Quanto à temática tributária, as discussões giraram em torno dos mecanismos alternativos de solução de litígios, abordando-se a transação, a arbitragem e os acordos de não persecução em matéria de crimes contra a ordem tributária. Em relação ao primeiro tema, pudemos rememorar que, no Brasil, o Código Tributário Nacional (CTN) define a transação como causa de extinção do crédito tributário. Estabelece, ainda, que a transação depende de lei que faculte aos sujeitos ativo e passivo, “nas condições que estabeleça”, firmarem acordo para a “terminação de litígio e consequente extinção do crédito tributário”, “mediante concessões mútuas”.
Graças à promulgação da Lei nº 13.988/2020, de aplicação restrita às relações entre contribuintes e governo federal, foi possível romper o mito da indisponibilidade do crédito tributário, o qual, por vezes, era indevidamente contraposto como obstáculo à gestão eficiente dos ativos estatais.
Fosse aplicável ao orçamento público a mesma lógica da gestão privada, os ativos contingentes do Estado somente poderiam ser reconhecidos quando praticamente certa a geração dos benefícios econômicos correspondentes e, ao mesmo tempo, a realização desses ativos seria perseguida apenas quando os custos envolvidos justificassem o benefício a ser alcançado pelo erário.
Buscando uma aproximação a esse padrão, aquela lei andou bem ao dar espaço para a Administração Pública Federal, sempre de maneira motivada, avaliar os custos e benefícios envolvidos na cobrança de determinado crédito tributário, e, quando assim fosse o caso, cancelar parcialmente o débito “cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança”, conforme autorizado pelo artigo 14, § 3º, inciso II, da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Dentre os elementos considerados nessa avaliação, destaque-se o grau de recuperabilidade do ativo estatal, fator esse que se tem provado de extrema relevância e de grande impacto, especialmente após a crise econômica instaurada com a pandemia da COVID-19, permitindo que contribuintes altamente afetados possam sanear as suas dívidas com o fisco, com base no Programa de Retomada Fiscal, regulado pela Portaria PGFN nº 21.562/2020.
A análise da situação econômica do devedor é absolutamente necessária nesta matéria, valendo lembrar que, segundo o próprio CTN, artigo 172, inciso I, trata-se de critério capaz de autorizar o próprio perdão do débito principal, mediante a aplicação do instituto da remissão. Infelizmente, a Lei nº 13.988/2020 não foi tão longe, tendo ainda encarado a negociação do principal como tabu, vedando-a no seu artigo 12, § 2º, inciso I.
É notável verificar que, enquanto a norma federal adota um estilo analítico, sendo detalhista quanto às condições que podem guiar a transação dos créditos tributários da União, o Brasil apresenta outros exemplos mais abertos e que utilizam cláusulas gerais, a permitir uma avaliação discricionária bastante ampla, por parte do Administrador Público, quanto à conveniência e à oportunidade de se transacionar. Como exemplo, o artigo 218, da Lei nº 6.763/75, disciplinado pelo artigo 191, caput, do Regulamento do Processo e dos Procedimentos Tributários Administrativos (RPTA), do Estado de Minas Gerais, são sucintos em estabelecer que a transação será realizada “em casos excepcionais, no interesse da Fazenda Pública Estadual, mediante concessões mútuas”, quando a situação envolver “matéria de alta indagação jurídica, de fato ou de direito”.
Embora não se defina o que é “alta indagação”, parece possível concluir que não se trata da mera “dúvida” quanto à capitulação legal do fato considerado como infração à legislação tributária, nem quanto à natureza, às circunstâncias materiais do fato, à natureza ou à extensão dos seus efeitos, à autoria, à imputabilidade, à punibilidade ou à natureza de eventual sanção tributária aplicável. Afinal, em nenhuma dessas hipóteses caberia falar em transação tributária, mas, sim, na aplicação da lei tributária de modo mais favorável ao acusado, o que é assegurado pelo artigo 112, do CTN.
A maior abertura da norma de Minas Gerais é acompanhada da exigência de justificação da transação, diante de cada caso concreto, pela Advocacia-Geral do Estado e pela Secretaria de Estado da Fazenda. Compete a esses órgãos elaborarem pareceres – jurídico e técnico, quando a situação envolver matéria de fato –, aprovarem tais pareceres por resolução conjunta e, finalmente, publicá-los no órgão oficial estadual. Tudo em homenagem ao princípio da transparência.
Ao invés de um modelo analítico e engessado, portanto, essa legislação estadual outorga maior liberdade à avaliação discricionária do gestor público, o qual estará sujeito às devidas sanções no caso de transação contrária ao interesse público. A regulação minuciosa e exaustiva, portanto, é substituída pelo binômio discricionariedade-accountability. E que não se diga haver aí conflito com o princípio da legalidade tributária. Afinal, segundo a atual jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a legalidade é atendida quando há “diálogo entre a lei tributária e o regulamento”, estabelecido “em termos de subordinação, desenvolvimento e complementariedade”, o que parece ser o caso. Portanto, ainda que a Lei nº 13.988/2020 represente um enorme avanço, o sistema federativo brasileiro certamente ainda nos oferecerá outras experiências igualmente positivas para o aprimoramento da transação, valendo acompanhar as inovações e o modo como Estados e Municípios vêm utilizando o instituto para também aprimorar a gestão das suas contas.
De igual modo, a troca de conhecimento com Portugal e outros países da Europa, a exemplo do que promoveu o FIBE no último abril, é fator determinante para a evolução tanto da transação tributária, quanto dos demais meios alternativos de solução de litígios fiscais, deste e daquele lado do Atlântico.