O Conselho de ministros aprovou a Agenda do Trabalho Digno. O objetivo é a valorização dos trabalhadores e, em particular, dos jovens no mercado de trabalho, mas também a competitividade e a produtividade das empresas. Primeiramente, qual a sua visão sobre este conjunto de medidas?
No geral, há diversas medidas com as quais a APESPE-RH concorda no documento. Alguns pontos estão em linha com o que a própria associação considera essencial fazer para fortalecer e legitimar o setor, como por exemplo definir as condições de acesso e abertura de empresas de Trabalho Temporário, Recrutamento e Seleção e Outsourcing; refletir sobre as entidades de tutela e emissão de alvarás; ou ainda desenvolver um código de conduta em parceria com as entidades regulamentares e fiscalizadoras. No entanto, consideramos que a Agenda do Trabalho Digno tem algumas propostas que são contrárias à essência jurídica e operacional do Trabalho Temporário o que é um contrassenso no estado atual da economia, das necessidades das empresas e do mercado de trabalho. É necessário compreender que este setor contribui para a colocação, formação e requalificação de trabalhadores que, de outra forma, teriam mais dificuldade em aceder ao mercado laboral.
A Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego e de Recursos Humanos (APESPE-RH), tem sido uma das vozes mais críticas da Agenda do Trabalho Digno. Quais as razões que levam a instituição a discordar desta agenda?
Como referido, discordamos dos pontos que consideramos que são prejudiciais ao setor privado de emprego, à competitividade e à empregabilidade a longo prazo. Algumas das medidas, inclusive, parecem prejudicar mais os trabalhadores temporários que as próprias empresas de Trabalho Temporário. A contratação para Trabalho Temporário em Portugal representa menos de 2% dos trabalhadores ativos e está absolutamente em linha com a média europeia, sendo estas empresas são agentes económicos que contribuem para o bom funcionamento do mercado de trabalho, criando emprego.
A APESPE-RH reprova sobretudo três pontos essenciais que considera impraticáveis, sendo que o principal passa pela previsão de introdução de um requisito de uma percentagem dos trabalhadores das empresas de Trabalho Temporário terem vínculos mais estáveis de modo a assegurar um reforço da estabilidade dos quadros destas empresas. Quais as razões que vos levam a não concordar com esta medida?
A possível colocação de qualquer trabalhador e respetivo motivo justificativo não é determinada pelas empresas de Trabalho Temporário, mas sim pelas empresas utilizadoras que requerem os serviços. Em segundo lugar, passar o ónus de responsabilidade de contratação para empresas de Trabalho Temporário e criar vínculos permanentes faria com que os trabalhadores ficassem sujeitos a tarefas independentemente das suas competências e qualificações, pois as necessidades de contratação dependem das empresas utilizadoras. Por fim, a medida teria um impacto negativo na competitividade das empresas utilizadoras ou nos seus níveis de serviço, pois deixariam de ter a atual flexibilidade existente e que tão determinante é para a viabilidade de boa gestão de muitas empresas, com particular destaque para o setor primário e secundário. Adicionalmente, mais do que um aumento de limitações ou proibições, considera-se que o grande impulso a um trabalho digno passará por incentivar a contratação sem termo, não afetando a livre iniciativa e outras formas de organização do trabalho, através de, por exemplo, reforço dos incentivos à manutenção de contratos sem termo (e não a proibição de contratos a termo ou temporários) ou reforço das possibilidades de as empresas poderem, de forma expedita e com custos controlados, adequarem os recursos humanos às efetivas necessidades de trabalho.
Porque é que é um erro crasso aproximar as regras do contrato de trabalho temporário às regras da contratação a termo? Sente que é isso que estamos a fazer neste ponto? Sente que estamos a fazer perigar a existência e a continuação no mercado dos players do setor do Trabalho Temporário?
A aproximação dos contratos de Trabalho Temporário dos contratos a termo não tem em conta as necessidades de flexibilidade do mercado de trabalho e de criação de emprego que é suposto serem potenciadas pelas ETT. Este objetivo de desvirtuação do Trabalho Temporário parece-nos ir contra as vantagens que a OIT e a EU conferem ao Trabalho Temporário, nomeadamente o papel que as agências de emprego privadas podem desempenhar no bom funcionamento do mercado de trabalho, demonstrando uma postura favorável ao seu funcionamento. A legislação laboral prevê diferentes formas de contratação e todas elas servem um propósito muito específico, delimitado e facilmente inspecionável, pelo que tentar aproximar diferentes tipologias de contratação é diminuir as ferramentas de gestão que estão à disposição das empresas e, cada vez, mais dos trabalhadores. Tudo o que o mercado não precisa é de colocar mais carga administrativa, financeira e sobretudo de perder flexibilidade porque não nos podemos esquecer que estamos a sair de uma crise pandémica, estamos em guerra e todos os sinais macroeconómicos são tudo menos tranquilos. Precisamos de estabilidade a este nível, caso contrário afugentamos investimento de empresas internacionais e mesmo as nacionais pensarão duas vezes antes de avançarem.
Não teme que entidades críticas como a APESPE-RH e pelo facto de não concordarem com estas medidas, possam passar a ser um alvo das críticas da sociedade portuguesa?
Diversas entidades e confederações patronais discordam de pontos na Agenda do Trabalho Digno, que está a avançar sem acordo da concertação social. Numa questão tão importante como alterações à legislação laboral, que vão afetar diversos setores e o mercado de trabalho, é importante que exista maior consenso nas medidas que devem avançar, bem como diálogo e análise de propostas que possam fornecer um caminho alternativo e positivo, de entidades mais experientes nos seus respetivos setores, que estão a antecipar possíveis resultados negativos de algumas das propostas que estão a avançar e que podem prejudicar a própria empregabilidade.
O que irá continuar a fazer de futuro, sobre esta agenda, a APESPE-RH? Que mensagem gostaria de deixar aos vossos associados?
A APESPE-RH, enquanto entidade que representa empresas de Recrutamento e Seleção, Formação, Coaching, Consultoria, Outsourcing e Trabalho Temporário, continuará a participar e a assumir um papel ativo no diálogo, consultas e discussões sobre a legislação laboral. Trabalhamos continuamente na análise interna destas mesmas áreas, sobre as quais elaborámos um documento (M7), já apresentado ao Secretário de Estado Adjunto, do Trabalho e da Formação Profissional, com diversas medidas que nos parecem essenciais para credibilizar, regularizar e fortalecer o setor privado de emprego.