Início Atualidade “Procuro acima de tudo que o meu trabalho tenha um propósito, que conte uma história e que fale a verdade”

“Procuro acima de tudo que o meu trabalho tenha um propósito, que conte uma história e que fale a verdade”

0
“Procuro acima de tudo que o meu trabalho tenha um propósito, que conte uma história e que fale a verdade”

Interessou-se desde cedo pela fotografia, uma área à qual tem dedicado toda a sua vida profissional. Em que momento tomou consciência desta decisão?
Não consigo recordar-me ao certo em que momento se deu essa tomada de consciência, no entanto lembro-me precisamente da primeira fotografia que fiz, ainda muito nova, deveria ter uns três anos.
A fotografia sempre esteve presente ao longo da minha vida enquanto memória e objeto documental dos momentos de família. Havia sempre muitos álbuns de fotografia em casa dos meus pais e recordo-me de todo o ritual desde o ato de fotografar, até ao tempo de espera para revelar os rolos e ver a impressão final das imagens. O momento em que finalmente as recebíamos era importante, era um momento de entusiasmo. penso que esse processo a que assisti muitas vezes acabou por reforçar e influenciar a minha decisão de estudar fotografia, uns anos mais tarde, por volta dos meus quinze anos.

Em 2004, após concluir o curso profissional de fotografia, recebeu uma bolsa para a realização de um estágio profissional na Finlândia, na área do Fotojornalismo. Tendo em conta que foi um dos primeiros desafios profissionais, pode descrever como correu esta experiência?
Na verdade, quando aconteceu este estágio profissional na Finlândia, mais concretamente em Kokkola, eu já tinha estagiado na redação do jornal Diário de Notícias. Estas experiências foram bastante diferentes entre si, não só pela questão cultural, mas também pela forma de encarar o trabalho, que é muito diferente daquilo que estamos habituados em Portugal. Kokkola é uma pequena cidade costeira, absolutamente tranquila e com um estilo de vida muito calmo e diferente daquele que conhecemos nas nossas maiores cidades, seja em Lisboa ou no Porto. As pessoas, o clima, a luz, a cultura de trabalho e até a passagem do tempo. tudo isso fez com que esta fosse uma experiência muito enriquecedora a vários níveis. Guardo muito boas memórias, bons amigos e é um país onde gosto sempre de voltar.

Posteriormente regressou a Lisboa e integrou inúmeros projetos profissionais. Podemos ver no seu portefólio um vasto número de trabalhos dentro da área da fotografia. Enquanto profissional quais os principais desafios que encontra diariamente e o que é que define o seu trabalho?
Procuro acima de tudo que o meu trabalho tenha um propósito, que conte uma história e que fale a verdade. Na maioria das situações o fotógrafo tem muito pouco tempo para conseguir criar uma ligação com o objeto ou a pessoa fotografada e esse é muitas vezes o grande desafio. É importante fazer uma leitura correta de todas as variáveis no pouco tempo que dispomos. É fundamental ler o espaço, a luz, e criar empatia com as pessoas de modo a deixa-las confortáveis na nossa presença pois isso acaba por se refletir no resultado do trabalho. Sinto que esta postura acaba por ser transversal nas várias vertentes do meu trabalho, seja em reportagem, retrato, fotografia de arquitetura ou de viagem.

A fotografia é uma área de ampla difusão que faz relatos de momentos e histórias através de imagens. Considera que esta área é suficientemente reconhecida na sociedade? Na sua perspetiva quais os aspetos principais para garantir um trabalho de qualidade?
Desde o início da existência da fotografia que, a meu ver, o seu grande propósito e contributo para a sociedade é o seu papel documental que contribui para a preservação da memória. As imagens contam histórias, dão-nos a conhecer os nossos antepassados, a nossa própria história individual ou memória coletiva. Remetem-nos para sensações e têm o poder de alterar o nosso estado de espírito. Mas talvez o mais relevante seja o momento em que uma imagem tem a capacidade de alterar o rumo de uma história ou da vida de alguém. E isso é algo que continuo a acreditar que acontece com frequência no fotojornalismo e que, a meu ver, a par do lado documental, é um dos grandes propósitos do trabalho do Fotojornalista.
Penso que a fotografia profissional (nas suas mais variadas vertentes) continua a não ser uma área devidamente reconhecida. Há ainda um longo caminho a percorrer no que toca ao verdadeiro papel do fotógrafo profissional nomeadamente o seu papel na sociedade, a questão do respeito pelos direitos de autor, ou até a consciência da necessidade do trabalho de um profissional. Isto acaba por ser um pouco irónico atendendo ao momento que vivemos em que a imagem mais do que nunca está presente, informa, conta histórias, vende e acaba por ser utilizada nas mais diversas áreas, e com os mais variados propósitos. As pessoas de uma forma geral preocupam-se com a sua imagem, com a imagem dos seus negócios ou daquilo que pretendem comunicar, contudo nem sempre percebem que isso passa também necessariamente por uma tomada de consciência da importância de encontrar um fotógrafo com o qual se identifiquem, que lhes transmita confiança e cujo trabalho e linguagem vá ao encontro daquilo que pretendem.

