Que desafios apresenta a XV Jornada da APOTEC, no dia 10 de novembro no Funchal?
As Jornadas da APOTEC, por norma, centram-se na Contabilidade, e por inerência, também no impacto fiscal, sendo eventos ímpares, pela vanguarda temática que trazemos à discussão e de partilha com os profissionais, e com as empresas, que quer queiramos, quer não, impactam a vida de todos os portugueses. A APOTEC é uma associação descentralizada, e desta vez coube à Madeira o acolhimento de profissionais de todo o País, com particular destaque para as empresas, e também aos estudantes. Os novos desafios da contabilidade, nomeadamente ao nível do relato de sustentabilidade (obrigatória a partir de 1 de janeiro de 2024), a ética nas organizações e a inteligência artificial neste sector, são temas que exigem conhecimento e um debate sério.
Acredita que a inteligência artificial pode influenciar a contabilidade?
A inteligência artificial já influencia! A questão aqui é a velocidade com que sentimos essas mudanças. Vivemos numa Era digital, no entanto vivemos em tempos e realidades diferentes, tendo em conta o desenvolvimento próprio de cada organização e da capacidade das mesmas na transformação dos processos e na dotação de qualificação dos recursos humanos. Acredito que temos sempre que nos adaptar às mudanças, seja nesta área ou não. A melhoria dos processos, a celeridade da informação e a consequente fiabilidade que a contabilidade aporta à gestão das organizações, são fatores essenciais à sustentabilidade.
A digitalização é o fator predominante neste Ano Europeu das Competências. As entidades são incentivadas a desenvolverem estratégias de ensino e métodos de aprendizagem digitais. De que forma (s) é que a APOTEC acompanha esta iniciativa?
A APOTEC acompanha as mudanças estruturais da sociedade e apostamos no digital há já vários anos porque esta questão da digitalização está diretamente relacionada com a sustentabilidade. Por exemplo, o nosso Jornal de Contabilidade que na prática é uma revista técnico-científica, disponível aos associados é, há muitos anos, digital. Se fosse impressa e enviada pelo correio, seria muito mais oneroso e não compatível com uma quota de 4€/mês.
Por outro lado, em termos de estratégias de ensino, a maior parte dos nossos cursos, incluindo pós-graduações e formações são em regime online. No entanto, também temos formações presenciais em vários pontos do País porque acreditamos que são fundamentais. Se por um lado o online permite uma melhor gestão do tempo e maior comodidade para quem está a aprender; por outro o presencial proporciona momentos de convívio e de partilha de ideias de maior proximidade. Diria que vivemos tempos híbridos, nos quais temos que se encontrar o equilíbrio entre o remoto e o presencial, entre a otimização e a satisfação plena das pessoas.
Algumas escolas e universidades são vocacionadas para o ensino digital, o que pode alterar a experiência dos estudantes.
As universidades portuguesas, na sua larga maioria e sobretudo nas licenciaturas, funcionam em regime presencial porque este continua a ser o caminho mais adequado à formação dos jovens que após uma pandemia precisam de conviver, conhecer pessoas, meios e ambientes novos. Felizmente que também há licenciaturas e pós-graduações e até mestrados realizados exclusivamente online, que permitem encurtar distâncias e que potenciam juntamente com a aprendizagem e melhoria de competências, um contacto e conhecimento de outras realidades, outras vivências, e até mesmo de práticas e experiências profissionais distintas.
Há uns meses, afirmou que para os jovens a contabilidade é um pesadelo. Existe alguma fórmula para contrariar esta tendência?
Os jovens são digitais, têm todo o tipo de aplicações nos seus telemóveis, incluindo o seu banco; muitos têm matérias escolares ou académicas nas plataformas, enviam os trabalhos por essa via e são especialistas em redes sociais. No entanto, quando se fala de contabilidade e consequentemente de impostos ou de IRS, os jovens fogem e não é porque não têm interesse, simplesmente nada lhes é minimamente explicado.
