O Mar do Futuro: Como pode a colaboração potenciar a Aquacultura em Portugal?

Todos os dias somos confrontados com a necessidade de alimentar uma população mundial crescente e a aquacultura tem sido apontada como parte da solução.

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Elisabete Matos, Coordenadora Técnico-Científica do Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul (B2E)

No que respeita à nutrição do pescado, o setor há muito tempo que aposta na investigação científica, desenvolvendo alternativas inovadoras aos ingredientes usados tradicionalmente, nomeadamente farinha de peixe e óleo de peixe de pescas direcionadas – recursos considerados insustentáveis. Embora com alguns entraves, o desenvolvimento deste setor é claro. O mesmo não se passa com outras áreas: de facto, a aquacultura nacional tem ficado constantemente abaixo das previsões de crescimento e, na minha opinião, um dos problemas é o fosso que existe entre a investigação científica e a concretização de soluções por parte da indústria.

A implementação em Portugal do conceito de Laboratório Colaborativo (CoLAB), com o objetivo potenciar a valorização social e económica do conhecimento, proporcionou ao setor da Aquacultura uma oportunidade única. De facto, para quem atua na fronteira entre a indústria e a academia (grupo ao qual me orgulho de pertencer), há muito que é evidente a falta de atores que façam a transposição para a indústria da excelente ciência desenvolvida no nosso país. Muitos projetos de investigação bem-sucedidos não são posteriormente valorizados, não porque não exista mercado para eles, mas por questões bem mais irrelevantes, em teoria: não há quem passe do piloto ao industrial; os investigadores não conseguem vender os seus produtos; e outras razões facilmente ultrapassáveis – em teoria.

Na prática, o que acontece é que os investigadores não só não estão preparados para vender a sua ciência, como também não são particularmente beneficiados com isso. Ajudava se a indústria e a academia falassem a mesma linguagem, o que acontece raramente e não estimula a comunicação eficaz. É mesmo essencial trabalharmos a comunicação: a linguagem científica é muito distinta da linguagem industrial, o que não estimula as simbioses entre os dois meios.

É este o enquadramento que levou à criação do B2E, Laboratório Colaborativo para a Bioeconomia Azul. Em conjunto com os seus associados, o B2E pretende ajudar a moldar uma nova Aquacultura, alavancada em tecnologias de automação 4.0 e data exchange. A produção mais sustentável, operada sob condições controladas, é fundamental para a manutenção da saúde e dos serviços dos ecossistemas marinhos. A consistência, a segurança e a qualidade do fornecimento de biomassas marinhas – como por exemplo as microalgas ou os coprodutos da indústria conserveira – para alimentação animal (ou qualquer outro uso de valor acrescentado), assentes numa estratégia de biorrefinaria marinha, devem ser equilibradas de maneira a enfrentar os desafios ambientais e de sustentabilidade, alinhadas com os princípios da economia circular.

Enfrentamos no futuro desafios únicos. A estratégia “Farm to Fork” da União Europeia estabelece os princípios da alimentação sustentável. A nível de segurança alimentar não há comparação possível com a UE, que sempre primou pelas decisões tomadas em prol da saúde humana e bem-estar animal, e pelos padrões elevados de qualidade dos produtos colocados no mercado. Do mesmo modo, a aquacultura europeia não só cumpre com os regulamentos impostos, mas até, muitas vezes, vai além dos mesmos, de forma a garantir que o pescado que nos chega ao prato é, de facto, de qualidade superior. Esta mensagem quase nunca chega ao consumidor, infelizmente. A verdade é que vivemos num mundo em que a informação é global, mas a legislação é local. Com que frequência vemos (nas redes sociais, em documentários) informações preocupantes e incorretas acerca da aquacultura? Poderíamos dar o exemplo da utilização de hormonas e antibióticos como promotores de crescimento na produção animal, prática ainda comum em alguns países, mas proibida na União Europeia há duas décadas. No entanto, o consumidor não tem conhecimento de tal e, quando confrontado com este tipo de informação negativa, perde a confiança no setor que o alimenta. Também aqui, na literacia da população, o B2E tem um papel importante a desempenhar.

Os desafios da Aquacultura só poderão ser enfrentados efetivamente de forma colaborativa. Alimentar de forma saudável a população em crescimento só será conseguido se atuarmos de forma inteligente, reduzindo o desperdício e diversificando e intensificando a produção alimentar de forma sustentável. É também aqui, ajudando a levar para o mercado as soluções inovadoras desenvolvidas pelos nossos cientistas, que os CoLABs podem ajudar.