“Ainda estamos formatados para relacionar os cargos de dirigentes, especialmente os superiores, ao género masculino”

Sandra Simões assume-se uma mulher resiliente, lutadora e com capacidades de liderança. Acredita que um bom líder é aquele que comunica e que “não fica atrás da sua secretária”. Em entrevista à Revista Pontos de Vista, a Vogal do Conselho Diretivo do IMPIC - Instituto de Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção, deixou a sua opinião sobre a importância do papel da mulher na sociedade, mas também falou dos fatores-chave para a construção de um percurso de sucesso na liderança de uma empresa.

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Num autêntico dia de “Sol de Inverno”, tal como diz o título da canção de Simone de Oliveira, a Revista Pontos de Vista foi recebida nas instalações do IMPIC, localizado no coração de Lisboa. Estávamos no sétimo andar do prédio na grandiosa sala de reuniões do IMPIC, que foi o palco eleito para a conversa com Sandra Simões, Vogal do Conselho Diretivo, e respetiva equipa. O Dia Internacional da Mulher, que se celebra no dia 8 de março, foi o mote principal para a realização da entrevista.

Com essa efeméride em pano de fundo, começamos por desafiar a entrevistada a definir-se, enquanto mulher e profissional. A mesma, sem hesitar retorquiu “eu não baixo os braços e não atiro a toalha ao chão”, acrescentando que se considera “perfeitamente capaz de estar em cargos de liderança”, trabalhando, diariamente, em prol “do verdadeiro serviço público”.

E neste capítulo, a interlocutora esclareceu que, a título pessoal, “nunca senti dificuldades em ser nomeada para cargos de liderança por ser mulher”. Todavia, admitiu que existem outros tipos de entraves, chegando a escolher dois: a vertente social, dos conhecimentos, e a política. Já no decorrer das funções num cargo de dirigente superior, Sandra Simões confessou que há, “claramente, um tratamento distinto no contacto com outras entidades e parceiros. As mulheres continuam a não ser vistas de igual para igual”. Para a Vogal do Conselho Diretivo do IMPIC, estas situações são mais fáceis de encarar e superar quando a mulher se faz valer das suas competências profissionais.

Relativamente ao Dia Internacional da Mulher, a entrevistada revelou que, atualmente, a data continua a ser importante porque “a mulher ainda tem que estar a demonstrar o seu valor, constantemente. Ainda estamos formatados para relacionar os cargos de dirigentes, especialmente os superiores, ao género masculino”.

E neste longo caminho para atingir a equidade, como Sandra Simões prefere apelidar, existem, para a mesma, vários intervenientes. Em primeiro lugar, a responsabilidade passa pelas organizações, que, na opinião da interlocutora, devem promover ações de formação e sensibilização e “claro, criar oportunidades para que a mulher possa ser líder” e ao mesmo tempo cumprir outros papéis. Em segundo, estão as escolas, enquanto meio que educa a próxima geração, lado a lado com os encarregados de educação.

Ainda neste tópico, a Vogal do Conselho Diretivo não deixou de falar do panorama que se vive na Administração Pública: “penso que a sensibilização parte de quem decide e contrata. A verdade é que temos que cumprir com o Plano da Igualdade e uma série de quotas e metas, mas, efetivamente, na minha opinião, isso são meros relatórios, que até fazemos e publicamos, mas, que, depois ninguém presta atenção. Por isso, temos que passar da burocracia para a prática, que é algo mais complicado”.

Direcionando o foco para o IMPIC, Sandra Simões garantiu que o Instituto cumpre com o Plano de Igualdade e concretiza as ações de formação e sensibilização.

Os desafios, as mais-valias e requisitos para uma liderança

“O verdadeiro líder não tem necessidade de liderar – contenta-se em apontar o caminho”. Este pensamento atribuído a Henry Miller, escritor norte americano, «transporta-nos» para um outro assunto também discutido com Sandra Simões – a liderança. Tendo em conta o trajeto profissional da nossa entrevistada, pautado por diferentes experiências profissionais em altos cargos administrativos, podemos afirmar que liderar está na génese da mesma.

