“A Aprovação destes regulamentos define um espaço de Diferenciação Competitiva”

A Revista Pontos de Vista esteve à conversa com Carlos Zorrinho, Eurodeputado do PS, Membro efetivo da Comissão de Indústria, Investigação e Energia, sobre a Lei dos Serviços Digitais (DSA) e dos Mercados Digitais (DMA), que foi recentemente aprovada pelo Parlamento Europeu. Segundo o nosso entrevistado, caso esta transição seja bem-sucedida, “haverá um mercado mais robusto e com mais oportunidades para todos”. Saiba os motivos.

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O Parlamento Europeu é um importante fórum de debate político e de tomada de decisões a nível da UE. Na qualidade de Deputado e Relator do Regulamento dos Mercados Digitais em sede de Comissão da Indústria, Investigação e Energia, quais foram os grandes objetivos a que se propôs, no início das suas funções?
O Parlamento Europeu, além de ser um importante fórum de debate e de representação política dos cidadãos europeus, tem a capacidade de co-legislar, em conjunto com o Conselho, nas matérias que dizem respeito às políticas europeias. Sendo desde 2014 membro efetivo na Comissão de Indústria, Investigação e Energia (ITRE), tendo em conta a minha especialização académica e a minha experiência política, tenho dado particular atenção aos temas da transição energética e da transição digital, procurando abordar esses temas numa perspetiva progressista e sustentável, tendo em conta as prioridades do meu País, da União Europeia e do mundo.

No passado mês de junho, o Parlamento Europeu aprovou, com larga maioria, a Lei dos Serviços Digitais e a Lei dos Mercados Digitais. De que forma a aprovação e a entrada em vigor dos Regulamentos dos Mercados e dos Serviços Digitais é um passo histórico na evolução da UE?
A nova regulamentação dos mercados e serviços digitais pretende regular esses mercados com os mesmos princípios e valores que se aplicam aos mercados analógicos e que derivam dos princípios e valores comuns da parceria europeia e em particular do mercado comum de bens e serviços. Tendo em conta a crescente importância da economia digital na Europa e no mundo, a aprovação destes regulamentos define um espaço de diferenciação competitiva que é fundamental para a relevância e o sucesso da parceria. Num primeiro momento, pretende-se garantir que qualquer empresa que opere nos mercados europeus o faça como sendo europeia do ponto de vista do quadro legal que se lhe aplica. Se a aplicação dos regulamentos for bem-sucedida, num segundo momento, o objetivo é tornar o seu modelo de regulação um standard global, contribuindo para uma globalização mais justa, aberta, transparente, competitiva e focada nas pessoas, nos seus direitos e no seu bem-estar.

Neste processo, quais foram os contributos da Comissão da Indústria, Investigação e Energia e em que medida se tornaram determinantes para este acordo final obtido?
A Comissão ITRE teve uma competência transversal nos Regulamentos dos Serviços digitais (DSA) e dos Mercados Digitais (DMA), participando em todos os momentos da negociação, designadamente nos trílogos finais com o Conselho e com a Comissão. No que diz respeito ao Regulamento dos Mercados Digitais (DMA) e no quadro das suas competências mais específicas, os maiores contributos foram as normas que asseguram a interoperabilidade entre plataformas e utilizadores, a garantia de uma opção “opting-in” (receber se manifestar interesse) no que diz respeito à publicidade e criação de melhores condições de operação para as Pequenas e Médias Empresas e para as Startups.

Certo é, a UE tem agora regras atualizadas para lidar com as realidades dos mercados e serviços digitais. Para melhor entender, o que mudou?
Tendo consciência da forte concentração existente nos mercados e do papel dominante de algumas das plataformas, as novas regras baseiam-se no princípio da designação das grandes plataformas em linha de muito grande dimensão (DSA), os motores de pesquisa em linha de muito grande dimensão (DSA) e os controladores de acesso (DMA) como primeiros responsáveis por garantir a aplicação dessas regras, com o incentivo de desenvolverem de forma sustentada os mercados e os serviços e de evitarem serem multadas por incumprimento e de manterem um ecossistema justo e aberto de utilizadores e consumidores, como condição da sua própria sobrevivência enquanto parte desse ecossistema.

