“Nunca senti que o facto de ser Mulher representasse algum obstáculo”

Se num passado não muito longínquo não seria muito comum ver Mulheres no universo da construção civil, hoje o panorama, felizmente, começa a mudar e começamos a ver, cada vez mais, Mulheres a singrar neste setor, outrora demasiado masculinizado. Fomos conhecer um exemplo dessa alteração de paradigma e estivemos à conversa com Sónia Oliveira, Secretária-Geral da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, uma Mulher que nunca sentiu qualquer desequilíbrio ou falta de oportunidades pelo facto de ser Mulher, mas que entende que é necessário continuar a reforça o papel da Mulher na sociedade.

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A AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas, assume-se como uma instituição de domínio nacional, representante de um universo de mais de seis mil empresas que integram o setor da construção e áreas de atividade relacionadas. Qual tem sido o papel da entidade na proteção dos interesses dos seus associados e do setor?

A AICCOPN representa as empresas da Fileira da Construção e do Imobiliário, desenvolvendo a sua atividade em todo o território nacional. Em 13 de agosto de 2022, celebramos o seu 130º Aniversário, o que é um motivo de orgulho, quer pela nossa história e os muitos desafios que a caracterizam, quer pela evidência de credibilidade no mercado e da confiança das empresas.

A nossa principal missão é a defesa dos interesses das empresas que representamos e o desenvolvimento estratégico do Setor, capacitando as nossas Associadas, em prol do desenvolvimento da nossa economia e do nosso País.

A AICCOPN presta Serviços Especializados, direcionados para as necessidades das Empresas que operam no Setor da Construção e do Imobiliário, designadamente, nas áreas de Engenharia e Alvarás, Jurídicos e Laborais; Economia e Fiscalidade; Apoio à Internacionalização e Formação. Além dos Serviços diretamente prestados, asseguramos, pela via protocolar, Serviços de Medicina no Trabalho, Segurança no Trabalho e Seguros. Desta forma, os(as) Associados(as) usufruem de um apoio abrangente, que responde às suas necessidades em todas as vertentes.

A Associação está representada em todos os organismos que tutelam e regulam a atividade do Setor da Construção e do Imobiliário, integrando um alargado conjunto de Entidades. Destaco a presidência que assume na CPCI – Confederação Portuguesa da Construção e do Imobiliário.

Analisando a realidade atual, quais diria que são os principais problemas do setor da construção em Portugal?

Os principais problemas que afetaram a atividade das empresas do Setor da Construção e do Imobiliário durante o ano de 2022, e que se prevê que se mantenham em 2023, foram a falta de mão de obra, e o aumento do custo das matérias primas, da energia e dos materiais de construção.

A falta de trabalhadores no Setor da Construção, estimada em cerca de 80 mil, encontra-se espelhada no último inquérito à situação do Setor realizado pela AICCOPN, referente ao 3º trimestre de 2022, no qual, 82% das empresas que operam no segmento das obras privadas e 72% das empresas no segmento das obras públicas, referem a falta de mão de obra especializada como um dos principais constrangimentos à sua atividade. Não obstante esta falta de trabalhadores, regista-se um aumento significativo do emprego assegurado pelo Setor, que, de acordo com os últimos dados disponíveis, observou um crescimento de 9%, em termos homólogos, no 3º trimestre de 2022, para o nível mais elevado dos últimos 10 anos.

Segundo dados do último inquérito efetuado pela AICCOPN à situação do Setor, o problema do aumento dos preços das matérias primas, energia e materiais de construção afetava 83% das empresas que atuam no segmento das obras privadas e 73% das empresas do segmento das obras públicas.

A verdade é que Portugal e o mundo continuam a ser confrontados com os sucessivos impactos de uma guerra, de pressões inflacionistas e de problemas nas cadeias globais de produção e distribuição. De que forma é que este panorama tem provocado dificuldades no setor e de que forma é que a AICCOPN tem vindo a trabalhar para minimizar esses obstáculos?

O rápido crescimento da inflação, que se assistiu em 2022, teve duas principais consequências no setor da Construção e do Imobiliário: a subida das taxas de juro, criando maiores dificuldades na aquisição de alojamentos com recurso a crédito hipotecário, e o aumento do custo de construção e de reabilitação dos imóveis.

Na procura das melhores soluções para se ultrapassar as dificuldades e constrangimentos sentidos pelas empresas que atuam na fileira da Construção e Imobiliário, a AICCOPN encontra-se em permanente contacto com o Governo manifestando, sempre que, necessário as suas preocupações, com a apresentação de propostas concretas para resolução dos problemas.