“Saber liderar é algo muito difícil, principalmente, porque nós quando lideramos estamos a lidar com pessoas. E eu costumo dizer, às vezes, que o trabalho não é difícil, as pessoas é que são difíceis”, porque, ao longo do tempo “vamos encontrando pessoas com formas de ser e estar diferentes, e é preciso ter capacidade para lidar com todas essas diferenças”, assumiu a interlocutora.

Mas, afinal o que é liderar? A esta questão da Revista Pontos de Vista, a Vogal do Conselho Diretivo do IMPIC deu uma resposta muito célere, mas vincada.  “Há pessoas que pensam que ser bom líder é agradar a todos, é importante sim conciliar opiniões, mas não é isso que significa liderar. Liderar é escutar todos os elementos de uma equipa, analisar aquilo que é o bem-maior de uma organização e, depois, decidir, sem medos. Um líder deve saber estar à frente e apontar o caminho e a visão, envolvendo todos e transmitindo confiança no futuro. Deve saber estar ao lado, motivando as equipas. E deve estar por trás, a olhar para a organização e a resolver obstáculos e desafios, pro vezes, ‘empurrando’.”

Ainda neste ponto, Sandra Simões salientou que “um líder não deve ficar atrás da sua secretária. É importante que esteja ao lado das equipas, para conhecer o trabalho que elas fazem e reconhecer o esforço e os obstáculos que têm”. Além disso, a interlocutora sublinhou que um bom líder também deve “saber escutar”, comunicar e ter humildade para reconhecer os seus erros. A Vogal confessou ainda que existem certos traços de personalidade de uma mulher que favorecem a construção de um trajeto de liderança, como por exemplo, a proatividade, a resiliência e a capacidade de realizar várias tarefas ao mesmo tempo.

Antes de finalizarmos a conversa, Sandra Simões mencionou que, enquanto sociedade, “ainda temos um longo caminho a percorrer para se atingir a equidade”, embora reconheça que “tem sido feito um trabalho” mais interventivo, neste aspeto. “A mulher tem todas as competências e valências para ser uma líder, seja em que matéria for, apesar de ser mais associada às áreas das Ciências Humanas, nomeadamente, a social e a educação”, referiu ainda, em jeito de resumo.

E terminamos esta «viagem» tal como começamos, ou seja, a falar de mulheres. “Para mim, é um orgulho poder trabalhar, lado a lado, com estas mulheres”, concluiu Sandra Simões, com um sorriso nos lábios, ao referir-se às cinco mulheres que compõem os diferentes departamentos do IMPIC.

IMPIC no Feminino

Grande parte da equipa do Instituto de Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) é composta por mulheres. Nas próximas linhas, seis profissionais desta instituição abordam a forma como o género feminino, ao longo dos últimos anos, tem vindo a pautar a sua relevância no universo empresarial.

Carla Ribeiro

Diretora da Direção de Qualificação e de Licenciamento

Como é que é ser mulher e profissional num setor que é, maioritariamente, exercido por homens? Sente algumas dificuldades?

Não, até hoje não sinto. Já estou neste Instituto há muito tempo e nunca senti essa dificuldade. Nem diferença, quer nas funções, quer no dia a dia. Poderia ser uma incapacidade para continuar em frente e lutar para chegar a este cargo de direção, mas nunca tive essa questão.

Como é que é trabalhar no IMPIC, ou seja, numa empresa que valoriza o papel da mulher na sociedade?

É bom. É gratificante. Estou aqui há 30 anos, já tenho uma experiência longa para poder dizê-lo. Tem sido um percurso composto de um ensinamento e evolução muito grande. Claro que, já dei por mim a pensar que se tivesse saído se teria tido um percurso de vida diferente, se teria tido uma experiência diferente, acho que deveria ter feito, pois poderia ter tido algum crescimento a outro nível. Mas, é uma questão de adaptação. O percurso pessoal e profissional, muitas vezes, faz-nos manter uma estabilidade para que quem está connosco, neste caso o meu marido e os meus filhos, possam evoluir em outras questões. Foi muita a questão da estabilidade, não deixando de lutar pelo interesse que tinha em evoluir.

