“Orientamos Alunos que desenvolvem investigação a nível de qualidade internacional”

Nas linhas seguintes falamos de Estatística e de Investigação Operacional e em que medida estas áreas transformam dados em informação útil para as empresas, para as pessoas e para a sociedade. Numa conversa transparente e elementar, Teresa Alpuim, Presidente do Departamento de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa (FCUL) e os Professores e Coordenadores dos Mestrados e do Doutoramento existentes, João Gomes, Helena Mouriño, Raquel Fonseca e Luís Gouveia, contaram à Revista Pontos de Vista de que forma preparam os alunos para os desafios da vida comum, utilizando, na prática, as ciências que adquiriram enquanto estudantes.

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Quando pensamos na palavra “Estatística”, geralmente, numa verdade crua, associamos o conceito a números e gráficos que parecem não ter impacto na vida quotidiana. Acabamos por ignorá-los e não paramos para refletir na perspetiva do que esses dados podem revelar (e resolver).

Atualmente, todo o conhecimento que se relaciona com a Analítica e a Ciência de Dados tem vindo a desenvolver-se de forma veloz – e a Estatística pode dar uma contribuição valiosa a tudo o que se liga à recolha, organização e interpretação de dados, hoje em dia com maior eficiência, devido às potencialidades que as novas tecnologias digitais proporcionam a este vasto campo da ciência.

Em contrapartida, as empresas enfrentam problemas e escolhas cada vez mais complexas e é aqui que a Investigação Operacional também tem um papel primordial, uma vez que, tendo conhecimento dos diversos constrangimentos, facilita a escolha das soluções mais adequadas.

É neste sentido que o Departamento de Estatística e Investigação Operacional da FCUL «entra», ao ensinar estas duas áreas da Matemática Aplicada. No que concerne ao objetivo primordial das mesmas, Teresa Alpuim, Presidente deste Departamento, reitera que se traduz no “ensino e investigação, numa perspetiva em que se integra a teoria com a prática, ou seja, preocupamo-nos em resolver problemas reais de uma forma fundamentada e com conhecimento de causa”. A própria afirma ainda que “o Departamento está envolvido em duas Licenciaturas: uma em Estatística Aplicada, cujo foco é, como o nome indica, a Estatística, onde a ensinamos numa perspetiva muito prática, e a outra é em Matemática Aplicada, em que os alunos saem com conhecimentos bastante promissores”.

A verdade é que, uma das marcas distintivas destas áreas na FCUL é a fundamentação matemática rigorosa, orientada para uma melhor preparação para o mercado de trabalho dos estudantes e para a criação de resultados da investigação com maior valor económico e social.

Além disso, a proximidade e união que se «respira» nos corredores desta instituição de transmissão e difusão de conhecimento científico e tecnológico, é um fator de destaque inquestionável, sobretudo por vivermos hoje uma era onde as relações humanas são vistas com frivolidade e muitas vezes descuradas em detrimento das tecnologias.

Objetivos, conteúdos e empregabilidade dos Mestrados

Com a Coordenação a cargo de João Gomes, a FCUL apresenta o Mestrado em Estatística e Investigação Operacional. O objetivo é que exista “uma formação avançada em métodos quantitativos de apoio à decisão. Este mestrado é o mais antigo em Estatística e/ou Investigação Operacional, e mesmo um dos mais antigos na área da Matemática Aplicada em Portugal”, afirma o próprio, acrescentando que a visão é também a de “potenciar a empregabilidade, ao colaborar com empresas, através de estágios curriculares que possam vir a ser locais de futuro emprego para os nossos estudantes”.

Prova do impacto positivo deste Mestrado é o facto de antigos alunos ocuparem cargos de responsabilidade em instituições financeiras, empresas de telecomunicações, informática, energia, retalho, entre outros.

No que diz respeito ao Mestrado de BioEstatística, com Helena Mouriño na qualidade de Coordenadora, a mesma afirma que esta vertente tem como característica “o estudo de metodologias rigorosas, com uma forte base quantitativa, para ser aplicada às Ciências da Vida e da Saúde. Na BioEstatística existem dois âmbitos maiorais: por um lado a Biologia e, por outro, as Ciências Farmacêuticas, a Medicina, entre outras. Em ambas, pretendemos criar valor para a Sociedade com base no conhecimento extraído de uma quantidade de informação que, como sabemos, é cada vez maior”.

Também neste Mestrado, além da formação teórica, é importante a introdução dos alunos à investigação e ao mundo empresarial, representando este uma poderosa porta de entrada no mercado de trabalho, nacional e internacional. Uma das áreas em maior crescimento é a dos Ensaios Clínicos, e esta “requer internacionalização”, segundo Helena Mouriño.

Raquel Fonseca é Coordenadora do Mestrado em Matemática Aplicada à Economia e Gestão que procura aliar “conhecimentos avançados na área da Matemática, da Estatística e da Investigação Operacional, com formação complementar nas áreas da Economia e da Gestão. Por um lado, temos alunos da área da Matemática e até Engenharia e, por outro, temos estudantes ligados à própria Economia, Gestão ou Finanças. Pretende-se ensinar os métodos matemáticos em estreita relação com áreas do conhecimento que os motivam e utilizam”. Também aqui é importante que os alunos sejam capazes de resolver problemas em ambiente empresarial.

