“Enquanto a mentalidade machista persistir, estaremos a desperdiçar grandes Mulheres em cargos de liderança e gestão”

Zita Freire, CEO do Grupo FF, grupo de restauração em Portugal, define-se como “focada e persistente”, estando sempre à procura “de mais conhecimento”. Na entrevista com a Revista Pontos de Vista, a empreendedora abordou os principais pontos para o sucesso da marca que lidera e ainda analisou o papel da Mulher na sociedade.

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A Zita Freire é atualmente CEO do Grupo FF. Sabemos que possui um currículo vasto pautado por diferentes desafios profissionais no ramo empresarial. Tendo em conta a sua experiência, começo por lhe perguntar como se carateriza enquanto profissional?

Sempre fui muito focada e persistente, talvez sejam essas as duas características que melhor me caracterizam, enquanto profissional. Além do foco, sou muito curiosa, procuro constantemente mais conhecimento, em especial nas áreas em que trabalho.

Uma das questões que ainda se impõem um pouco por todo o mundo é a igualdade de género. Neste sentido, sendo uma líder empresarial, quão importante é celebrar o Dia Internacional da Mulher?

Respeito o Dia Internacional da Mulher é importante para analisar a distância que já foi percorrida, mas sobretudo o que ainda temos pela frente. Por muito que se fale de igualdade de género, ainda existe uma forte componente cultural que nos impede de sermos iguais, isto é, com oportunidades iguais. O maior desafio é a mudança de mentalidades, a cultura machista e preconceituosa não está preparada para ser contrariada, o mundo sempre foi liderado por homens e esta mudança traz desconforto, mas é um caminho que temos que percorrer. Há um provérbio muito utilizado, até por mulheres, e que demonstra isso mesmo “por detrás de um grande homem está uma grande mulher” porquê por detrás e não ao lado? Fica a questão.

Nos dias de hoje, lidera o Grupo FF, um grande grupo na área da restauração em Portugal. O Grupo assume-se como um player de prestígio no setor da restauração em Portugal. Portanto, qual é que tem sido o elemento-chave para o caminho de reconhecimento nacional que têm construído?

É um enorme orgulho e responsabilidade liderar um grupo tão prestigiado e repleto de pessoas fantásticas. O reconhecimento vem naturalmente quando construímos um percurso baseado em valores e metas bem definidas que são a materialização da visão que desenhamos para a empresa. Outro aspeto importante, é a autoconfiança, isto é, não ter medo do fracasso sabendo de antemão que é indispensável e inevitável para todos os querem ter sucesso.

Voltando ao tema principal da conversa. Como é que o Grupo FF contribui para as questões da igualdade de género e de oportunidades?

Acredito que tal como as escolas, as empresas são um grande laboratório de comportamento humano e que nela temos o poder de desconstruir o racismo, a xenofobia, o preconceito e a desigualdade. Compete aos empresários, desenvolverem culturas empresariais nesse sentido e metê-las em prática. No nosso caso em particular, damos igualdade de oportunidades em todas as categorias da empresa: igualdade na tabela salarial (parece-nos óbvio, mas ainda existe discrepância) e recrutamento igualitário.

O envolvimento do Grupo FF em eventos de prestígio nacional para o espectro feminino, como por exemplo a Supertaça de Futebol Feminino, também é uma forma do Grupo chamar a atenção para a participação da mulher em diferentes ramos de atividade?

A mudança de mentalidades também acontece em eventos culturais e desportivos, assim sendo, apoiamos eventos que abordam o tema, como a Supertaça de Futebol Feminino, assim como o apoio em ações muito particulares, como no Dia Internacional da Mulher de 2022 doamos bens essenciais femininos às mulheres ucranianas, em parceria com a Renova.

Ainda acerca da efeméride, de extrema importância para as mulheres, que é o Dia Internacional da Mulher. Que análise perpetua do papel feminino no universo empresarial? Ainda existe um longo percurso a desbravar no seio das organizações para se atingir a equidade?

