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A Metrologia na Saúde

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A Metrologia na Saúde

A Metrologia enquanto ciência da medição, enquadra a teoria e a prática da medição de grandezas mensuráveis, nomeadamente as utilizadas na prestação de cuidados de saúde. Os instrumentos e os processos de medição, por razões de boas práticas e garantia de qualidade dos serviços prestados, são sujeitos a ensaios e calibrações assegurando rigor e confiança nos resultados obtidos. A Metrologia na Saúde, ocupa hoje um lugar de relevo e acompanhou o desenvolvimento do direito à saúde, das estruturas da prestação de cuidados de saúde e da vertente científica e tecnológica. Apresenta-se legalmente enquadrada no Sistema Português de Qualidade, coordenado pelo Instituto Português de Qualidade (IPQ), com uma intervenção ativa na saúde, salientando-se a elaboração e publicação de Guias de Boas Práticas Metrológicas.

A metrologia na saúde surge com a preocupação dos profissionais e das organizações na Qualidade em Saúde, conceito este com abordagens diversas, nem sempre coincidentes. Isto pressupõe que os processos de prestação de cuidados de saúde devem ser avaliados de forma cíclica e constante, na relação entre prestadores e utentes, no que se refere à satisfação das necessidades e expetativas destes. A avaliação tem de ser integrada quanto a recursos, processos e resultados. É neste contexto de gestão da qualidade, que depois de 1990 são tomadas várias decisões relevantes, nomeadamente o estabelecimento de protocolos com o King’s Fund Health Quality Services (KFHQS), mais tarde com a Joint Commission International (JCI) e por último, com a Agência de Calidad Sanitária da Andalucía (ACSA), com adesão de vários hospitais ao modelo de acreditação. Trata-se de uma avaliação externa da conformidade da prestação de cuidados de saúde, com padrões de qualidade elevada, desenvolvidos por especialistas internacionais e reconhecidos por entidades de referência. O modelo de certificação, de acordo com as normas da International Standard Organization (ISO), também adotado em alguns hospitais, avalia a conformidade de processos com as boas práticas de gestão e de melhoria contínua, assegurando que o hospital exerce a sua atividade de acordo com padrões internacionais, nomeadamente a norma ISSO 9001:2008.

Adotadas as ferramentas de avaliação, quer nos modelos de acreditação, quer nos modelos de certificação, as auditorias realizadas exigem que as instalações e os equipamentos dos serviços prestadores de cuidados se mantenham em boas condições de utilização e, para o efeito, seja garantida a execução em tempo útil das tarefas de manutenção. A responsabilidade do Serviço de Instalações e Equipamentos do Hospital passa a ser definida nos “procedimentos em situação de avaria ou incidente na utilização das instalações e dos equipamentos de diagnostico e terapêutica” que têm como objetivo “definir como registar as ocorrências com o Serviço de Instalações e Equipamentos (SIE), responsável pela operacionalidade das instalações e dos equipamentos de diagnóstico e terapêutica, através da manutenção preventiva ou de reparação em situação de avaria ou incidente na sua utilização, de forma a garantir que se encontram operacionais sempre que for necessária a sua utilização”.

A satisfação destas exigências, traduziu-se na obrigatoriedade do SIE apresentar para cada auditoria toda a documentação referente à manutenção preventiva e corretiva das instalações e dos equipamentos do serviço auditado, bem como os certificados de ensaio e calibração dos equipamentos de medida. Assim, a metrologia passou a ser desenvolvida de forma continuada nos serviços de saúde e integrada na atividade de manutenção.

A metrologia na saúde garante que os resultados de medições e leitura de parâmetros fisiológicos são exatos, comparáveis e adequados ao processo de decisão clínica, seja de diagnóstico ou de tratamento. São exemplos de parâmetros mensuráveis a temperatura corporal, a pressão sanguínea sistólica e diastólica, a saturação de oxigénio no sangue, o fluxo sanguíneo, a frequência cardíaca e a respiratória, o fluxo de ar inspirado e expirado, a energia aplicada na desfibrilhação, potenciais elétricos e o peso, entre outros. As grandezas físicas destes parâmetros fisiológicos são quantificadas por unidades de medida do Sistema Internacional de Unidades (SI). Exemplifica-se a medição de algumas grandezas e a sua relação e importância na decisão clínica.