Raquel Fonseca complementa dizendo que “temos duas disciplinas do Mestrado que são lecionadas por profissionais da área dos Seguros, ao abrigo de protocolos que assinámos com a Fidelidade/Multicare e com a Aegon-Santander, e que contribuem para um conhecimento maior da realidade”. Os estudantes podem também desenvolver o seu trabalho final de mestrado em empresas ou em outras organizações, sendo essa a modalidade preferida pelos alunos.

A missão do Doutoramento em Estatística e Investigação Operacional

Este Doutoramento, Coordenado por Luís Gouveia, é conferido aos que possuem conhecimentos profundos e alargados na área da Estatística e Investigação Operacional e que tenham realizado trabalho significativo de investigação original que contribua para alargar as fronteiras do conhecimento desta área científica.

“Este doutoramento distingue-se, no nosso país, pela forte componente de Matemática Aplicada à sociedade. Recebemos aqui vários estudantes: os que querem manter-se no meio académico e os que pretendem ir para o universo empresarial. Felizmente, estamos a abrir a porta a pessoas que vêm de empresas e que, de uma forma bilateral, cruzam conhecimentos e problemas do mundo real para que possamos encontrar novas abordagens mais eficientes”, assegura Luís Gouveia, confirmando ainda que, no que ao meio académico diz respeito, “orientamos alunos que desenvolvem investigação a nível de qualidade internacional”.

Certo é, estes Doutorados têm sido capazes de analisar criticamente novas ideias e métodos e de comunicar com os seus pares, com a comunidade académica e com a sociedade em geral sobre o impacto da Estatística e da Investigação Operacional no mundo. A título de exemplo, podemos mencionar o caso de um antigo aluno e membro da Marinha, que foi elemento destacado na Task Force do plano de vacinação contra a Covid-19, ou de uma antiga aluna cujo doutoramento deu uma excelente contribuição para o lançamento do primeiro seguro de Saúde Oncológico, pela Multicare.

Novos projetos de interação com empresas e com a comunidade científica

Para Teresa Alpuim, “o conhecimento científico e tecnológico não se adquire apenas dentro da Universidade – pelo contrário, é da resolução dos problemas práticos que surgem as novas ideias. Entendemos que os nossos alunos estarão muito mais bem preparados para continuarem a aprender e a serem bons profissionais se, desde a Universidade, contactarem com problemas reais. Também a investigação que fazemos se torna um desafio muito mais rico e interessante se for direcionada para a inovação e o desenvolvimento de novos produtos, serviços ou métodos de gestão. Em resumo, para ser útil à sociedade”.

Precisamente por este motivo, é crucial e incontornável estreitar a relação entre ensino, empresas e investigação. Nesse sentido, o Departamento de Estatística e Investigação Operacional criou o SAS-FCUL Lab, um Laboratório de Analítica avançada e de Ciência de Dados, em parceria com a empresa SAS Portugal. O objetivo é o de “facilitar uma maior interação entre empresas e alunos universitários. Inaugurado em outubro de 2022, temos já planeados para este ano letivo um curso de certificação SAS para estudantes e um curso de programação avançada de Análise de Dados, para docentes universitários. Pensamos também em organizar, em conjunto com empresas e/ou profissionais, workshops sobre Análise de Dados e Estatística relacionada com diversas áreas de negócio”, garante a Presidente.

Além disso, estão a planear um Doutoramento em empresas, em parceria com o Instituto Superior de Engenharia de Lisboa (ISEL), direcionado para a investigação na perspetiva da inovação e da criação de valor.

Os grandes desafios do meio universitário

Para que os novos projetos decorram de forma sólida e sem barreiras impostas por dificuldades externas, há desafios que urgem ultrapassar.

Primeiramente, importa que o atual “sistema de gestão universitário complexo e com enorme peso burocrático seja simplificado, é tempo que se perde em questões que, muitas vezes, não são relevantes. Além disso, se por um lado temos um grande problema com o subfinanciamento, por outro, temos uma necessidade urgente de renovação do corpo docente. É importante que a substituição dos docentes que se reformam seja feita por professores de carreira e não por professores contratados a prazo”, constata Teresa Alpuim.

Por fim, a Presidente do Departamento de Estatística e Investigação Operacional levanta um outro constrangimento. “Contrariamente ao aconselhado por instituições científicas internacionais de relevo, a avaliação da investigação e dos currículos académicos nas nossas universidades, não só para efeitos de concursos como em outros tipos de avaliações, baseia-se muito mais em métricas de publicações, ou mesmo das entidades que as publicam do que na apreciação do seu conteúdo, impacto na comunidade científica e consequências económicas e sociais”.

Como acontece em quase todos os domínios da vida social e institucional, o sistema de Ensino Superior em Portugal tem passado por mudanças nas últimas duas décadas. Dada a importância destas instituições, são desafios que colocam entraves às futuras gerações – as mesmas que levarão a cabo o mundo e a sua estabilidade intelectual.

Sendo este 2023 o Ano Europeu das Competências, cujo foco é o de promover a aprendizagem ao longo da vida e o desenvolvimento de competências importantes no mercado de trabalho, o qual a FCUL abraça, olhemos para os próximos meses como uma oportunidade de melhoria e de mitigação das lacunas existentes na atualidade do Ensino Superior.