No universo empresarial, as mulheres ainda são vistas com desconfiança, necessitamos de demonstrar melhores resultados, menos erros, dar mais garantias, por haver sempre uma desconfiança crónica simplesmente por sermos mulheres. As mulheres terão dificuldades acrescidas que podemos ver por patamares de desigualdade, ora vejamos:

As mulheres empresarias que são mães ainda terão este papel acrescido que é o esforço de ter que ser duplamente perfeita, ter uma empresa de sucesso educando os filhos exemplarmente com bons resultados académicos e especialmente felizes. Além de mães, são mulheres e terão que ser ótimas gestoras domésticas onde nada poderá falhar porque se isso acontecer é porque terão a mania de serem empresarias. Além de tudo isto, terão que ter sempre um aspeto naturalmente cuidado porque se assim não for não estarão felizes no cargo que desempenham.

Para atingir a equidade deverá haver o esforço cultural de não colocar o peso nas costas das mulheres, por exemplo: se um empresário (homem) for a reuniões de negócio fora do país e deixar os filhos, não haverá problema, porque estará a mãe a cuidar e isso será o normal, mas se for uma mulher empresária a deixar os filhos já haverá uma conotação negativa por estar a negligenciar os filhos e inconscientemente isso pesará na mulher. Apesar de já haver mudanças, esta mentalidade ainda persiste.

Ao longo da sua carreira, em algum momento, o facto de ser mulher foi um entrave para a realização dos seus objetivos profissionais?

Nunca deixei que o facto de ser mulher fosse um entrave à minha realização profissional, mas tenho plena consciência que tal nunca aconteceu por eu ter uma família que me apoia, sem esse suporte familiar, não tenho dúvidas que não estaria onde estou.

Segundo o Barómetro das Empresas Familiares apresentado no ano passado pela consultora KPMG, dos CEO que, estavam em funções na altura em que foi realizado o inquérito, apenas 5% eram mulheres. Esta é uma percentagem muito diferente do cenário europeu. Sendo uma CEO, na sua perspetiva, que fator pode estar relacionado com esta realidade?

Como já referi, a mentalidade tem um grande peso e em contexto de empresas familiares ainda mais. O machismo leva a que as mulheres fiquem em segundo plano na vida empresarial e nesse cenário havendo um homem para gerir não será uma mulher. Infelizmente, essa realidade ainda persiste e a prova são esses números. A competência não está no género, de quem dirige, mas num conjunto de características que tornam a pessoa mais ou menos capaz de desempenhar o cargo. Enquanto a mentalidade machista persistir, estaremos a desperdiçar grandes mulheres em cargos de liderança e gestão.

Ainda no mesmo tópico de conversa, é da opinião que o Estado português e as empresas privadas deveriam implementar mais ações de formação na área da liderança, no sentido de apoiar e impulsionar as mulheres a enveredarem por altos cargos administrativos?

Acredito que cada mulher chega onde se propõe a chegar, desta forma acredito que estas ações começam nas escolas, seria muito importante haver formação/sensibilização para estes temas. A discrepância entre homens e mulheres em altos cargos administrativos não está na capacidade de liderança, mas nas oportunidades que são dadas às mulheres para a desempenhar. Existem muitas desigualdades em todos os setores pegando no exemplo da cozinha, basta ver que não há nenhuma mulher portuguesa com Estrela Michelin, por muito que se fale em igualdade, a verdade, é que não passa de um chavão bonito, ainda estamos longe da sua concretização.

A sociedade está cada vez mais consciente do papel da mulher na sociedade e nas organizações. Mas, a verdade é que ainda há um longo caminho a percorrer. Sente que as escolas também têm um papel de extrema importância na promoção de valores que respeitem a igualdade de género?

As escolas são fundamentais para alavancar esta mudança de mentalidades e penso que já está francamente melhor, só assim poderá haver mudança de atitudes. Realizar ações para que as crianças e jovens possam respeitar as diferenças, desmistificar os géneros das profissões e que apesar de diferentes todos deveremos ter as mesmas oportunidades.

Por último, como perspetiva os próximos tempos do Grupo FF? E que conselhos pretende deixar às nossas leitoras, que tal como a Zita Freire pretendem trilhar um caminho de liderança no mundo empresarial?

Prevejo que, sejam tempos de crescimento, até porque já temos um grande projeto que irá iniciar em Leiria, mantendo o crescimento de todas as marcas do grupo. A todas as mulheres que queiram trilhar o caminho de liderança aconselho que sejam persistentes e que não se deixem desanimar por comentários menos bons. Somos capazes de tudo, portanto foquem-se na vossa meta e sigam o caminho, nenhum obstáculo é mais forte que a nossa vontade.