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“Os Jovens são já o Presente e o Futuro da profissão”

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“Os Jovens são já o Presente e o Futuro da profissão”

A Ana Paula Martins é Bastonária da Ordem dos Farmacêuticos (OF) – associação pública profissional que representa os farmacêuticos portugueses e que regula a profissão farmacêutica em Portugal. Há seis anos a “dar a cara” por estes profissionais, qual é o sentimento que fica? Qual pode dizer que é o seu verdadeiro papel?
O meu principal papel foi de representação e defesa de uma profissão secular, com todo o peso e responsabilidade que essas funções acarretam. A OF tem como principal missão a cooperação com o Estado na definição e execução de políticas de saúde. Sinto que durante estes seis anos tivemos uma intervenção competente, com argumentos claros, concretos, com estudos e evidência, dando ao poder político a informação necessária para a tomada de decisão. Assumi o compromisso de estar ao lado dos farmacêuticos e fazer ouvir a sua voz junto dos decisores, das autoridades, dos parceiros sociais e de todos os cidadãos. Outros podem fazer a avaliação do meu trabalho, mas concluo estes dois mandatos com um sentimento de missão cumprida, reconhecendo, no entanto, que a defesa dos farmacêuticos é sempre uma missão inacabada, com desafios que se renovam permanentemente. Termino com o sentimento de que atuámos com a seriedade e o humanismo que as questões da Saúde merecem.

Defender a dignidade da profissão farmacêutica e fomentar os interesses da mesma, são duas das visões da Ordem dos Farmacêuticos. Assim, que caminho tem vindo a ser traçado neste sentido? Como se encontra o atual panorama da OF?
A OF é uma instituição de referência no setor da Saúde. Um importante parceiro na implementação e execução das políticas de saúde. Essencialmente, porque representa e integra nos seus corpos sociais um vasto grupo de profissionais de saúde altamente qualificados (com um Mestrado Integrado na área das Ciências da Saúde), com elevada proximidade e contacto com as populações, e que apresenta, por isso, uma importante visão sobre as necessidades em saúde da nossa sociedade e das suas comunidades locais, em concreto. Muitos dos problemas do dia a dia das pessoas passam pelo balcão das farmácias, onde se desabafam preocupações e sentimentos, numa clara demonstração da confiança e reconhecimento face seu ao trabalho. Além disso, somos a única profissão da área da Saúde com valências na área da produção, seja de medicamentos, dispositivos médicos ou outros produtos de saúde, o que nos confere uma ampla visão sobre todo o circuito e ciclo de vida das tecnologias da saúde, desde o seu desenvolvimento e investigação, passando pela produção e distribuição, até à dispensa e monitorização da utilização.

Certo é que a Ordem exerce a sua ação nos domínios social, científico, cultural, deontológico, profissional e económico da atividade farmacêutica. Neste sentido, quais são os maiores desafios que tem vindo a encontrar numa tentativa de equilíbrio de todos os parâmetros?
Durante estes dois mandatos tivemos como preocupação a aproximação da Ordem aos farmacêuticos. O projeto Roteiros Farmacêuticos levou-nos a todos os cantos do país e regiões autónomas – a lugares onde nunca a OF tinha aparecido, diziam-nos muitos colegas –, dando-nos a conhecer o trabalho de enorme valor que é feito junto das populações, especialmente em meios rurais, e o seu reconhecimento a nível local, pela proximidade, disponibilidade e profissionalismo com que se dedicam aos problemas das pessoas. A pandemia de COVID-19 mudou os hábitos de toda a sociedade e das organizações. Na OF, houve uma natural inversão de prioridades, com o desenvolvimento de várias iniciativas e projetos de apoio à ação dos nossos colegas que estão na linha da frente do combate à pandemia. Não obstante, conseguimos concluir objetivos internos, estruturais, que constituem importantes alicerces para a profissão. Refiro-me ao início das obras de renovação do edifício-sede da OF, em Lisboa, um projeto que se arrastava há décadas e que virá finalmente proporcionar um espaço moderno, digno e sustentável para acolher a casa dos farmacêuticos. Mas refiro-me fundamentalmente à aprovação do novo Código Deontológico da Ordem dos Farmacêuticos. Acho que deveria ser um “livro de bolso” de todos os farmacêuticos, que deveria viver nas aulas de Ciências Farmacêuticas, porque os eixos éticos das profissões são determinantes para os desafios que temos no século XXI, relacionados, por exemplo, com a inovação tecnológica e com a medicina de precisão. Por outro lado, assumimos como desígnio a concretização da Carreira Farmacêutica no Serviço Nacional de Saúde e a sua regulamentação até final da “nossa legislatura”. Um trabalho que nos consumiu bastante, mas que teve resultados práticos com a instituição de uma carreira independente, autónoma e diferenciada, que reconhece o valor dos farmacêuticos nas unidades de saúde públicas. Também os farmacêuticos comunitários deviam estar hoje estar mais integrados no SNS. Não é, aliás, concebível que a nova Lei de Bases da Saúde não olhe para o ecossistema da saúde onde estão as farmácias comunitárias, que prestam um “serviço público” em exclusividade, como é a dispensa de medicamentos ao público. Ao não valorizar o papel das farmácias comunitárias, a profissão vai tornar-se pouco atrativa para os jovens, tal como a carreira médica no SNS começa a deixar de ser atrativa. O capital humano é o pilar do nosso sistema de saúde.