Muitos fotógrafos (e artistas) defendem que a inspiração surge do trabalho. Por outro lado, um processo criativo parece depender das influências do seu autor. Quais as suas referências e onde vai buscar inspiração para os seus trabalhos?
Penso que para se ser um bom fotógrafo é essencial ter uma cultura visual e alimentar esse lado quase diariamente seja através de outros autores ou das situações com as quais nos confrontamos no dia a dia. Penso que a formação é importante porque nos permite aprender aspetos técnicos, mas também aprofundar os aspetos artísticos e históricos. Nesse sentido, conhecer a história da fotografia, estar atento à história da arte e arte contemporânea bem como ao cinema, é aquilo que nos permite estar em constante observação e questionar o mundo que nos rodeia. É importante percebermos aquilo com que nos identificamos. Desde cedo fui admirando alguns fotógrafos no mundo do fotojornalismo e da fotografia artística. Habituei-me a acompanhar o seu trabalho e isso torna-se, sem dúvida, de uma forma mais ou menos consciente, uma fonte de inspiração. Muitas vezes olhamos para o nosso trabalho e verificamos que a composição, a luz ou o enquadramento nos remetem para o trabalho de um fotógrafo que admiramos, e isso geralmente acontece sem nos apercebermos porque nasce da cultura visual que fomos acumulando e consolidando ao longo dos anos. É importante continuar a fotografar constantemente, de forma diária, e acima de tudo ver muita fotografia com um olhar atento e não apenas como espectador passivo.

Muitas mulheres, ao longo da história, pela sua criatividade e tenacidade, contribuíram para a evolução da Fotografia. Acredita que é essencial dar visibilidade a estas personalidades e debater a força e a perspetiva feminina que está por detrás de uma lente? De que forma?
Acredito essencialmente que a visão de cada um está condicionada por toda a bagagem que nos acompanha e nos define enquanto pessoas e profissionais. Nesse sentido acredito também que o olhar e o trabalho fotográfico de uma mulher pode trazer uma mais-valia para um mundo que há uns anos era maioritariamente masculino, mas que hoje em dia já vai tendo muitas mulheres, e excelentes referências não só em Portugal como lá fora. Não há dúvida que esses nomes vieram enriquecer o mundo da fotografia e do fotojornalismo e abrir novas oportunidades que antes não existiam.
Na minha opinião é importante dar oportunidade às mulheres para mostrarem o seu trabalho, não apenas pelo facto de serem mulheres, mas acima de tudo pelo facto de o seu trabalho ser tão ou mais válido do que outros. Acredito que o grande passo a dar é precisamente esse, olhar para um fotógrafo e uma fotógrafa em absoluto pé de igualdade porque nesse momento estaremos em condições de olhar para a fotografia por si só, sem preconceitos ou julgamentos antecipados.

Para terminar, que conselhos daria a alguém que se está a iniciar na profissão de fotógrafo?
O maior conselho, não só na fotografia, mas em todas as áreas, é a persistência e nunca desistir daquilo que se gosta. Todas as áreas apresentam dificuldades e só conseguiremos correr se for por gosto, para não nos cansarmos ao fim da primeira corrida. Penso que é fundamental perceber se é a fotografia que nos move e se a resposta for positiva, abraçar o desafio com todo o querer.
Ao trabalharmos sobre esse pressuposto, estou convencida que tudo se torna mais fácil e entusiasmante. A partir daí acredito que há aspetos muito importantes como a humildade ou a vontade de querer ouvir as críticas que serão essenciais para consolidar um percurso e poder melhorar todos os dias. É importante perceber que o trabalho de um fotógrafo nunca está terminado, é uma aprendizagem constante, até porque os desafios mudam consoante o trabalho. Também acredito que fotografar, ver fotografia e conversar sobre fotografia são pontos muito importantes para qualquer fotógrafo porque se deixa de encarar o trabalho como algo separado da vida. É inevitável que a fotografia faça parte da vida e do dia a dia de qualquer fotógrafo.