A 17 de julho de 2022, a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa comemora 26 anos de vida. Enquanto Secretário Executivo desta instituição, como analisa a evolução da mesma ao longo desta história, desenhada para fortalecer os países membros?
Em primeiro lugar, é necessário colocar em perspetiva que 26 anos de existência, apesar de significar mais de um quarto de século, é um período relativamente curto na vida de uma organização internacional. Veja-se o caso de organizações congéneres, de base linguística, como é o caso da Commonwealth ou da Francofonia, que foram criadas em 1949 e 1970, respetivamente. No caso da CPLP, olhando para trás, considero que a Organização tem conseguido adaptar-se ao espaço e ao tempo em que se move, através da criação de mecanismos de cooperação para corresponder aos desafios com que os Estados-Membros se deparam. É disto exemplo a inclusão de novas áreas de cooperação que não estavam inicialmente previstas nos Estatutos da Organização: aconteceu em matéria de Defesa; no setor da Energia, Mares e Oceanos; na Governação Eletrónica; Agenda digital, ou até mesmo com a criação de uma Estratégia de Segurança Alimentar, aprovada em 2012 e que continua a ser uma prioridade da nossa ação. Mais recentemente, a Presidência Angolana elegeu como prioridade a cooperação económica, absolutamente fundamental na estratégia de recuperação pós-COVID. Nestas e em outras matérias, como a Saúde, a Educação, a Ciência, Tecnologia e Ensino Superior; o Turismo ou o Ambiente, a CPLP trabalha com planos estratégicos e planos de ação que fixam objetivos e definem estratégias para os alcançar. Ou seja, a Organização tem vindo, por um lado, a alargar as suas áreas de intervenção e, por outro, a aprofundar o seu trabalho através da criação de instrumentos estratégicos e de planificação. Outro exemplo claro desta capacidade de se reconfigurar perante os desafios é a adoção da Nova Visão Estratégica, para o período 2016-2026, que veio estabelecer os domínios prioritários da organização, precisamente aqueles a que me referi, e que constitui o compromisso renovado dos Estados-Membros no fortalecimento da ação da CPLP. Desta forma, 26 anos passados, temos uma CPLP com uma estrutura institucional muito mais robusta, mais abrangente e mais eficiente. E isso tem contribuído claramente para a nossa afirmação internacional, plano em que captámos a atenção de um número cada vez maior de atores que pretendem estabelecer connosco uma parceria reforçada, como tão bem demonstram os 32 observadores associados da CPLP, entre os quais contamos com 28 países das mais diversas regiões do Globo, e quatro organizações internacionais.
Sabemos que o potencial da CPLP está, sobretudo, na cooperação económica e empresarial. Assim, do ponto de vista da dinâmica da instituição, em que medida a união entre os países, traz reconhecimento às empresas e players destes mercados?
Acredito que a CPLP tem ainda por aprofundar e explorar diversas áreas, todas elas com grande potencial. Sendo a cooperação económica e empresarial o objetivo geral mais recentemente adotado, os seus mecanismos e instrumentos de cooperação estão ainda a ser definidos, mas queremos que as empresas sejam cada vez mais capazes de corresponder às exigências para competir no mercado global, o que significa um compromisso com a capacitação e a formação, a garantia da qualidade, a melhoria do ambiente de negócios, o apoio ao acesso ao financiamento e à internacionalização. Será igualmente importante garantir que o trabalho conjunto tem um foco no desenvolvimento das cadeias de valor, gerando condições de melhor integração no comércio global e de criação de novos negócios, de postos de trabalho sustentáveis para a nossa juventude, e de maior competitividade para as nossas economias. De igual modo, é do interesse de toda a Comunidade a adoção de medidas e a implementação de iniciativas promotoras do empreendedorismo, da inovação e do desenvolvimento industrial e tecnológico no espaço da CPLP. Nesse sentido, a cooperação económica na CPLP será tão mais proveitosa quanto mais alargada, concorrendo para tal as ações das autoridades e instituições públicas dos Estados-Membros, bem como as ações de parceiros do setor privado, e da sociedade civil, nomeadamente dos Observadores Consultivos da CPLP.
