alguns dos serviços que poderiam disponibilizar, tais como capacitação dos profissionais, disponibilização de uma cloud para a saúde, interoperabilidade e modelo XaaS (as a service). O desafio que humildemente posso aqui deixar, é o de partilharmos mais os nossos sucessos e as nossas dificuldades, contribuindo para a construção de um verdadeiro catálogo de ferramentas de saúde digital em Portugal. Só assim alcançaremos mais e melhor saúde para todos.

Muito se tem falado acerca da Telemedicina, os novos serviços de assistência remota. Acredita que a adoção desta medida é uma estratégia eficaz e que vem facilitar o trabalho dos profissionais de saúde? Em que medida?
Mais do que falar de telemedicina, parece-me importante falar de forma mais abrangente em Telessaúde, que engloba por exemplo, as teleconsultas, a teletriagem, a telemonitorização, o telediagnóstico ou o telerrastreio, ou ainda realizar uma cirurgia com recurso a um robô noutro lado do mundo. Podemos identificar na telesaúde várias vantagens tanto para os doentes como para os profissionais, entre as quais é possível destacar para ambos, a otimização do tempo, menores custos, como por exemplo nas deslocações, ou ainda permite maior disponibilidade de horário e maior rapidez na disponibilização dos resultados.