Que mensagem gostaria de deixar às nossas leitoras, relativamente, à celebração do Dia Internacional da Mulher?

Acreditem em vós, é o melhor que podemos ter.

Lucinda Gaspar

Diretora de Direção Jurídica e de Contratação Pública

Como é que é ser mulher e profissional num setor que é, maioritariamente, exercido por homens? Sente algumas dificuldades?

Eu nunca senti essa questão de mulher/homem. E também nunca senti, pelo facto de ser mulher, que poderia ter tido outras oportunidades. O que eu senti, efetivamente, na questão de ser mulher, foi na minha vida pessoal. E aí tenho que agradecer ao IMPIC por aceitar contratar mulheres, que são mães.

Como é que é trabalhar no IMPIC, ou seja, numa empresa que valoriza o papel da mulher na sociedade?

No meu caso, sou mãe e separada, e o IMPIC não se importa com essa questão. Ou seja, se estiver no meio de uma reunião e a minha filha me ligar, tenho a liberdade de sair da reunião. Nem todos os serviços têm esse cuidado com as mulheres. Mas, no IMPIC há. Aqui, a questão de ser mãe nunca foi um entrave para a minha carreira de dirigente. E é de louvar o IMPIC, pelo facto de ter este cuidado. Hoje em dia, dá-se menos privilégios à mulher também por esta questão, porque os filhos tomam um papel tão importante na nossa vida, que até parece que o trabalho é secundário, mas não é. Este equilíbrio para a mulher é muito difícil, portanto aqui o mérito é mesmo do IMPIC. Trabalhar aqui é gratificante, singular e um privilégio.

Que mensagem gostaria de deixar às nossas leitoras, relativamente, à celebração do Dia Internacional da Mulher?

A mulher é tudo. A mulher é o equilíbrio. Eu acho que somos de facto supermulheres. Até o equilíbrio do homem, muitas vezes, passa por uma mulher. Uma mulher é guerreira. Penso que o Universo é perfeito por termos mulheres. Isto, não seria tão interessante se houvessem só homens.

Catarina João

Chefe de Departamento Financeiro

Como é que é ser mulher e profissional num setor que é maioritariamente exercido por homens? Sente algumas dificuldades?

A minha experiência mostrou-me que não existem dificuldades acrescidas em função de ser mulher, e por isso sinto que não tive de suprimir obstáculos adicionais no meio profissional derivados de ser mulher. Tanto é que, nas minhas duas últimas mudanças profissionais estava grávida. A equidade, o mérito e o reconhecimento das competências acabam por ser valorizados, em detrimento do género.

Como é que é trabalhar no IMPIC, ou seja, numa empresa que valoriza o papel da mulher na sociedade?

É um orgulho. E não só a nível pessoal, mas também, porque fazemos parte de uma sociedade e intrinsecamente desejámos deixar um legado de exemplo. Trabalhar com Conselhos Diretivos que nos permitem desenvolver competências, conciliando a vida profissional com a familiar, é considerar o equilíbrio que qualquer mulher deseja.

Que mensagem gostaria de deixar às nossas leitoras, relativamente, à celebração do Dia Internacional da Mulher?

As mulheres devem lutar pela sua realização profissional e pessoal, sem abandonarem a sua energia feminina. Eu acredito que, a competência acompanhada de consistência devolve resultados. Que apostar no trabalho de desenvolvimento emocional resulta num benefício e fortalecimento mental, auxiliando-nos, enquanto mulheres, na tomada de decisões que nem sempre são fáceis de implementar.

Cláudia Guerreiro

Coordenadora da Equipa de Projeto da Contratação Pública Eletrónica

Como é que é ser mulher e profissional num setor que é maioritariamente exercido por homens? Sente algumas dificuldades?