Com o intuito de solucionar estes problemas, de modo a assegurar a continuidade dos projetos em curso, a execução dos investimentos planeados e a salvaguarda das empresas, o Governo aprovou um Regime Excecional de Revisão de Preços. Este regime, criado para ser um importante instrumento para mitigar os efeitos da subida abrupta dos preços, tem, contudo, revelado dificuldades de aplicação prática, pelo que é necessária a publicação de normativos claros para aplicação deste regime. Neste âmbito, convém ainda referir que apresentamos ao Governo outros instrumentos que consideramos eficazes e decisivos para que Portugal possa, como é esperado, tirar partido dos recursos comunitários do PRR e, ainda, do Portugal 2020, colocando-os ao serviço da retoma económica e da melhoria do posicionamento competitivo e estratégico do nosso País.

A Sónia Oliveira assume atualmente a pasta de Secretária Geral da AICCOPN. Antes de tudo, conte-nos um pouco do seu trajeto até chegar a esta posição. Que análise perpetua desta jornada?

O meu trajeto tem sido muito desafiante. Desde os 18 anos que trabalhei e estudei. Fiz formação superior, a par de ter constituído família e de agarrar as oportunidades que foram surgindo na AICCOPN. Este caminho foi acompanhado com formação complementar, em diversos âmbitos, desde segmentos mais direcionados para a profissão, como a certificação profissional em formação de formadores e outras, até às áreas de desenvolvimento pessoal, como a formação em Geriatria.

Na Associação, o meu percurso, passou, pela transversalidade dos seus diversos Serviços, desde a Receção, aos Serviços Centrais, à Medicina no Trabalho e ao Secretariado da Direção, sendo que, nos últimos 18 anos, estive ligada à Assessoria da Direção, assumindo o elo de ligação entre os Serviços e a Direção, cargo que acumulava com o de Responsável pelo Serviço de Relações Institucionais e Internacionalização. Neste Serviço desenvolvi competências para o mercado externo e conheci grande parte dos Países onde atuam as empresas do Setor. Foi o meu último cargo antes de ser nomeada Secretária-Geral, em abril de 2019. E assim a jornada, tal como a aprendizagem, continua, em contexto de gestão da Associação, assim como na representação desta, em diversas entidades que tutelam e acompanham o Setor.

O universo da construção civil é, normalmente, associado a um universo masculino, não sendo muito comum ver uma Mulher a singrar no mesmo. Crê que esta realidade começa a mudar? Ou sente que ainda estamos longe de tornar natural a presença de Mulheres no universo da construção civil?

A relação do universo da construção civil ao género masculino prende-se, sobretudo, ao facto de tradicionalmente se perceber a atividade da construção como o trabalho braçal em contexto de obra, com exigência de esforço físico. Mas a atividade neste Setor é significativamente mais abrangente, com áreas de atividade muito diferenciadas.

Por outro lado, fruto da educação, até há alguns anos atrás, as mulheres não optavam por formação ligada a esta área. No entanto, essa realidade tem vindo a alterar-se, verificando-se, ao nível da formação superior e também ao nível dos cursos de formação profissional, diretamente relacionados com a atividade da construção, uma crescente adesão do universo feminino, o que tem vindo a refletir-se positivamente nos quadros das empresas, tornando-se efetivamente algo natural. A título de exemplo, se analisarmos campanhas de marketing e publicidade associadas ao Setor, constata-se a preocupação em integrar o género feminino, no sentido de continuar a promover uma sociedade mais equitativa e equilibrada.

Como referi, este é um setor bastante “masculinizado”. Desta forma, em algum momento desta jornada sentiu algum género de obstáculo pelo facto de ser Mulher? Se sim, de que forma é que os contornou e ultrapassou?

Pessoalmente, nunca senti que o facto de ser Mulher representasse algum obstáculo ou barreira à progressão da minha carreira profissional. Obviamente, para se chegar a um lugar de topo no interior de uma organização, como o meu percurso na AICCOPN, é necessária dedicação, determinação, esforço e… muito trabalho! Mas isso aplica-se a qualquer profissional, independentemente do seu género ou área de atividade. Ao iniciar a minha atividade profissional ainda bastante jovem, tive de desenvolver competências pessoais e profissionais, e adquirir competências académicas que, a par da experiência, foram fundamentais para o meu desempenho. O facto de ter exercido funções em diferentes serviços, na Associação, de áreas tão distintas, permitiu-me criar um background, que me possibilitou aperfeiçoar e desenvolver as capacidades que me habilitaram a ocupar este lugar. Mas a aprendizagem é, e deve ser, contínua e permanente.