Volto a dizer que o ensino secundário deveria ter matérias de literacia financeira e ensinar os alunos a relacionarem-se com os portais públicos, por exemplo. Mas não podemos culpabilizar os jovens nem tão pouco afirmar que são os únicos que fogem destas matérias. A maior parte dos adultos com carreiras profissionais e competências necessárias, não se interessam em perceber minimamente o seu próprio IRS. Preferem recorrer a um contabilista, o que para a classe é bom, mas é importante começarem a perceber a sua situação fiscal.
Uma das suas críticas prende-se com a questão do IRS Jovem.
O IRS Jovem pode conduzir a enganos e erros e lesar as expectativas dos agregados familiares. Vamos imaginar uma situação prática: um estudante que vive com os seus pais, termina a licenciatura e, no mesmo ano, ingressa no mercado de trabalho. Na altura de entregar a declaração de IRS se for elegível e optar pelo IRS Jovem, terá que o fazer de forma isolada, deixando de integrar o agregado familiar, e na maior parte dos casos não existem benefícios reais, mas sim prejuízos porque os pais não podem integrar o seu filho(a) no seu IRS ainda que tenham sido eles suportar as despesas de educação ou que sustentem o jovem.
Que balanço faz de quase dois anos à frente da APOTEC?
Fui eleita em janeiro de 2022, numa altura em que ainda sentíamos os resquícios de uma pandemia que alterou os paradigmas e não podia haver hesitações. Estar à frente da APOTEC tem sido gratificante, além de ter o apoio dos associados, dos vários órgãos associativos, do reconhecimento da classe e de outras entidades com as quais trabalhamos, estes quase dois anos ajudaram-me a crescer, enquanto pessoa, enquanto profissional e enquanto mulher.
O que pode mudar em dois anos? E onde se imagina nessa altura?
Em dois anos, em dois segundos, tanta coisa pode mudar! Temos uma guerra na Ucrânia e um conflito no Médio Oriente, sem que possamos criar grandes expetativas sobre o fim ou ter a real noção das implicações para a Europa e, consequentemente para Portugal. Vivemos numa economia estrangulada, com taxas de inflação assustadoras, com um empobrecimento acentuando e num País que está a recuar em termos de tranquilidade económica da sua população nativa.
Nos próximos três anos e, em Portugal, vamos ter eleições: europeias, autárquicas, legislativas e presidenciais. Creio que é prematuro traçar conjeturas políticas porque quer queiramos, quer não, é a política que define os rumos do País nas suas distintas valências.
A nível profissional, há o compromisso de fazer o que gosto, mas não faço planos a longo prazo. A vida ensinou-me cedo a viver o presente ao máximo, a manter a esperança no melhor futuro, mas preparando-me também para o pior. O meu lugar é, e será sempre, aquele onde me sentir confortável, nos meus princípios e que me faça sentir útil, que me ajude nesta espiral de conhecimento e que proporcione a oportunidade de (continuar a) contribuir para a sociedade.
Dia Internacional da Contabilidade
No dia 10 de novembro, a APOTEC promoveu, no Funchal (Madeira), a XV Jornada de Contabilidade e Fiscalidade: “O dia não foi escolhido ao acaso”, salienta Isabel Cipriano. E acrescenta: “Foi no dia 10 de novembro de 1494, que Frei Luca Pacioli publicou a famosa Summa de Arithmetica, Geometria, Proportioni et Proportionalita, livro que permitiu a difusão da Contabilidade”.
“Sou uma mulher de desafios”
Isabel Maria Cipriano, 50 anos, integra a Associação Portuguesa de Técnicos de Contabilidade desde o ano 2000. No início de 2022 foi eleita Presidente da APOTEC, e tornou-se a primeira mulher desde a criação da Associação, em 1977 a alcançar a liderança. “Sou uma mulher de desafios”, comenta. Presença regular na imprensa, este ano de 2023, abraçou a missão de, em conjunto com Camilo Lourenço e José Pedro Farinha, conduzir o programa Corporate Business. “Trata-se de um programa mensal que aborda temas que são vitais para a sociedade civil. No último, que aconteceu em finais de outubro, o tema era: Prepare a sua reforma. Quem é que não está preocupado com a reforma”?, acrescenta. Isabel Maria Cipriano tem 50 anos, é casada, mãe de um jovem universitário e vive em Lisboa.