O Pedro Inácio é Pró-Reitor para a Universidade Digital, e docente no departamento de Informática na Universidade da Beira Interior. Assim, – e sendo assumidamente adepto do digital – que importância tem nos dias de hoje, que se aposte fortemente em formações direcionadas ao Digital?
Admito ser um forte adepto do Digital. A aposta na formação, seja no Digital ou em outras áreas, é mais importante que nunca e faz parte do caminho para uma sociedade mais desenvolvida e para uma vida com maior qualidade. O foco atual no Digital deve-se a vários fatores. Um dos fatores está relacionado com o facto das tecnologias da informação e comunicação terem, por exemplo, permitido lidar com uma pandemia de uma forma que não tem precedentes na história. De um dia para o outro, foi possível passar a realizar trabalho à distância, sem qualquer preparação e em muitos casos com uma eficiência (em termos de infraestrutura de informação e comunicação) que surpreendeu. Por outro lado, a crença de que a transformação digital permite agilizar os processos e contribuir para um mundo mais sustentável, cumulativamente tida como inevitável, reforça a necessidade de se aprender a lidar com o Digital.
Se há muito se antevia o crescimento do uso do digital na educação, sem dúvida que as circunstâncias pandémicas provocaram uma extraordinária aceleração nesta transição digital. Neste sentido, quais foram os maiores desafios?
Há muitos aspetos da interação presencial que não são replicáveis no mundo digital. No contexto da educação, são exemplos primordiais disso as aulas, quer teóricas quer práticas, e os momentos de avaliação. À dificuldade em cativar o interesse de ouvintes no contexto da aula, enquanto o professor compete com uma janela do Youtube, uma série da Netflix ou uma conversa no Facebook, junta-se a dificuldade em preparar ou adaptar conteúdos que apenas são para ser manuseados em dispositivos de interface para o mundo digital. Acresce mencionar a motivação, ou a falta dela, quer por parte dos estudantes quer por parte dos docentes, que o remoto (ou a distância) pode, em alguns casos, acalentar. A garantia da integridade e da qualidade da avaliação apresentou também desafios, muitos deles do foro cultural e psicológico, adicionando ou exponenciando pressões e inseguranças que vão desde a preparação da prova, até à sua correção. O ato de vigiar um teste presencial não é diretamente replicável no digital, e a própria avaliação de trabalhos individuais corre maior risco de ser desprovida de uma certa formalidade, proximidade e especificidade.
Por outro lado, que novas oportunidades de formação surgiram no seio da Universidade da Beira Interior?
A formação e os ciclos de estudo em áreas que englobam o digital já constituem fortes apostas da UBI há muito tempo. O ritmo intenso a que a tecnologia evolui, eventualmente mais acelerado ainda recentemente, pode, contudo, e neste caso, ser entendido como uma oportunidade para melhoria contínua, e um catalisador da investigação científica. Adicionalmente, não há dúvida que a necessidade de disponibilizar formações em competências transversais ligadas ao Digital aumentou também. Estas competências incluem não só o melhor domínio de ferramentas de produtividade colaborativas, o controlo de acesso a documentos, as ferramentas de videoconferência e de conversação, como também de uma diferente gestão do tempo, da liderança e da motivação, das redes sociais e do arquivo digital.
Quais considera que são os aspetos mais importantes a lecionar quer nas universidades quer nas formações complementares dentro deste âmbito?