O cenário atual é mais positivo no que concerne ao percurso das Mulheres rumo ao topo. Contudo, ainda existe um longo caminho a percorrer para chegarmos a um estado de maior igualdade. Como analisa este panorama e o que podem as Mulheres perpetuar para singrar e para diminuir o espaço de oportunidades dadas a Mulheres e Homens?

Conforme já referi, pessoalmente nunca senti qualquer desequilíbrio ou falta de oportunidades pelo facto de ser Mulher. No meu caso, orgulho-me de as ter tido e sobretudo de as ter abraçado e conquistado.

Todos conhecemos mulheres bem-sucedidas, que são uma referência ao nível da liderança e gestão empresarial, bem como ao nível dos organismos que representam e/ou tutelam, seja no nosso Setor ou noutras áreas de atividade.

Entendo, no entanto, necessário continuar a reforçar o papel da Mulher numa sociedade que se pretende participada, inclusiva, com iguais oportunidades, direitos e deveres para todos(as) os(as) que dela fazem parte.

Na sua opinião a liderança não tem e não deve ter género? De que forma é que analisa e avalia o crescimento do papel da Mulher em posições de liderança? Falta, por exemplo, uma maior sensibilização do setor para estas questões?

No meu dia-a-dia relaciono-me com Empresas, Associações, Instituições e Organismos públicos e não tenho a perceção de existir algum preconceito face à liderança feminina. Pelo contrário. Deparo-me com pessoas de enormes capacidades, inteligentes, resilientes, que, na sua maioria, desempenham um trabalho de excelência.

 Ainda assim, o trabalho no âmbito da sensibilização para a integração da Mulher na sociedade, com um papel cada vez mais ativo e participativo deve ser sempre, como já referi, reforçado.

Para 2023, quais serão os principais desafios da AICCOPN – Associação dos Industriais da Construção Civil e Obras Públicas?

Um dos principais desafios para as empresas do Setor será, sem dúvida, a concretização dos investimentos previstos no PRR – Plano de Resiliência e Recuperação, que tem por objetivo principal a recuperação económica dos países em face da crise provocada pela pandemia. Até ao momento, a sua aplicação ficou aquém das expectativas, mas consideram-se reunidas as condições para que, em 2023, seja possível cumprir o planeamento e assistir-se a um aumento significativo do Investimento Público, nomeadamente em habitação, cujas verbas europeias totalizam 2.161,8 milhões de euros.

Neste âmbito, o papel da Associação é o de contribuir para a capacitação das empresas de Construção e do Imobiliário, incentivando a inovação tecnológica e a consequente transição para modelos de desenvolvimento mais eficientes e sustentáveis, designadamente através da implementação novos processos construtivos e de novas soluções tecnológicas, como é o caso da utilização de equipamentos com tecnologias de ponta 4.0 – os drones (para trabalhos em altura), os robôs (para trabalhos em espaços de difícil acesso), o BIM – Building Information Modeling, a construção autónoma, a impressão 3D a Internet das Coisas, entre outros.

Como forma de promover e contribuir para a qualificação da Fileira da Construção e do Imobiliário, a AICCOPN criou a marca R.U.-I.S  que se afirma como um símbolo da confiança para todos os intervenientes na reabilitação, empresas, entidades institucionais e público em geral. Esta marca coletiva tem, assim, por objetivo promover as empresas que acompanham as melhores práticas e a inovação, fomentando a atualização de conhecimentos e a melhoria das competências dos seus recursos humanos, utilizam práticas ambientalmente inteligentes e sustentáveis e apresentam indicadores de solidez financeira e de presença no mercado que constituem uma garantia para os seus clientes.

O que ambicionamos é um contínuo crescimento da AICCOPN em termos da representatividade e a capacidade de evolução dos nossos serviços, por forma a garantir uma resposta e apoio eficiente às empresas associadas.

Para concluir, que palavras gostaria de deixar a propósito do Dia Internacional da Mulher, que se comemora no dia 8 de março?

Na qualidade de Secretária-Geral de uma Associação que representa o Setor da Construção e do Imobiliário, cumpre-me promover e defender, junto do nosso universo de Empresas Associadas, a igualdade de oportunidades para ambos os géneros, no mercado do trabalho e na sociedade. Mantenho-me inteiramente disponível para os desafios que sejam necessários implementar e concretizar nesse sentido pois, só com uma sociedade justa e equilibrada, podemos potenciar o desenvolvimento e crescimento sustentável, ao nível social e económico.