Sair de casa e ver as ruas através de uma espécie de filtro sépia é sempre surpreendente. Os especialistas já tinham referido que no dia 16 de março, seria o dia de maior visibilidade do fenómeno que alaranjou os céus da Península Ibérica e que teve origem no deserto do Saara. O impacto das poeiras do Saara não é propriamente uma novidade, até porque pudemos ver o fenómeno em 2021 e em 2020, de forma muito menos visível. Só que este fenómeno anual teve, em 2022, circunstâncias imprevisíveis. Por efeito da tempestade Célia, as poeiras lançadas ao ar em África chegaram numa maior concentração a Portugal. A elevada presença destas poeiras no ar levou a que as autoridades de saúde emitissem um alerta a idosos, crianças e doentes respiratórios, para que evitassem este ar potencialmente prejudicial à saúde. No entanto, este fenómeno instagramável, apesar de potencialmente perigoso, é um efeito absolutamente crucial para o ecossistema do planeta.
Tudo tem origem nos fortes ventos que se fazem sentir no maior deserto do planeta, que cobre mais de nove milhões de quilómetros quadrados, perto do tamanho do território chinês — e cerca de 8% da área total do planeta. É nas planícies do Saara que os ventos mais facilmente elevam as partículas finas que depois de acumulam a altas altitudes, explica a “National Geographic”.
Um estudo recente revelou que a sua concentração é habitualmente mais perigosa quanto atinge os países africanos mais a ocidente. É nessa região que se sentem com mais força os efeitos nefastos das partículas. De tal forma que, em muitos casos, a exposição a este ar pesado pode ditar a morte de recém-nascidos. À medida que o ar carrega a nuvem de poeiras para lá dos mares e oceanos, também a concentração diminui, tornando-a menos perigosa. O que não significa que não possa acarretar perigos para os mais vulneráveis. No entanto, nem tudo é negativo neste fenómeno natural que impacta todo o planeta. Esta nuvem é, aliás, absolutamente vital para o ecossistema do planeta.
Os ventos transportam partículas que são ricas em ferro e fósforo, elementos que, ao viajarem todas estas distâncias, ajudam a fornecer nutrientes a inúmeros organismos, como o fitoplâncton. Quando as partículas chegam ainda mais longe, à floresta Amazónica, repetem a função. É do fósforo destas nuvens que se alimenta também o solo da floresta tropical, revela os estudos que traçam a ligação essencial entre estes dois ecossistemas separados por um oceano e milhares de quilómetros. Uma prova de que, apesar de gigante, o planeta está em perfeita sintonia. Outro aspeto importante: os investigadores acreditam que esta nuvem de partículas ajuda a impedir a formação de ciclones tropicais. O seu ambiente seco serve para travar os ambientes húmidos em que estes fenómenos proliferam.
A verdade é que estas poeiras vindas do Saara, apesar de se tratarem de um fenómeno anual, tem sido sentido cada vez de forma mais intensa, sobretudo neste século.