Há muitos aspetos a considerar no contexto da formação no Digital, e é importante referir que nem todos estão relacionados com a tecnologia. As instituições de ensino superior criam e distribuem o conhecimento avançado, aquele que permite inclusive os avanços na área. Imersos na era da informação, é difícil identificar matérias ou domínios de maior relevo que outros, mas tudo o que contribui para o que hoje conhecemos como a Nuvem, a Internet das Coisas, o ecossistema Mobile ou o Processamento Massivo de Dados tem atratividade elevada, e vão beber de conhecimentos em Programação, Inteligência Artificial, Matemática, Cibersegurança, Engenharia e Qualidade de Software, Redes de Computadores e Administração de Sistemas, Bases de Dados, Design de Interfaces e Qualidade de Experiência, entre muitas outras. Por outro lado, entre os dois mundos, há que dar atenção ao ciber-físico, onde a miniaturização e a integração de sistemas ganham também relevo. Todo o mundo Digital precisa de conciliar-se com o mundo real, necessitando endereçar aspetos Legais e Éticos. Por outro lado, toda a área circundante ao negócio com base no digital precisa de atenção, com algum foco no marketing digital, mas com um olho nos potenciadores desse negócio como as moedas criptográficas e as redes sociais.
Nada do que está mencionado antes pode ser apreendido sem começar pela literacia base, que pode ir desde cursos introdutórios à Internet ou ao manuseamento básico de ferramentas do ponto de vista do utilizador, o domínio de várias línguas (e até de algum jargão técnico ou formas de falar no mundo virtual) até às questões de segurança, privacidade ou proteção de dados (que, aliás, precisam de um esforço adicional nos próximos anos).
A longo prazo, que mais valias esta transformação digital pode trazer às universidades?
Em termos administrativos, as valias que a transformação digital pode trazer às universidades é, grosso modo, em tudo igual à que pode trazer a outras instituições ou empresas. Se for bem feita, trará ganhos que se traduzem numa maior qualidade de trabalho, eficiência energética e na redução da pegada ambiental. No caso específico do ensino, o recurso ao digital irá certamente conduzir a inovações pedagógicas e a novas experiências de ensino-aprendizagem. Permitirá, igualmente, envolver mais pessoas no processo educativo, por exemplo permitindo trazer mais especialistas de diferentes partes do mundo para conversar em ambiente de aula. O próprio acesso ubíquo à informação por via do digital configura uma mudança de paradigma, que está a decorrer graciosamente enquanto escrevemos ou lemos este texto.
Quais os desafios que as instituições ou empresas enfrentam para que se opere a verdadeira transição digital e se dominem as respetivas competências?
Há desafios claramente tecnológicos, nomeadamente de transposição fiel, para o digital, dos requisitos identificados ou de procedimentos físicos. Outro desafio prende-se com a conformidade por desenho dos sistemas de informação com as leis e os regulamentos, especificamente de proteção de dados ou de cibersegurança, bem como da correta utilização de técnicas de inteligência artificial e dos resultados que daí possam advir. Contudo, há também desafios do foro cultural e psicológico, e também da simplificação e definição de processos. É inglório tentar uma transformação digital sem se definirem os processos e procedimentos, uma vez que conduz ao desenho de soluções informáticas que não correspondem ao necessário; e o processo avança devagar ao encontrar atrito humano. Em alguns casos, é ainda necessário que o operador, que eventualmente sempre conduziu os processos de forma manual e suportada em papel, aprenda a confiar no digital ou que o digital produza resultados iguais ou melhores. Após a transformação começar (e já começou), é necessário apostar continuamente na formação e consciencialização, uma vez que a mudança é gradual e as interfaces para o digital não são típica e imediatamente intuitivas. É sobremaneira importante entender também que a transição é necessariamente interativa, necessitando de ajustes e sugestões de todos os intervenientes.
Portugal, está um passo à frente na digitalização? O que, na sua opinião, se pode esperar dos próximos anos no que diz respeito a esta vertente?
Portugal está bem posicionado em termos de digitalização e tem muito boas condições para dominar a transição, até porque tem instalado e consolidado (há muito tempo) um recurso crucial ao processo: o cartão do cidadão da república portuguesa, que permite a assinatura digital e a autenticação segura dos cidadãos. Com base no que têm sido os últimos anos, e até mesmo pela forma como o conhecido “desenrasque português” nos tem impulsionado no Digital, eu diria que, mesmo na perspetiva mais conservadora, teremos com certeza avanços notáveis no processo de transformação digital em Portugal, quer na administração pública, nas empresas ou no ensino.