
Para começar queríamos saber um pouco da sua pessoa, apresentando-se à Revista Pontos de Vista, falando do seu percurso até agora.
Nascido em Coimbra e criado no Porto, iniciei a minha carreira no retalho na placa de vendas. Tive o privilégio de trabalhar naquelas que considero as duas melhores “escolas” de retalho em Portugal – Sonae e Jerónimo Martins. Em certa medida, enraizaram em mim conceitos básicos fundamentais que ainda hoje me acompanham.
A minha experiência profissional permitiu-me desenvolver competências e experiências em várias áreas e formatos da indústria do retalho – alimentar (supermercados, hipermercados e hard-discount), eletrónica de consumo e têxtil. Adicionalmente, uma experiência na área da logística, o que adicionou valor e conhecimento no que diz respeito à visão geral da cadeia de abastecimento e o seu impacto no serviço ao consumidor final.
Geograficamente, além de Portugal, já liderei desafios em Angola, Nigéria, Gana e atualmente no Irão.
Considero-me um apaixonado pelo retalho, em todas as suas valências e áreas, com um foco primordial na melhoria constante de todos os elos da cadeia – só assim é possível entregar um serviço sempre melhor ao consumidor final.
O que nos traz até si é a matéria do Retalho, sendo o Dr. João Correia uma pessoa ligada ao Setor há alguns anos. Estando agora num país do Médio Oriente, quais os traços gerais que nos pode indicar da realidade encontrada?
O Irão é uma realidade bastante diferente à qual estamos habituados, principalmente quando comparada com a realidade europeia. Independentemente do regime existente, é um país com imensas riquezas e recursos naturais. Com uma população a rondar os 84 milhões de habitantes – o que por si só define o seu potencial – alberga uma cultura e história deveras interessante.
No que diz respeito ao retalho em particular, está particularmente enraizado o conceito de proximidade, com inúmeras lojas de pequena dimensão e de gestão familiar. O tradicional “Bazaar” (bazar) ainda tem um peso considerável na economia iraniana – exemplo disso é o “Grand Bazaar” em Terrão, que alberga inúmeras lojas pequenas ao longo de cerca de 10km, com áreas específicas para cada tipo de produtos.
Com a evolução dos tempos, surgiram cadeias de supermercados organizadas, seja através de lojas próprias como também com recurso a modelos de franchising. A venda online cresce de ano para ano, e tal como em todo o mundo, teve um crescimento exponencial com a pandemia.
O mercado é muito regulado, com uma elevada intervenção governamental. Por exemplo, a definição de margens máximas de comercialização ao longo de toda a cadeia de abastecimento, principalmente nas categorias de maior procura. A maior parte dos produtos que fazem parte da cesta básica são subsidiados pelo governo, com o intuito de controlar o preço final de venda.
Há que aliar a esta realidade uma inflação que ronda os 50% e a proibição de importação de produtos acabados.
Esta conjuntura faz com que a oferta disponível para o consumidor final seja transversalmente muito idêntica, sem grande diferenciação, seja ao nível de sortido como do preço.
Considera que a Digitalização e Inovação são fatores que agora serão traços chave para a dinâmica e atuação do Setor em geral?
Considero que ambos os fatores são primordiais para o setor. A digitalização permite agilizar processos, reduzindo ineficiências com impactos importantes ao nível dos custos e margens. Em paralelo, o foco no tratamento dos dados e todo o conhecimento que daí advém e que potencialmente (sendo bem usado) adiciona valor às empresas. Para muitos a digitalização é vista como uma forma de redução de custos (substituir trabalho manual por trabalho “automatizado”). Sou um acérrimo defensor na redução de intervenção humana em processos que podem ser efetuados de forma digital. Reduzimos o potencial erro e aumentamos a eficiência. Mas o real desafio é reconhecer que há que transferir o capital humano para a análise e desenvolvimento dos dados que advém dos processos de digitalização. A redução de custos transforma-se em investimento. É aqui que as empresas podem ser diferenciadoras e catalisadoras de inovação. Mas não nos podemos esquecer que o retalho é feito de pessoas e experiências. Por agora (e humildemente espero que nunca), ainda não é possível digitalizar os sentimentos que os consumidores têm da experiência em loja e da interação entre pessoas.
A inovação sempre teve o seu papel enquanto fator de desenvolvimento e diferenciação. Temos várias empresas que singram e têm um papel dominante enquanto exemplos de inovação no mercado. E o denominador comum entre elas é uma aposta clara na investigação e desenvolvimento, apoiadas num claro entendimento que a análise de dados é primordial. E não estou a limitar a I&D a novos produtos – há que considerar também o desenvolvimento de novos serviços que possam ir de encontro às necessidades dos consumidores. Sempre com o intuito de melhorar a experiência final, criar lealdade e, sempre que possível, surpreender.
Que dificuldades foi encontrando perante a realidade que tinha ao trabalhar no Setor em Portugal? Acha que estamos prontos para a mudança de paradigma?
Ao longo das minhas experiências ainda em Portugal (saí em 2011), destaco um desafio, que ainda subsiste. A resistência à mudança, principalmente nas “trincheiras”. Não culpo as equipas, mais as empresas na forma de fomentar e implementar a mudança. Em muitas ocasiões a falta de transparência e informação são barreiras que incutem desconfiança e desconforto – fatores propícios ao desaire em qualquer processo de mudança.
Considero que Portugal pode abraçar a mudança de paradigma. Mas, conforme referido anteriormente, esta alteração de paradigma tem que ser acompanhada e suportada por uma visão mais abrangente, nomeadamente no âmbito da digitalização. Não é só simplificar e fazer de forma mais eficiente – é aportar valor com a transferência de recursos para iniciativas que podem trazer diferenciação.
Quais são as principais linhas estratégicas ao atuar nesta altura para a SPAR IRAN?
Conforme referi, o mercado no Irão não permite uma grande diferenciação ao nível de sortido e preço. O grande desafio está na excelência do serviço, e ter ferramentas que garantam a lealdade dos nossos clientes.
Para fazer face a esta realidade, estamos atualmente num processo de implementação de standards internacionais ao nível do processo logístico, que irá ter impacto no nível de serviço prestado às nossas lojas e consequentemente aos nossos clientes. Adicionalmente, temos em estudo a implementação de uma ferramenta de fidelização, com a qual será possível reforçar a ligação com os nossos clientes.
Em paralelo, iniciámos recentemente a Academia SPAR (em sala e online) com um plano ambicioso de formação contínua. A nossa ligação à família SPAR Internacional permite-nos ter acesso às melhores práticas internacionais e reverter esse conhecimento para as nossas equipas.
A sua atual posição permite-lhe ver outra realidade do Setor, acha que se encontra mais capaz de um dia ao regressar a Portugal implantar o que aí se faz e como se faz?
A possibilidade de ter trabalhado fora de Portugal, em geografias tão distintas e exigentes, permitiu-me desenvolver competências que considero serem pertinentes. Destaco, entre outras, a resiliência e a capacidade de adaptação. Tenho plena consciência que a minha experiência profissional nos mercados onde trabalhei pode, regressando a Portugal, adicionar valor, num mercado já muito maduro, mas em constante evolução. Sinto-me plenamente capaz de abraçar novos desafios, com uma enorme orientação para o consumidor final e com a paixão pelo retalho que me acompanha desde sempre.