Os Estado-Membros da CPLP, juntos, tornam-se mais fortes no plano internacional uma vez que a sua voz, multilateral, faz-se ouvir com mais impacto. Qual diria que é a importância e a força desta Comunidade, não só para os seus países, mas também a nível mundial?
A força da Comunidade encontra-se nos mais de 260 milhões de falantes da língua portuguesa, que vivem, estudam e trabalham em todos os continentes do globo. E estima-se que, até o final do século, com o crescimento demográfico de países como Angola e Moçambique, o português será a língua de mais de 500 milhões de pessoas. Os fóruns e as organizações multilaterais como a CPLP propõem-se a encontrar soluções concertadas para os desafios globais. Fenómenos como a crescente conexão global, a mudança nos modos de produção e distribuição, a globalização dos mercados, o desafio demográfico e a evolução científico-tecnológica cada vez mais acelerada, colocam aos nossos países a árdua tarefa de traçar novos caminhos para o desenvolvimento, num ambiente internacional caracterizado pela complexidade, volatilidade e incerteza crescentes. Perante estes desafios, as respostas mais adequadas serão aquelas que, traçadas de forma conjunta e concertada, permitam atender não só ao novo paradigma da era da transformação digital, como também às metas da sustentabilidade ambiental, que encerram o desígnio maior da sobrevivência do nosso planeta. Tomemos, como exemplo, a promoção da língua portuguesa, domínio em que os progressos da nossa Comunidade são notórios. Assiste-se tendencialmente a melhores níveis nos valores de literacia em língua portuguesa das populações. O número crescente de falantes de português de diferentes perfis linguísticos – sendo simultaneamente língua materna para um grupo cada vez maior, e língua segunda para um outro número significativo de cidadãos – ilustra bem a dinâmica de progresso do nosso idioma comum no contexto intracomunitário. No plano externo, a CPLP está na mira da política externa de um número crescente de Estados e capta a atenção de diversas Organizações internacionais, conforme demonstra o número crescente de observadores Associados. As motivações destes países e organizações na aproximação à CPLP são diversas: temos, por um lado, a CPLP como plataforma de concertação política e diplomática, relevante até em termos de reforço das relações entre o Associado e os Estados-membros; mas também como plataforma linguística, de cooperação cultural e contacto entre diásporas. Além disso, os países associados veem a CPLP como uma potencial plataforma facilitadora de parcerias económicas, cabendo-nos, também a nós, desenvolver os instrumentos que nos permitam tirar maior partido dessa atratividade da nossa Organização.
Um dos vetores estratégicos de atuação da CPLP é a promoção e defesa da língua portuguesa. Podemos afirmar que a promoção do nosso idioma comum tem conseguido progressos importantes, tanto no plano do seu ensino nos Estados-Membros como na sua utilização internacional? Quais diria que foram os mais relevantes?
Sendo a pedra basilar da Comunidade e o seu traço identitário mais proeminente, recordo que já desde antes da constituição da CPLP, em 1996, a promoção e difusão da língua portuguesa era um objetivo para a cooperação entre os Estados-Membros. No contexto internacional, a língua portuguesa afirma-se como uma língua comunicação global, em franca expansão. Está presente na criação artística e literária, destaca-se nas redes sociais, inspira a inovação e a investigação, e incentiva, também, o desenvolvimento de parcerias económicas. A língua portuguesa alcançou uma importante e merecida conquista, ao ver proclamada pela UNESCO, em 2019, a data de 5 de maio como o dia Mundial da Língua Portuguesa. Esta consagração traduz o crescimento que o português tem conhecido aos mais diversos níveis: É a língua mais falada do hemisfério Sul, a 4.ª língua mais falada no planeta e uma das mais utilizadas na internet. É também a língua oficial e/ou de trabalho em 32 organizações internacionais.
