“Esperemos que o Governo não ceda à pressão de medidas populistas e que se foque no que realmente importa para Portugal”

Há quem diga que a solução para travar a inflação, passa pela aplicação, por parte do governo, de uma política de fixação de preços, defendendo esta ideia como a única solução eficaz.

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Mas saberemos todos nós o que implica a aplicação de uma política deste género? Estarão cientes aqueles que a sugerem, dos impactos que a implementação de uma medida tão drástica teria na nossa economia?

Analisemos então, como este género de políticas impacta o mercado livre, e as consequências que são repercutidas no nosso dia a dia enquanto consumidores.

Tem sido notícia ao longo dos anos que a Autoridade da Concorrência (AdC), tem vindo a sancionar grandes cadeias de supermercados e empresas privadas, pela prática de fixação de preços. Prática esta, que de acordo com a Autoridade da Concorrência, é uma prática de colusão altamente prejudicial para os consumidores.

As práticas de colusão incluem diferentes comportamentos levados a cabo pelas empresas, com o objetivo claro de obtenção de benefícios próprios em detrimento de um mercado livre, de uma concorrência sã e de consumidores satisfeitos.

Entre as práticas mais comuns de colusão encontram-se os cartéis e acordos horizontais;

as decisões de associações de empresas, que são consideradas como uma prática de colusão sempre que as mesmas condicionem ou influenciem a atuação no mercado dos seus associados; No poach também conhecido como acordos de não-contratação; Hub-and-spoke que consiste numa forma de atuação na qual os distribuidores recorrem aos contactos que têm com um fornecedor comum para asseverar, através deste, um acordo do preço de venda ao público; e os acordos verticais uma concertação entre empresas não-concorrentes, ou seja, empresas que estão em distintos níveis da cadeia de produção ou de distribuição.

Os cartéis e acordos horizontais são considerados uma das práticas anti concorrenciais mais gravosa estabelecida entre empresas. Isto deve-se ao efeito subversivo do normal funcionamento do mercado, e dos danos que daí resultam tanto para os consumidores como para os concorrentes das empresas envolvidas. Através de uma prática cartelizada as empresas podem entre si fixar preços, limitar a produção, repartir os mercados e clientes bem como trocar informação comercialmente sensível.

Este tipo de ações impede que haja uma escolha livre por parte dos consumidores, para além de resultar igualmente num aumento dos produtos e serviços em causa.

Importante ressalvar que as práticas colusivas limitativas da concorrência são, todas elas, proibidas pela lei nacional bem como pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.

Em Portugal existem vários casos de fixação de preços, apesar de ser uma prática muito associada ao setor da grande distribuição alimentar, havendo diversos casos envolvendo grandes cadeias de supermercados, esta prática é utilizada nos mais diversos setores. Recordemos, por exemplo, o caso em que a Autoridade da Concorrência acusou sete laboratórios de cartel para fazer subir os preços dos testes Covid-19, tendo referido que os ditos laboratórios teriam acordado entre si estratégias que adotariam na negociação com entidades públicas, onde se incluía o Serviço Nacional de Saúde (SNS), mas também com entidades privadas. Ou o caso, em que três empresas foram sancionadas por acertarem entre si preços e repartirem mercado em procedimentos de contratação pública lançados pela REN (Redes Energéticas Nacionais).

Parece óbvio, quando olhamos para estes casos, que o livre funcionamento do mercado fica indiscutivelmente condicionado quando são aplicadas políticas como a fixação de preços, prejudicando não só o consumidor, mas todas as empresas concorrentes que operam no mercado.

Atendendo a isto, como podem haver vozes que defendem que fixação de preços por via administrativa será a solução ideal para parar a inflação, e devolver o poder de compra aos consumidores? Quando parece evidente que condicionar o mercado livre é um erro com consequências nefastas para todos os que nele operam.

Claro que a resposta rápida e aparentemente mais simples seria, se a inflação ocorre quando se regista uma subida generalizada e sustentada dos preços dos bens e serviços consumidos pelas famílias, se os preços forem fixados administrativamente o problema ficará resolvido. Sem dúvida que parece uma ideia aliciante, principalmente quando vemos os preços dos bens essenciais a aumentar de dia para dia. Mas será mesmo assim? Será a política de fixação de preços a fórmula mágica que tanto almejamos?

Esta ideia não é inédita e existem vários países que aplicam este tipo de políticas de controlo de preços, como por exemplo a Argentina e a Venezuela.

A Argentina, que sofre de uma inflação persistente, tem recorrido com frequência à fixação de preços, fazendo acordos “voluntários” com empresas, produtores e retalhistas para fixar os preços de bens de primeira necessidade. Este controlo de preços pelo governo argentino tem fracassado consistentemente ao longo dos anos, culminando com tumultos sociais e hiperinflação. A aposta continua nesta medida traduziu-se, igualmente, no aparecimento de mercados ilegais no país, com maior incidência nas províncias que fazem fronteira com outros países.

Na Venezuela também se tem vindo a aplicar várias políticas de fixação de preços de forma a combater a crise económica que o país tem vindo a enfrentar, limitando o preço dos bens essenciais. O resultado desta prática traduziu-se na escassez dos artigos em questão, que incluíam produtos alimentares, mas também medicamentos e produtos de higiene. À semelhança do que se registou na Argentina, também no caso venezuelano houve uma proliferação de mercados ilegais.