Para mim não tem sido uma tarefa muito fácil. Estou há cinco anos no IMPIC e trabalho na área de informática e só por aí trabalho, maioritariamente, com homens. E há sempre uma sensação de que eles estão mais preparados, ou de que eles sabem mais da matéria. E depois, há a questão da formação. Se não tivermos uma formação equivalente aos homens, nesta área, estamos em completa desvantagem. Sinto isso e sinto uma obrigação de me formar, autonomamente, e de criar competências para conseguir estar ao nível daquilo que me é exigido. Tem sido um percurso extremamente desafiante e difícil. E acho que foi isso que me levou do setor privado para o público. Não há dúvida que o respeito pela Igualdade, pelo trabalhador e, principalmente, pela mulher está presente na Administração Pública.

Como é que é trabalhar no IMPIC, ou seja, numa empresa que valoriza o papel da mulher na sociedade?

É uma dádiva podermos trabalhar no IMPIC com essas condições. É gratificante.

Que mensagem gostaria de deixar às nossas leitoras, relativamente, à celebração do Dia Internacional da Mulher?

Julgo que a mensagem a passar é que temos que nos acomodar à ideia de que não vamos deixar de ter muitos papeis, enquanto mulheres. Mas, nós conseguimos teres diferentes papéis, pois, de facto, temos uma capacidade infindável. Além disso, temos que acreditar nas nossas capacidades e sonhos, enquanto mulheres e profissionais.

Cláudia Mendes

Diretora da Direção Administrativa e de Recursos Humanos

Como é que é ser mulher e profissional num setor que é, maioritariamente, e exercido por homens? Sente algumas dificuldades?

Aqui, nunca senti, até porque somos maioritariamente mulheres. Fora do IMPIC, já senti algum tipo de discriminação, posso considerar assim. Por exemplo, quando estive responsável pela área de informática, onde há muitos homens, senti, algumas vezes, que o meu trabalho era questionado e que causava, em algumas pessoas, um certo melindre, pelo facto de ser mulher. Mas isso, nunca me fez desistir, nem baixar os braços, pelo contrário, na maioria das vezes estas situações ainda me dão mais força!

Como é que é trabalhar no IMPIC, ou seja, numa empresa que valoriza o papel da mulher na sociedade?

No IMPIC sempre me senti bem acolhida e respeitada. Nos últimos anos, os elementos do Conselho Diretivo foram sempre homens, que sempre foram muito corretos e entenderam o meu papel de mulher e de mãe. Agora, o atual Conselho Diretivo tem, finalmente, uma mulher na sua composição e considero que é uma mais-valia. Ao haver uma presença feminina na gestão de topo, as decisões são mais coesas e olha-se para o Instituto como um todo. É um elemento agregador, no fundo.

Que mensagem gostaria de deixar às nossas leitoras, relativamente, à celebração do Dia Internacional da Mulher?

Eu gostava muito que daqui a alguns anos não tivesse de existir o Dia Internacional da Mulher, porque acho que isso significava que estávamos todos em pé de Igualdade. Enquanto tiver de existir o Dia Internacional da Mulher, significa que ainda há mulheres que não têm as mesmas oportunidades dos homens. Enquanto não há Igualdade, este dia é importante para chamar atenção para alguns factos. Ou seja, lembrar que há mulheres que não têm possibilidade de ter uma carreira profissional, nem de ter um papel participativo na sociedade. E que há mulheres que, todos os dias, são assediadas e agredidas. É importante chamar atenção para isto, pois é preciso fazer alguma coisa para mudar. Ao nível da igualdade de género na Administração Pública, considero que, ainda assim, a situação me parece mais igualitária do que no setor privado. Por exemplo, ao nível da direção intermédia, já se vêm muitas mulheres, com cargos de liderança. Contudo, ao nível da gestão de topo já não é assim, aí são mais os homens a liderar. Por isso, ainda há necessidade de se aplicar quotas, quando devíamos era caminhar para um cenário onde não tenham de existir números impostos para que as mulheres consigam chegar à gestão de topo das organizações, tanto públicas, quer como privadas. A seleção deve ser feita apenas por mérito e avaliação de competências.