A crescente aproximação dos países lusófonos através da solidariedade, do diálogo e da cooperação, de forma que possam atuar em conjunto com vista à prosperidade coletiva e defender, com voz ampliada, os interesses comuns no cenário internacional, tem sido o grande objetivo da CPLP ao longo dos seus 26 anos de existência. Quais diria que serão as prioridades daqui para a frente?
As prioridades da Organização devem responder a dois objetivos fundamentais: contribuir para o desenvolvimento duradouro e sustentável dos Estados-Membros, e, ao mesmo tempo, promover a aproximação da Organização aos seus cidadãos, de maneira a gerar um maior sentimento de pertença e de comunidade. E para isso, temos de definir claramente as prioridades. Neste sentido, a cooperação económica, a que já me referi, e sem descurar a ação noutras áreas, será um dos setores que vamos aprofundar. Outro aspeto, prende-se com a resposta a situações de emergência, tão premente no contexto das alterações climáticas, e que tem posto à prova a resiliência de diversos Estados-Membros da CPLP. Estamos a trabalhar num documento estratégico, enquadrador, que nos permita reforçar a cooperação neste contexto, assegurando a necessária ligação intersetorial que o tema requere. No que diz respeito à aproximação aos cidadãos, demos um passo importantíssimo com a celebração do Acordo sobre a Mobilidade na CPLP, celebrado por ocasião da Cimeira de Luanda, em julho passado, e já ratificado pela maioria dos Estados-Membros, num assinalável curto lapso de tempo. Este Acordo vem criar um quadro normativo multilateral, ao abrigo do qual os Estados-Membros podem agora estabelecer, caso a caso, mecanismos que irão facilitar a circulação de pessoas, podendo, inclusivamente, escolher determinadas categorias para o efeito. Temos também trabalhado no sentido de favorecer a mobilidade académica e a mobilidade do conhecimento científico. Outro tema que por certo permitirá aos cidadãos reverem-se na CPLP diz respeito à Cultura, tendo a Presidência em exercício acolhido a Capital da Cultura da CPLP – Luanda 2022, que contou com inúmeras atividades culturais como a Feira do Livro, uma mostra de cinema, espetáculos musicais, entre outras. Esta iniciativa, para além de projetar a imensa diversidade cultural que tanto nos enriquece enquanto comunidade, constituiu um espaço de encontro e de circulação de agentes, bens e serviços culturais, abrindo renovadas perspetivas de cooperação neste setor. Do mesmo modo, a agenda da CPLP para o setor da Juventude e Desportos conta com iniciativas como a Bienal de Jovens Criadores e os Jogos Desportivos da CPLP, eventos mobilizadores da atenção de um público cada vez mais diversificado. Por último, esta aproximação aos cidadãos é complementada com o trabalho estruturado que temos vindo a fazer com os nossos Observadores Consultivos, entidades dos mais diversos setores da sociedade civil, que ultrapassam já uma centena e com os quais trabalhamos de maneira estruturada e complementar.
A terminar, sendo agora tempo de aniversário e, por isso, de comemoração, que mensagem gostaria de deixar aos países membros da CPLP?
No final de 26 anos da vida da CPLP, cabe-nos relembrar os enormes avanços já alcançados. Enquanto cidadão timorense, não posso deixar de sublinhar o imenso potencial de concertação político-diplomática que a CPLP encerra. Antes da adesão de Timor-Leste à CPLP, que ocorreu em 2002, todos os países da CPLP uniram-se numa só voz para apoiar a luta do povo timorense. Esta capacidade de união solidária, não obstante as nossas diferenças, é para mim o elemento que melhor caracteriza a Comunidade de países de língua portuguesa. O mundo viu, nos últimos 26 anos, mudanças de grande magnitude e sabemos que o contexto internacional atual é, verdadeiramente, complexo e incerto. E por isso mesmo, o papel da CPLP é mais do que nunca relevante. A mensagem que gostaria assim de transmitir aos Estados-Membros é de que a prossecução do nosso diálogo e do nosso trabalho conjunto deve ser uma prioridade para podermos crescer e fazer face aos inúmeros desafios que os nossos países ainda têm pela frente.