Duas perguntas sobre realidades diferentes? Duas perguntas sobre a mesma realidade? Duas perguntas sobre duas faces da mesma realidade?
O sono marca o dia? A qualidade do sono tem impacto na forma como nos sentimos, como trabalhamos, como nos relacionamos com os outros durante o dia? Estas são as perguntas mais comuns respondidas positivamente por quem acha que dorme bem e se sente preparado para enfrentar as tarefas e os desafios da vida quotidiana. Mas são também, e sobretudo, perguntas feitas por aqueles que se lamentam da má qualidade do seu sono e de como isso afeta o seu desempenho e o seu humor no dia seguinte. A relação simplista de causa e efeito que se estabelece entre mau sono e dia mau pode tornar-se numa preocupação dominante que tende a culpabilizar apressadamente o sono de dificuldades e desaires do quotidiano. Não raro o sono funciona como uma espécie de bode expiatório de fragilidades e incapacidades difíceis de ultrapassar, nos mais variados domínios da nossa existência.
O dia marca o sono? O que se passa durante o dia também afeta o sono durante a noite? Será que a forma como organizamos a nossa vida diária – no trabalho, em casa, no desporto, nos tempos livres, no relacionamento com os outros – terão algum impacto na qualidade do sono? São perguntas bem menos frequentes, muitas vezes até ausentes das interrogações que nos colocamos acerca do nosso sono. Na rotina do dia a dia, no ritmo mais ou menos frenético da nossa atividade e na dispersão por múltiplas solicitações, preocupa-nos, sobretudo, mobilizar a energia e o engenho que elegemos como chaves do sucesso, sem cuidar de uma das suas fontes mais importantes que é o sono. Nestes casos, o sono é frequentemente desvalorizado ou negligenciado, se não ignorado, perante a premência de urgências sentidas como estimulantes – urgências de tempo, de poder ou de prazer.
Conhecimento sobre o sono. Estudos recentes sobre o sono, também em Portugal, têm trazido importantes contributos para conhecer melhor os mecanismos que regulam o sono e para compreender as suas diferentes funções que asseguram a nossa sobrevivência. Ajudam a compreender os seus benefícios para a qualidade de vida e para o desenvolvimento saudável em todas as idades. E identificam claramente os riscos do seu mau funcionamento. Os conhecimentos que daí advêm são importantes para ultrapassar mitos e preconceitos que muito prejudicam o nosso entendimento do sono e dos problemas a ele associados e dificultam o processo que conduz à melhoria da sua qualidade.
No caso da insónia, por exemplo – um dos mais frequentes distúrbios do sono – é conhecido o desânimo de quem a experimenta, muitas vezes desde longa data, na sequência de inúmeras tentativas falhadas de resolver o problema. Reforça-se a tendência para recorrer a soluções rápidas e que se acredita serem eficazes, predominantemente de natureza medicamentosa ou equivalente, sem cuidar de refletir sobre os fatores que a desencadeiam, perpetuam ou agravam. Desenvolve-se uma espécie de crença numa certa mágica exterior a nós na expectativa de que irá resolver o nosso problema sem a nossa participação ativa e sem o nosso esforço para mudar hábitos, atitudes e emoções determinantes para a qualidade do sono. E negligenciam-se ou ignoram-se os fatores protetores, preventivos e promotores dessa mesma qualidade.
Problemas de sono. O sono é mais frequentemente abordado na ótica dos distúrbios e problemas a ele associados. Distúrbios e problemas que requerem abordagens terapêuticas diferenciadas no âmbito da intervenção médica e psicológica. São, aliás, de assinalar os avanços científicos nestes domínios. Avanços que não têm, todavia, expressão equivalente na acessibilidade e preparação aos respetivos serviços e para os quais se torna urgente reforçar o acesso e as competências específicas dos profissionais.
Na vertente da prevenção e da promoção da qualidade do sono acima referida, há ainda um longo caminho a percorrer. Não se contempla o tema nos planos escolares, de onde resulta que crianças e jovens nada ou pouco aprendem em meio escolar acerca do sono, tema omisso mesmo na área de educação para a saúde. As iniciativas de algumas (ainda poucas) escolas no domínio sensibilização dos estudantes para a importância do sono e da educação do sono procuram colmatar esta lacuna. No ensino superior, designadamente de profissionais de saúde ou de educação, a formação reduz-se a iniciativas isoladas de especialização ou sensibilização que os mais interessados procuram por interesse pessoal ou necessidade de alargar os seus conhecimentos. Na prática de Medicina Geral e Familiar, tem-se assistido a um interesse crescente pelo tema por parte de médicos e enfermeiros, todavia pouco reforçado pela escassez de tempo para uma abordagem adequada do tema em consulta e por lacunas de formação especializada. Justiça seja feita aos meios de comunicação social que, cada vez com mais frequência e rigor, procuram transmitir informação sobre o tema, recorrendo à participação de especialistas em programas de grande audiência. Informar não é formar, mas é o início de um caminho que urge percorrer no nosso país no sentido.
Caminhos para a melhoria da qualidade do sono. Que itinerários se podem desenhar para percorrer esse caminho no sentido de promover desde cedo um sono de melhor qualidade?
Em primeiro lugar, importa incrementar o conhecimento acerca do sono. Ao nível da sensibilização com objetivo de reduzir mitos e esteriótipos e tornar acessível o saber científico sobre o tema que e os seus progressos. Perceber o ciclo sono-vigília como um ritmo vital de sobrevivência, conhecer os seus mecanismo e características e a sua interação com a vida quotidiana; identificar as suas particularidade em função do cronotipo, mais vespertino ou mais matutino; definir a duração do tempo de sono e a sua regularidade, são apenas alguns exemplos do muito que há a saber sobre o tema – em termos gerais, sobre o sono enquanto elemento de sobrevivência e, em termos específicos sobre o sono de cada um com a suas particularidades. O sono é diferente de pessoa para pessoa, é diferente para cada pessoa ao longo da vida, e é diferente ao longo de cada noite. Tal como acontece com os tempos de vigília.
O segundo itinerário deve centrar-se, a meu ver, na valorização do sono. O conhecimento das funções do sono e da forma como contribuem para a saúde física e mental, para a aprendizagem e para o desenvolvimento, para o desempenho profissional, como para a inserção e o relacionamento social, não pode deixar de influenciar a nossa atitude face à importância do sono. Considerar que dormir é uma perda de tempo, como por vezes se ouve de adolescentes e jovens adultos ávidos de ação, não se compadece com a visão realista e cientificamente fundamentada das consequências graves que advêm de um sono de má qualidade por distúrbios não reconhecidos, negligenciados ou mal tratados.
O terceiro itinerário conduz aos processos de mudança no sentido da melhoria da qualidade do sono. Conhecer e valorizar são muitas vezes insuficientes para deixar cair velhos hábitos que se perpetuam e condenam ao fracasso boas intenções de fazer diferente. É assim também no que ao sono diz respeito. Os processos de mudança são lentos e por vezes difíceis, exigem novas aprendizagens, implicam envolvimento, persistência e resiliência. Daí necessidade de apoio especializado. Daí a necessidade de preparar profissionais – médicos, psicólogos, professores – para proporcionar esse apoio. Daí a necessidade de preparar e implementar programas de intervenção clínica e educativa para potenciar a prevenção e promover a cultura de uma verdadeira qualidade do sono como um elemento fundamental da qualidade de vida.
Enfim, para a dupla pergunta do título desta reflexão a resposta é um SIM convicto.
Com efeito, se é importante dormir bem para viver bem, é igualmente importante viver bem para dormir melhor. E isso aprende-se.
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