Fiscalidade Verde: Não está de passagem

É de conhecimento de todos que as alterações climáticas afetam irremediavelmente todo o planeta, sendo que o tema da transição ecológica tem estado na ordem do dia, com uma urgência crescente, pois os impactos das alterações climáticas começam a ser gritantes e a afetar o nosso dia a dia.

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É sabido que existe um esforço a nível global para que esta transição se concretize, registando-se uma maior abertura de uns países do que de outros, a tarefa a nível mundial é por vezes dificultada por interesses económicos de certos países e a par disto por ainda existirem muitos negacionistas que tentam negar ou reduzir a importância deste tema. Na União Europeia, em dezembro de 2019, através do Pacto Ecológico Europeu, validou-se o comprometimento por parte dos Estados Membros em trabalharem em conjunto, para conseguirem atingir o objetivo de ser o primeiro continente com impacto neutro no clima.

Através deste pacto, a União Europeia traçou políticas em matéria de clima, energia, transportes e fiscalidade adequadas para conseguir obter uma redução das emissões líquidas de gases com efeito de estufa, de pelo menos, 55% até 2030, em comparação com os níveis registados em 1990. Este objetivo é a antecâmara para a meta final que se prende com a neutralidade carbónica da União Europeia até 2050.

O alinhamento de Portugal com os objetivos do Pacto Ecológico Europeu é notório, tendo sido uma das prioridades da Presidência Portuguesa do Conselho Europeu. Com a implementação da Lei de Bases do Clima de dezembro de 2021, que entrou em vigor em fevereiro do ano passado, Portugal definiu pela primeira vez metas concretas para a antecipação do objetivo da neutralidade carbónica para 2045. Nessa sequência todos os Estados-Membros publicaram os seus próprios Planos Nacionais de Energia e Clima (PNEC’s) para evidenciar como planeiam cumprir os objetivos climáticos da União Europeia para 2030 e colocar a Europa no caminho da neutralidade climática.

Portugal não foi exceção, tendo apresentado o seu Plano Nacional de Energia e Clima 2030 (PNEC 2030) com as metas a que se propõem.

Também no Plano Nacional de Recuperação e Resiliência (PRR), está previsto uma dimensão alocada à Transição Climática onde foram tidas em conta seis componentes com intervenção em áreas estratégicas, como sejam o mar, a mobilidade sustentável, a descarbonização da indústria, a bio economia, a eficiência energética em edifícios e as energias renováveis.

Os dados sobre a execução do PRR, divulgados a 28 de junho demonstram uma taxa global de atingimento de 17%, tendo sido cumpridos 58 dos 341 Marcos e Metas contratados com a União Europeia. Ao analisarmos especificamente o capítulo da Transição Climática, no PRR, verifica-se que foi destinada uma verba total de 3059 milhões de euros, mas de acordo com os últimos dados fornecidos pelo Portal Recuperar Portugal, apenas 12% desse valor foi pago aos Beneficiários Diretos e Beneficiários Finais.

Mas o nosso sistema fiscal, não contempla apenas os apoios previstos pelo PRR sendo bem mais amplo em matéria ambiental. Analisemos a Reforma da Fiscalidade Verde levada a cabo em 2014, que teve como intuito alterar um conjunto de normas fiscais ambientais nos setores da energia e emissões, transportes, água, resíduos, ordenamento do território, florestas e biodiversidade, inserindo ainda um regime de tributação dos sacos de plástico e um regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida.

Fazemos um parenteses apenas para recordar, que o regime de incentivo ao abate de veículos em fim de vida deixou de existir em 2017, apesar dos incessantes pedidos feitos pela indústria automóvel para que seja feita uma renovação desse apoio, já que Portugal tem dos parques automóveis com mais anos. Parece agora que o Orçamento de Estado de 2023 poderá reavivar este incentivo quando fala sobra a “criação de um mecanismo que promova a mobilidade sustentável e a coesão territorial, financiando por reafectação das reduções fiscais da receita proveniente do ISP, incluindo o adicionamento sobre as emissões de CO (índice 2)”, contudo ainda está por definir como e quando se implementará este incentivo.

Os pressupostos que regeram a Reforma da Fiscalidade Verde, prendiam-se com a neutralidade fiscal e a obtenção de um triplo dividendo proteger o ambiente e reduzir a dependência energética do exterior, fomentar o crescimento e o emprego e contribuir para a responsabilidade orçamental e para a redução dos desequilíbrios externos.

A aplicação deste tipo de Fiscalidade tem como principais objetivos penalizar mais o que se polui e degrada, de forma a forçar uma mudança de comportamentos que reduzem a pegada ecológica de pessoas e empresas; diminuir a dependência energética do exterior tornando o país mais autónomo; instigar padrões de produção e de consumo mais sustentáveis, reforçando a liberdade e responsabilidade dos cidadãos e das empresas; promover a eficiência na utilização de recursos; diminuir a carga fiscal que incide sobre pessoas e empresas; estimular o empreendedorismo e a criação de emprego e diversificar fontes de receita, de neutralidade do sistema fiscal e de competitividade económica.