A Ana Paula Martins conta já com uma trajetória profissional vasta e pautada por vários cargos de liderança que ao longo do percurso foi assumindo. Interessa-nos saber mais sobre si. Quem é enquanto mulher e profissional?
Chamo-me Ana Paula Martins. Tenho 56 anos, sou casada e tenho dois filhos. Nasci na Guiné-Bissau, onde o meu pai tinha uma farmácia, mas voltei a Portugal com sete anos. Terminei o curso de Farmácia em 1989, na FFUL, onde conclui também o Doutoramento em Farmácia Clínica. Ingressei na OF, pela primeira vez, como secretária-geral, a convite do então bastonário Carlos Silveira, muito longe ainda de pensar um dia vir a ocupar também o seu cargo. Passei pela Indústria Farmacêutica, fui diretora do Centro de Estudos de Farmacoepidemiologia da Associação Nacional das Farmácias e fui, durante cerca dois anos presidente do Instituto de Saúde Baseada na Evidência, além de coordenadora da Unidade de Farmacovigilância de Setúbal e Santarém. Sou uma mulher realizada pessoal e profissionalmente, mas consciente que ainda tenho muito para dar em prol do meu país, da minha profissão, dos nossos cidadãos. Em todo este percurso, procuro integrar uma dimensão humanista aos desafios que vou enfrentando, centrando prioridades nos problemas e valor das pessoas. Hoje, mais do que nunca, sei que são as pessoas que fazem a diferença nas organizações e nunca os estilos de liderança tiveram tanto impacto na retenção das pessoas.

Do seu currículo fazem parte cargos como professora de Farmacoepidemiologia na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e Secretária-Geral da Ordem dos Farmacêuticos. O que guarda de todas as suas diferentes experiências?
Fazem parte do meu percurso profissional e académico e dizem também muito de quem sou e em quem me tornei. Desde os tempos de faculdade, estive sempre ligada ao Associativismo, depois ao Ensino, à Indústria Farmacêutica. Estive também um tempo nas Análises Clínicas e confesso ter muita pena por nunca ter experimentado a Farmácia Hospitalar. Sei o esforço que despendi em cada uma destas fases da minha vida e todas elas retiro importantes ensinamentos. Estou há 30 anos na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, onde sou professora auxiliar com agregação, mas, mais do que ensinar, gosto de aprender com os alunos. Por isso, digo hoje que o Ensino me acompanhará ao longo de toda a vida. Nesta ou noutra Faculdade. Passamos pelas instituições e devemos dar o nosso melhor. Mas devemos sempre procurar novas travessias, novos horizontes na nossa vida.

A 5 de fevereiro será eleito o novo bastonário que irá suceder o cargo da Ana Paula Martins. Qual é o sentimento que fica após todos estes anos? Que mensagem lhe apraz deixar?
Espero deixar ao meu sucessor uma profissão mais reconhecida e valorizada, com cada vez mais intervenção no sistema de saúde e uma colaboração mais intensa com o SNS. A profissão farmacêutica tem um desafio recorrente, há séculos, que é manter a proximidade das pessoas. Devemos entender o que as pessoas esperam de nós e adaptar os nossos serviços às suas necessidades. Temos o desafio ser uma profissão científica no século XXI com todas as exigências que isso acarreta.

Que conselhos gostaria de deixar aos jovens farmacêuticos que estão a iniciar a sua atividade profissional?
Os jovens são já o presente e o futuro da profissão. São o futuro do país. Tudo o que hoje fazemos deve perspetivar a sua integração na sociedade em plena contribuição para o seu desenvolvimento. E não podemos apontar outro caminho que não passe pela qualificação, pelo estudo e especialização nas áreas que os motivem. E desejar que encontrem uma vida equilibrada entre o que é profissional e pessoal ou familiar. Que sejam felizes. Os farmacêuticos souberam sempre acompanhar a evolução da sociedade e estou certa de que continuarão a prestar um trabalho de inestimável valor na assistência às populações. O desafio das próximas décadas será conciliar as novas tecnologias com a humanização dos cuidados. E também aqui, que redescubram todos os dias a sua vocação.