A Lei dos Mercados Digitais procura, entre outras questões, colocar termo aos abusos de posição dominante dos gigantes digitais e a práticas anti-competitivas. É legítimo afirmar que se estabeleceram condições equitativas para encorajar crescimento e inovação a estas empresas no espaço digital? De que forma?
Para impedir os abusos de posição dominante e garantir melhores condições, no contexto dos mercados digitais (DMA) será considerado controlador de acesso quem tiver realizado na UE um volume de negócios anual de pelo menos 7500 milhões de euros em cada um dos últimos três anos ou tiver uma capitalização bolsista no valor de pelo menos 75 mil milhões de euros e contar com pelo menos 45 milhões de utilizadores finais ativos mensalmente e pelo menos 10 000 utilizadores profissionais estabelecidos na UE.
Uma vez designados, os controladores de acesso aos mercados digitais deverão assegurar o direito de cancelar assinaturas indesejadas, não impor software no sistema operativo, assegurar a interoperabilidade das funcionalidades básicas das mensagens instantâneas, permitir o acesso a funcionalidades para criar novas aplicações, informar os vendedores dos seus dados de vendas e perfis de desempenho e impedir publicidade direcionada não autorizada. O não cumprimento destas atribuições será penalizada com multas de 10 a 20% do volume de negócios anual.
Face a este quadro legal é do duplo interesse dos grandes gigantes digitais exercerem de forma adequada a sua função de controlador de acesso, tendo em conta as fortes penalizações associadas a qualquer eventual incumprimento e o benefício que podem ter com o crescimento dinâmico de um mercado digital plural, inovador, criativo e sustentado, no quadro dos valores e dos princípios partilhados na União Europeia.

Os estímulos trazidos pelo mundo digital não nos devem, contudo, iludir quanto à natureza dos desafios que a Lei dos Mercados Digitais poderá trazer. No que concerne, por exemplo, às empresas tecnológicas, quais diria que são, por um lado, as oportunidades deste acordo e, por outro, os desafios que poderão emergir?
A nova regulamentação é simples de enunciar, mas será complexa de aplicar. No entanto vale a pena apostar no seu sucesso e ser possível ter um mercado único digital inspirado pelos princípios e valores comuns da União Europeia, que são chave da relevância, da autonomia estratégica e da competitividade da UE nos mercados digitais globalizados dos nossos dias.
O modelo subjacente à regulamentação é a criação de um ecossistema digital autorregulado pelos seus atores e monitorizado pelas instituições europeias, em particular pela Comissão Europeia, que se equipará para o efeito em articulação com os Estados membros. Fica assim claro que a grande oportunidade e a grande ameaça residem na dimensão sistémica da transição. Se for bem-sucedida, haverá um mercado mais robusto e com mais oportunidades para todos. Se falharmos, entraremos num contexto de salve-se quem puder, em que pelo menos no contexto da União Europeia em que acredito, não haverá vencedores.

O próximo ano está à porta e com ele as previsões daquilo que serão os meses futuros. Perante esta nova Lei, quais são as suas perspetivas na implementação da defesa dos cidadãos europeus no universo digital?
A Regulamentação dos Mercados Digitais insere-se num pacote mais vasto de transição digital que visa afirmar a União Europeia como uma potência relevante e altamente competitiva nos mercados globais no horizonte de 2030 (Década Digital). Regulamentos como os que vão definir a identidade digital para os cidadãos europeus, a governação e o uso dos dados, as regras para a aplicação da inteligência artificial ou as normas de proteção da privacidade e de desenvolvimento da cibersegurança são exemplos da opção que a União Europeia tem vindo a fazer para o desenvolvimento de uma sociedade da informação centrada nas pessoas, nos seus direitos e no seu bem-estar. Estas opções têm vindo a ser desafiadas quer internamente quer externamente pelos que se opõem a uma europa democrática, soberana, livre, tolerante e plural. Neste contexto, a defesa dos cidadãos europeus depende em primeiro lugar deles próprios. das suas opções de cidadania. Do seu sentimento de serem europeus e estarem dispostos a lutar por aquilo que isso significa, na vida e também no mundo digital e nos mercados que o integram.