Existem um conjunto de medidas introduzidas pela Reforma da Fiscalidade Verde, cuja responsabilidade de implementação é coordenada pela Agência Portuguesa do Ambiente. Entre as medidas introduzidas pela reforma de 2014 está a conhecida taxa sobre os sacos de plástico leve, cujo valor da contribuição é de 8 cêntimos mais IVA. Em 2023 o Governo pretendia, na sequência desta iniciativa, que a partir de 1 de junho fosse implementada uma proibição de disponibilização de sacos de plástico ultraleves na venda de pão, frutas ou legumes. Esta norma caiu para dar lugar a uma nova contribuição que será devida pelos consumidores, à semelhança do que acontece com os sacos de plástico leve. O novo diploma ainda está a ser ultimado, pelo que ainda não é conhecido o valor desta nova contribuição.

Das medidas introduzidas com a reforma, para além da que mencionamos, destacamos ainda as que visaram:

– A revisão e consequente agravamento das taxas de gestão de resíduos e de recursos hídricos;

– A introdução de uma modalidade de tributação do Carbono, que passou a incidir sobre os setores não incluídos no Comércio Europeu de Licenças de Emissão (“CELE”), indexada ao respetivo preço;

– A inserção de medidas de incentivo aos veículos com melhor desempenho ambiental, como o incentivo à aquisição de veículos elétricos, dedução de IVA em veículos de turismo elétricos, híbridos plug-in, GPL e GNV;

– Incentivos utilização de transportes públicos, onde podemos destacar o esforço do Governo em reduzir o valor mensal dos passes socias para as famílias, promovendo desta forma o uso mais intensivo deste meio de transporte em detrimento da utilização do veículo próprio;

– Alterações ao nível do Imposto sobre Veículos (“ISV”), com o agravamento das respetivas taxas para os veículos a gasolina e gasóleo em função das respetivas emissões de CO2 associadas. No que concerne o agravamento deste imposto em 2023, estão previstas alterações nomeadamente no que concerne às autocaravanas, que atualmente beneficiam de uma taxa reduzida correspondente a 30% do ISV. A alteração prevê que passem a estar sujeitas ao pagamento de 100% do ISV, contudo está previsto um regime transitório que corresponde a aumento progressivo do referido imposto, passando a 40% da tabela a partir de 01 de janeiro de 2024, a 60% da tabela a partir de 01 de janeiro de 2025 e a 80% da tabela a partir de 01 de janeiro de 2026.

– Implementação de medidas de medidas de bike-sharing e car-charing sendo que, hoje em dia vemos maior disponibilidade deste meio de transporte nas grandes cidades.

Para além da Reforma da Fiscalidade Verde, que como podemos constatar passado vários anos teve o seu mérito e continua a dar frutos, existem outros mecanismos de fiscalidade ambiental. Um deles é o PRR, que tal como falado anteriormente foram disponibilizados vários incentivos através de candidatura, entre eles, o referente aos apoios financeiros que permitiram compensar o sector dos transportes públicos com o aumento do preço dos combustíveis.

O Orçamento do Estado para 2023 trouxe algumas novidades nesta matéria, nomeadamente para os particulares que desejam ser mais “amigos do ambiente”; particulares que detenham pequenos negócios que produzam energia para autoconsumo podem beneficiar de isenção em sede de IRS nos rendimentos obtidos com a venda da energia produzida, contudo, esta isenção está limitada, sendo apenas aplicável até um nível máximo de rendimentos de 1000€.

Analisando, agora os dados obtidos na União Europeia, de acordo com a informação divulgada pelo Eurostat, os impostos ambientais por atividade económica, cobrados aos setores da energia, transportes, poluição e recursos, ascenderam no ano de 2021 a 325,8 mil milhões de euros, o corresponde a um peso de 2,2% do produto interno bruto da UE. Estes valores demonstram um acréscimo de arrecadação de impostos ambientais, quando feita a comparação com o ano de 2020 onde se tinha registado um valor total de 300,2 mil milhões de euros.

Quando olhamos para o nosso país, compreendemos que estes impostos já renderam ao Estado português muitos milhões de euros. De acordo com os dados divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística no relatório apresentado em outubro de 2022, o valor arrecadado em impostos ambientais, no ano de 2021, ascendeu a 5 mil milhões de euros, o que corresponde a cerca de 2,3% do PIB. Quando comparado com o período homólogo, conclui-se que houve uma subida do valor arrecadado de 6,3%.

Sem grande surpresa, o imposto que mais pesou foi o Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos (ISP), que representa 70,7% do total arrecadado em 2021.

Estes valores deixam Portugal acima da média Europeia em matéria de impostos ambientais, o que sem dúvida é um sinal positivo.

Mas esta transição não pode ser apenas em arrecadação de impostos, mas deve igualmente incidir sobre a área dos incentivos fiscais. Nesse sentido, o Governo já veio afirmar, pela voz da secretária de Estado da Energia, Ana Fontoura Gouveia, que estão a ser estudados incentivos fiscais cuja a introdução se prevê que seja feita através do Orçamento de Estado de 2024. Estes incentivos que estão a ser estudados, terão como foco as famílias e as empresas que continuem a investir na transição ecológica, e estão igualmente previstos incentivos na área da eficiência energética dos edifícios.

Esperamos igualmente, que estas novas medidas que se encontram a ser estudadas, contemplem formas menos burocráticas e mais céleres de concessão de incentivos, de forma a que elas possam servir efetivamente como um ímpeto de mudança.

A Fiscalidade Verde não está de passagem veio para ficar e a tendência é para que se torne cada vez mais abrangente, espalhando a sua tónica verde para a generalidade do nosso sistema fiscal.