O parâmetro fisiológico temperatura corporal, medido pela grandeza temperatura e unidade de medida ºCelcius, influencia a decisão clínica na medida em que temperaturas elevadas geram degradação das proteínas. Do valor da temperatura medida depende a agressividade da medicação. O parâmetro fisiológico pressão sanguínea sistólica e diastólica, medido pela grandeza pressão e unidade de medida mmHg, influencia a decisão clínica na medida em que, em situação crítica, é grave o erro de medição por excesso. Do mesmo modo, o erro de medição da pressão de perfusão, que tem de ser superior a 65mmHg, pode conduzir à não tomada de decisão adequada. O parâmetro relativo ao caudal de perfusão de uma bomba, medido pela grandeza indireta caudal do volume de fluido, que é administrado ao longo de um período de tempo, tem como unidade habitual o ml/h. Um erro na infusão de fármacos com concentração elevada e potencial farmacológico muito ativo pode ter consequências gravosas para o doente. De um modo geral, podemos afirmar que as medições em contexto clínico requerem rigor e garantia da conformidade dos requisitos metrológicos dos equipamentos de medição. O erro e a incerteza associada às medições, dependem da condição dos equipamentos utilizados. Condição, garantida pela manutenção, que de acordo com a norma europeia EN 13306, é “a combinação de todas as ações técnicas, administrativas e de gestão durante o ciclo de vida de um bem, destinadas a mantê-lo ou repô-lo num estado em que possa cumprir a função requerida”.

Os modelos de manutenção tradicionais assumem a natureza corretiva e preventiva, aquela tão reduzida quanto possível e esta planeada de forma sistemática ou executada de acordo com a condição dos ativos em causa. Nos hospitais, é prática corrente a contratação da manutenção, com relevo para um modelo integrando a manutenção preventiva com a corretiva, podendo incluir o ensaio dos equipamentos.

 A situação gerada pelos Sistemas de Qualidade adotados e as exigências das auditorias, denunciaram a inutilidade dos relatórios de ensaio elaborados no âmbito dos modelos tradicionais de manutenção. Efetivamente, a certificação de ensaios e calibração de equipamentos só é admissível por entidades acreditadas para o efeito pelo Instituto Português de Acreditação (IPAC). Por outro lado, constatamos que grande parte do equipamento médico é compacto, com falhas e avarias típicas, sujeitos a planos de trabalho que não vão além da inspeção e com custos de manutenção tradicional contratada relevantes. Estas duas questões e a importância da rastreabilidade das medições na qualidade final dos serviços de saúde prestados, conduziu ao desenvolvimento da atividade metrológica sistemática na manutenção dos ativos de saúde.

Esta metodologia teve início no Centro Hospitalar Lisboa Norte – Hospital de Santa Maria, com a contratação em 2015 do ensaio e calibração de 238 equipamentos, encontrando-se em 2022 neste modelo de manutenção 1214 equipamentos. Salienta-se que a redução de custos foi significativa face ao modelo tradicional de manutenção, com redução de cerca de 50% para monitores e oxímetros, 20% para eletrobisturis e desfibrilhadores, entre outros.

A complexidade da atividade clínica cresce com as tecnologias envolvidas e cresce o risco clínico com as decisões cada vez mais dependentes de medições. A atividade metrológica na saúde é um fator de minimização do risco clínico, pelo que a sua integração na manutenção e o desenvolvimento de uma metodologia de manutenção baseada no ensaio e na calibração, tem vantagens na fiabilidade dos equipamentos e nos custos da sua manutenção, relativamente aos modelos tradicionais, entendidos os erros de medição como falhas resolvidas no ensaio e na calibração. Por outro lado, importa ter em consideração que a participação da manutenção nos processos de acreditação e certificação, gera fluxos de informação elevados com os serviços clínico, só exequíveis em papel com elevados custos de mão de obra ou, em alternativa, com a transição digital aplicada à gestão de ativos das instituições prestadoras de cuidados de saúde.