O Dia Mundial do Sono celebra-se a 17 de março e trata-se de uma iniciativa da Associação Mundial do Sono. Enquanto Psicóloga e Fundadora da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono, como define a importância desta data?
A celebração desta data é fundamental para sensibilizar as pessoas para a importância do sono. É evidente que dormimos o ano inteiro e a proteção do sono não se deve resumir ao mês de março, mas é uma excelente oportunidade para lançar campanhas inovadoras e que motivem as pessoas para a mudança de hábitos relacionados com o sono, que é um pilar essencial para a nossa saúde e bem-estar.
O sono tem impacto sobre todos os aspetos da vida e a sua má qualidade pode ser responsável por vários problemas orgânicos ou psicológicos. Em que medida uma boa relação com o sono é a chave para garantir o bem-estar físico e mental e qualidade de vida?
Costumo dizer que, não fazemos bem o que não percebemos, ou não gostamos. Quando as pessoas ignoram os mecanismos e funções do sono, têm maior tendência a desvalorizá-lo. Por outro lado, quando se dorme mal, há bastante tempo, também é mais fácil desistir de proteger o sono, assumindo que a má qualidade do sono é uma fatalidade. Um dos objetivos da nossa equipa, é precisamente inverter estas tendências, investindo na literacia para o sono e na mudança de atitudes sobre este tema. As nossas intervenções na comunidade passam muito por tornar o sono mais “cool”, mais atrativo e interessante para todas as faixas etárias e contextos. Além disso, queremos passar a mensagem de que o sono não deve ser valorizado apenas em caso de emergência, mas sim todos os dias.
Em tempos, a Associação Portuguesa do Sono afirmou que o maior risco à qualidade do sono é a falta de respeito que há por ele. Quer isto dizer que ainda não se valoriza o sono como algo essencial para a nossa saúde? Em que medida é necessário combater uma possível cultura enraizada na população de dormir pouco e sem regra?
Por vezes, não existe na população uma associação clara, entre a qualidade do sono e o impacto na saúde e bem-estar. Parece que tudo é mais importante que o sono, que fica, frequentemente, de lado até se arranjar tempo. Sabemos que a regulação do peso, o risco de lesões e a capacidade de concentração têm uma estreita relação com a forma como dormimos, embora nem sempre se chame a atenção para isso. Toda a gente quer andar bem durante o dia e muitas vezes o que bastava era valorizar o papel crucial que o sono tem para a saúde, qualidade de vida e até longevidade. Apesar disso, penso que em Portugal têm surgido, nos últimos anos, bastantes iniciativas e projetos, que permitem alargar o acesso das comunidades ao conhecimento científico na área do sono. A meu ver, é muito importante que se perceba o quão sensíveis somos às alterações no padrão de sono e que cada um de nós tem necessidades diferentes.
Dormir não é, de facto, uma perda de tempo nem um mero estado de repouso. Para melhor entender, que consequências físicas e mentais advêm da privação do sono a longo prazo?
A longo prazo, quem dorme mal pode vir a ter dificuldades cognitivas, nomeadamente, redução da memória, atenção e criatividade, dificuldade em regular as emoções, em manter um peso estável, enfraquecer o sistema imunitário, aumentar o risco de problemas cardiovasculares, maior tendência para acidentes, lesões e problemas de saúde mental. Em resumo, dormir mal não é trivial e os riscos são muitas vezes silenciosos, até se manifestarem mais tarde, de forma severa. Podemos dizer que, dormir bem e o suficiente é essencial para garantir saúde e bem-estar em geral. Uma boa parte das pessoas só pede ajuda para os problemas de sono numa fase de desespero, ignorando as vantagens de intervir precocemente nos distúrbios de sono. Outras, nem sabem que existem doenças do sono, acreditando que se tratam sempre de “fases” que vão melhorar com o tempo.
A Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono desenvolve atividades de promoção da saúde mental e da qualidade do sono, propondo uma abordagem multidisciplinar que integra diferentes valências de natureza clínica, formativa, educativa e comunitária. Assim, que soluções podemos aqui encontrar?