Esta prática também se verificou nos Estados Unidos da América, em 1971, com a aplicação de políticas de controlo de preços e de salários, pela presidência de Richard Nixon. O célebre Choque Nixon, que previa entre outras coisas, o congelamento de preços e também o congelamento de salários, e que tinha como finalidade travar a inflação. Efetivamente com o choque desta medida registou-se inicialmente um abrandamento da inflação, mas acabou por ser sol de pouca dura, pois houve igualmente o reverso da medalha tendo se registado escassez de bens de primeira necessidade, com maior impacto na alimentação e energia.

São vários os casos que espelham as consequências nefastas para o mercado livre da imposição de políticas deste género.

Não podemos esquecer, que se fosse aplicado uma fixação de nível de preços baixos, isto com a premissa, que tem vindo a ser defendida por alguns, de que as famílias não perdessem o seu poder de compra e mantivesse o seu consumo, principalmente no que respeita a bens e serviços de primeira necessidade, a consequência inevitável seria a escassez de bens e um desequilíbrio brutal na nossa economia.

Relembremos o que nos ensina a Lei da Procura e da Oferta, que em economia é quem determina a formação de preços no mercado, entre o preço oferecido e o preço procurado. Este conceito é representado por duas curvas.

Uma curva que representa a lei da oferta (curva da oferta) e que espelha as variações da quantidade oferecida de um determinado bem são diretamente proporcionais às variações do preço desse bem.

E uma curva que representa a lei da procura (curva da procura) que reflete as variações da quantidade procurada de um bem são inversamente proporcionais às variações do preço desse mesmo bem.

O cruzamento das representações gráficas da curva da oferta e da procura apresenta o ponto de equilíbrio do mercado, isto é, o ponto que corresponde ao binómio preço/quantidade que (em teoria) torna a quantidade oferecida igual à quantidade procurada de determinado bem ou serviço. Ou seja, o ponto de equilíbrio entre oferta e a procura faria com que os preços ficassem num patamar razoável.

De uma forma simplista compreendemos que o normal funcionamento do mercado, procura encontrar esse equilíbrio, sabendo que a tendência normal quando há muita oferta e pouca procura, que os preços tendencialmente diminuem, e quando há muita procura por um produto e escassez do mesmo, os preços tendencialmente sobem.

Ora, se fixarmos um nível artificialmente baixo de preços dos bens essenciais, haverá naturalmente mais procura por parte dos consumidores. Contudo, um nível baixo de preços imposto administrativamente pelo governo condicionaria a subida do preço, o que seria a tendência normal do mercado. Isto significaria que as empresas não conseguiriam recuperar os custos inerentes à produção e à distribuição dos bens, o que fará com que se registe uma queda na produção, ou poderá mesmo desencadear um êxodo dessas empresas do nosso país, o que levará inevitavelmente à escassez de bens e à proliferação de mercados ilegais.

A par das vozes que defendem esta ideia, encontramos quem alerte para os perigos da mesma.

Por exemplo o próprio Ministro das Finanças, Fernando Medina, referiu em entrevista recente à RTP que a “Fixação de preços levaria ao possível desaparecimento dos bens na distribuição e o seu aparecimento no mercado paralelo”.

Também o ministro da Economia e do Mar, António Costa Silva, tem alertado para os perigos de uma medida desse género tendo referido que “Sempre que se fixa preços administrativamente as coisas não funcionam”.

Mas estes alertas não chegam só de membros do governo, mas também da própria Autoridade da Concorrência (AdC) que tem vindo a advertir que “os controlos de preços distorcem os sinais de preços no mercado e podem conduzir involuntariamente à escassez de oferta e a ruturas na cadeia de valor”.

As reações de grandes cadeias de supermercados também não se fizeram esperar, como foi o exemplo do presidente da cadeia espanhola de supermercados Mercadona, Juan Roig, que referiu que uma medida de fixação artificial preços é uma ilusão alertando ainda que a mesma seria “compensada com [aumentos de preços em] outros produtos” ou “à custa da redução da qualidade dos produtos ou da diminuição do tamanho das embalagens”. Também Cláudia Azevedo, presidente executiva da Sonae, defende que a implementação de um controlo de preços iria contribuir para “para ter prateleiras vazias nos supermercados”.

Parece ser evidente que um cenário como este não era benéfico para ninguém e que não resolveria o problema da inflação, antes pelo contrário, para além de representar uma violação clara do princípio da livre concorrência.

Temos de nos convencer que esta crise vai doer, os juros vão continuar a subir porque assim tem de ser, não existem soluções milagrosas como muitos tentam apregoar. A fixação de preços administrativamente de bens essenciais é um erro com consequências muito sérias. E não deixa de gerar alguma perplexidade como é que partidos com assento parlamentar, decidem ignorar estes factos e continuam a defender cegamente uma “solução” que só iria dar-nos mais dissabores.

Esperemos que o Governo não ceda à pressão de medidas populistas e que se foque no que realmente importa para Portugal.