A nossa equipa procura assegurar uma tarefa nem sempre fácil: estreitar a ligação entre a comunidade, a atividade clínica e a investigação científica. Para isso, temos pessoas de áreas como Psicologia, Neurociências, Cronobiologia, Osteopatia, Nutrição e várias especialidades dentro da Medicina. Embora nos dediquemos a muitas áreas para além do sono, é esse o tópico que nos une, com a Psicologia do Sono no centro da nossa especialização. Enquanto pioneiros nesta área, a nossa visão é sermos um referencial científico nas diferentes valências do nosso trabalho: o atendimento clínico, a formação, a consultoria e a educação do sono em escolas.
Um dos nossos focos tem sido a inovação dos serviços associados ao tratamento dos distúrbios do sono. A ferramenta mais diferenciadora na qual temos investido é o Check-up Sono, uma forma de despistar distúrbios e reforçar os aspetos mais favoráveis para o sono de cada pessoa. Pode ser realizado individualmente, ou também oferecido pelas empresas aos seus colaboradores. É um instrumento original, com a nossa assinatura, totalmente personalizado e que foge à tradicional abordagem das “dicas” para dormir melhor, que habitualmente são indiferenciadas e podem até ser pouco fundamentadas. Para além disso, desenvolvemos alguns modelos específicos para a intervenção clínica e temos um novo programa de educação do sono em fase piloto.
A ligação ao meio científico permite-nos estar em constante atualização e garantir que os métodos que utilizamos são realmente eficazes para ajudar as pessoas a dormir melhor, a ter uma melhor relação com o sono e a promover qualidade de vida e bem-estar. Confesso que, estou orgulhosa do trabalho que temos feito, sobretudo porque celebramos agora apenas dois anos de projeto.
A primeira linha de intervenção na área do sono é sempre a prevenção e a sensibilização. Neste sentido, a equipa da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia & Sono tem desenvolvido várias campanhas de sensibilização. Qual a mensagem que querem passar no Dia Mundial do Sono este ano?
“Durma com sonhos, acorde com propósitos” – este é o ponto de partida para a campanha que lançamos, em conjunto com a Gasoxmed.
No ano passado, chamamos a atenção para a importância do sono, mas é preciso mais do que isso, é preciso motivar as pessoas para a mudança efetiva do estilo de vida. Saber é relevante, mas queremos mais do que isso. Queremos provocar uma vontade absoluta de proteger o sono. Dormir não devia ser sentido como um luxo, mas sim como uma necessidade de primeira linha.
Para quem se queixa de “não conseguir desligar” à noite para ir dormir, o nosso desafio é colocar o MODO SONO ON. É evidente que não basta carregar num botão para adormecer de forma instantânea, mas existe um momento de tomada de decisão importante na hora de terminarmos o dia e começar a entrar progressivamente no MODO SONO! A nossa campanha foca-se na capacitação de todos os que precisam de melhorar a qualidade do seu sono. E já agora, na mudança de paradigma de que estamos “OFF”, enquanto dormimos… Na realidade, estão “ON” uma série de funções que ocorrem exclusivamente durante o sono, e se as pessoas perceberem melhor as funções do sono talvez o possam proteger mais.
Muitas vezes pode ser difícil distinguir o sono normal do patológico. Que sinais de alerta a sociedade deverá estar atenta e como proceder neste seguimento?
Há uma ideia errada de que dormir mal é “normal”, uma espécie de fatalidade. A verdade é que todos temos noites piores, mas há que procurar ajuda especializada, quando os problemas de sono interferem na qualidade de vida, no desempenho profissional, ou nas relações interpessoais. Para além disso, é importante avaliar o sono quando as dificuldades de sono persistem, durante mais de 3 semanas e não se alteram com mudanças consistentes no estilo de vida. Também se deve consultar um especialista em sono, se existirem outros sintomas físicos, ou psicológicos, para além das queixas de sono.